Brasil: "Cuidar da terra, alimentar a saúde e cultivar o futuro" – Carta Política do III ENA

Por AS-PTA
Idioma Portugués
País Brasil

“Cuidar da Terra, Alimentar a Saúde e Cultivar o Futuro. Com este lema, o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) reuniu-se entre os dias 16 e 19 de maio de 2014 na cidade de Juazeiro-BA. Com o público de mais de 2.100 pessoas vindas de todos os estados brasileiros, fizeram-se representar trabalhadores e trabalhadoras do campo, portadores de diferentes identidades socioculturais..."

“Cuidar da Terra, Alimentar a Saúde e Cultivar o Futuro”. Com este lema, o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) reuniu-se entre os dias 16 e 19 de maio de 2014 na cidade de Juazeiro-BA. Com o público de mais de 2.100 pessoas vindas de todos os estados brasileiros, fizeram-se representar trabalhadores e trabalhadoras do campo, portadores de diferentes identidades socioculturais (agricultores familiares, camponeses, extrativistas, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, faxinalenses, agricultores urbanos, geraizeiros, sertanejos, vazanteiros, quebradeiras de côco, catingueiros, criadores de fundos em pasto, seringueiros), técnicos, pesquisadores, professores, extensionistas e estudantes, além de gestores convidados. Com a presença majoritária de trabalhadores e trabalhadoras rurais, nosso encontro alcançou participação paritária entre homens e mulheres, contando também com expressiva participação das juventudes.

 

A fase preparatória com as 14 Caravanas Agroecológicas e Culturais e o III ENA produziram claras evidências da abrangência nacional que assume hoje a agroecologia em todos os biomas brasileiros como referência para a construção de caminhos alternativos aos padrões atualmente dominantes de desenvolvimento rural impostos pelo agronegócio. Ao mesmo tempo, dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras do campo incorporam a proposta agroecológica como caminho para a revalorização do diversificado patrimônio de saberes e práticas de gestão social dos bens comuns e de reafirmação do papel da produção de base familiar como provedora de alimentos para a sociedade.

 

No III ENA pudemos constatar que a incorporação do enfoque agroecológico é também expressão da resistência da produção camponesa e familiar às crescentes pressões sobre ela exercidas pela ocupação de seus territórios pelo agronegócio e pelos grandes projetos de infraestrutura e de exploração mineral. Na análise que realizamos sobre os conflitos territoriais que se intensificaram nos últimos 15 anos, com o favorecimento das políticas públicas à expansão do grande capital no campo, constatamos que ao resistir em seus lugares de vida e produção, a agricultura familiar camponesa e os povos tradicionais produzem respostas consistentes e diversificadas para críticas questões que desafiam o futuro de toda a sociedade.

 

Reforma agrária e reconhecimento dos territórios dos povos e comunidades tradicionais, a afirmação da nossa sociobiodiversidade, conflitos e injustiças ambientais, agrotóxicos e seus impactos na saúde, acesso e gestão das águas, articulação de ensino, pesquisa e ater, educação no campo, sementes da diversidade, abastecimento e construção social de mercados, normas sanitárias, financiamento e agroecologia, plantas medicinais, agricultura urbana, e comunicação, foram alguns dos temas abordados.

 

Ao realizar com êxito o III ENA no Ano Internacional da Agricultura Familiar Camponesa e Indígena, reafirmamos nosso compromisso e nossa disposição de luta pela transformação da ordem dominante nos sistemas agroalimentares, apontando a agroecologia como o caminho que desde já se coloca como a única alternativa na disputa contra a violência imposta pelo agronegócio e outras expressões do grande capital sobre os territórios nos quais a agricultura familiar camponesa e povos e comunidades tradicionais vivem e produzem historicamente para alimentar o nosso povo numa sociedade organizada sobre bases democráticas e de respeito aos direitos da cidadania.

 

Leia a Carta Política do III ENA na íntegra.

 

Trecho da Carta Política do III ENA sobre Agrotóxicos e seus Impactos na Saúde

 

A situação do uso de agrotóxicos no Brasil é absolutamente insustentável e inaceitável, sendo necessário ser urgentemente revertida. O Brasil não pode continuar sendo o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O modelo de desenvolvimento do agronegócio é dependente de fertilizantes e venenos agrícolas, sendo uma das formas de violência deste modelo com todas as formas de vida. São muitos os casos de intoxicação por agrotóxicos, de câncer, de suicídios, de alteração hormonal das mulheres e de desenvolvimento de crianças e adolescentes, além de vários outros impactos na saúde que produzem muito sofrimento. Quando denunciamos as relações entre o uso de agrotóxicos e adoecimento somos perseguidos e ameaçados. O escandaloso aume nto do uso de agrotóxicos, relacionado também com a liberação de sementes transgênicas, aparece nos alimentos, na contaminação de animais e plantas, solos, ar e das fontes e mananciais de água que servem de consumo humano. É impossível avançar na construção da agroecologia, em experiências e iniciativas de abastecimento de produtos agroecológicos sem que essa situação seja revertida. Além de ser uma questão de saúde pública e de segurança nacional, os agrotóxicos ameaçam a vida no planeta. Por essa razão reafirmamos que não existe uso seguro de agrotóxicos. É necessário combater a ideia da existência de níveis aceitáveis de contaminação dos alimentos, da água e do corpo dos trabalhadores e trabalhadoras. Queremos o imediato fim da pulverização área e o banimento dos agrotóxicos proibidos em outros países. Exigimos o fim da isenção fiscal aos agrotóxicos e a destinação dos recursos arrecadados para o fortalecimento da agroecologia e a recuperação de ecossistemas degradados. Não aceitamos o relaxamento da legislação e tampouco o desmonte das instituições de regulação e controle dos agrotóxicos. São obrigações da Anvisa e do Ibama proteger a saúde da população e do ambiente. Precisamos reforçar em todas as oportunidades as bandeiras da agroecologia e do fim dos agrotóxicos. Isso implica brecar a expansão do agronegócio sobre os territórios da agricultura familiar, camponesa, indígena e quilombola, bem como a demarcação de zonas livres de agrotóxicos e transgê nicos. Cobramos a imediata formulação e execução do Plano Nacional de Redução do Uso dos Agrotóxicos, iniciativa prevista no Planapo, que deverá articular medidas nos campos administrativo, fiscal e legislativo coerentes com a efetiva necessidade de proteção do meio ambiente e da saúde da população e promoção de alternativas técnicas já provadas no Brasil e em inúmeros outros países.

 

Trecho da Carta Política do III ENA sobre as Sementes da Diversidade

 

As sementes crioulas são fruto de cuidadoso trabalho de seleção praticado por agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais. Em permanente processo de coevolução com as comunidades agrícolas, essas sementes não somente se adaptam às condições e práticas locais de manejo, como também atendem a grande diversidade de usos e preferências culturais, e são fundamentais para o fortalecimento da Agroecologia e para a autonomia das famílias agricultoras. É urgente que os governos federal, estaduais e municipais reconheçam, valorizem, disseminem e fortaleçam as dinâmicas comunitárias e regionais de conservação da agrobiodiversidade, incluindo as ações de resgate, guarda, avaliação, multiplicação, intercâmbio, comercialização e uso de sementes crioulas. Programas e políticas públicas não devem promover a distribuição em larga escala de poucas variedades de sementes comerciais entre agricultores familiares e comunidades tradicionais. Devem valorizar especialmente a diversidade de espécies e variedades crioulas importantes para a segurança alimentar e nutricional, bem como o papel e o trabalho das guardiãs e guardiões de sementes.

 

Dinheiro público não deve ser usado para compra de sementes transgênicas. Zonas livres de transgênicos devem ser criadas como estratégia para a conservação de recursos genéticos locais, especialmente nas áreas indígenas e quilombolas e em regiões de forte presença da agricultura familiar e de outras comunidades tradicionais. Os bancos de germoplasma públicos devem ser colocados a serviço dos agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais, e o acesso aos materiais conservados ex situ deve ser democratizado.

 

Instituições públicas de pesquisa como a Embrapa devem formar e contratar pesquisadores para trabalhar com metodologias participativas e desenvolver programas de melhoramento genético participativo, levando em consideração critérios de seleção identificados pelas comunidades agricultoras. Instituições de ensino devem incluir disciplinas sobre manejo comunitário e conservação in situ/on farm dos recursos genéticos nos cursos técnicos e de agronomia. Devem ser fortalecidas as redes e as parcerias entre ONGs, organizações de agricultores, instituições de Ater e instituições governamentais. O governo federal deve capacitar executores do Pronaf, gerentes de banco, técnicos avaliadores do Seguro da Agricultura Familiar (Seaf) e outros gestores públicos a r espeito das mudanças introduzidas na legislação de sementes a partir de 2003, de modo que não sejam impostas restrições indevidas à utilização de sementes crioulas por agricultores familiares. A Funai deve alinhar suas ações em Terras Indígenas com as diretrizes da PNAPO, visando a soberania dos índios sobre suas sementes. O Fundo Clima deve também avançar na perspectiva da valorização das sementes crioulas e do fortalecimento das estratégias comunitárias e regionais de conservação de recursos genéticos locais, na perspectiva da adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

 

Rechaçamos ainda as iniciativas legislativas que imponham restrição ao livre uso das sementes crioulas, como o PL 2325/2007, e o PL 268/2007 que autoriza a produção e a comercialização de sementes transgênicas terminator, ou seja, aquelas portadoras de Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso.

 

Fuente: AS-PTA

Temas: Agroecología

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