Brasil: Quem precisa de biossegurança?

Nesse debate nacional sobre transgênicos, o que menos se discute é biossegurança, apesar de a lei ter esse título. Habilmente, o lobby das multinacionais da engenharia genética nunca aparece na linha de frente com sua reivindicação essencial: liberação dos transgênicos para cultivo comercial sem avaliação de riscos para a saúde e para o meio ambiente.

No debate na Câmara dos Deputados, o lobby colocou na linha de frente os cientistas da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), associação que se intitula de biossegurança, mas que só luta pela liberação dos transgênicos. Os cientistas choraram as pitangas acusando o Ibama de impedir as pesquisas sobre transgênicos com suas exigências burocráticas e sua lentidão. Quando o Ibama alterou suas regras para atender às exigências dos cientistas, mesmo antes da votação da nova lei, esses lobistas não ficaram satisfeitos. A nova reivindicação era de apressar a liberação comercial, pois, segundo eles, o Estado não pode gastar dinheiro em pesquisa para depois seus resultados não poderem ser utilizados.

Curiosa lógica a desses cientistas. O Estado deve facilitar as pesquisas em transgênicos com regras menos exigentes e procedimentos mais rápidos. O Estado deve financiar as pesquisas sobre transgenia. O Estado deve liberar rapidamente o uso comercial dos transgênicos. Mas o Estado não é responsável pela segurança dos alimentos consumidos pelos cidadãos? Não é responsável pela conservação do ambiente? Não é responsável pela manutenção da soberania nacional?

O que está implícito na defesa da liberação expeditiva dos transgênicos para cultivos comerciais é a crença na sua total inocuidade, tanto para o ambiente como para os consumidores. Outra crença implícita é de que esses produtos são mais competitivos que os convencionais ou os agroecológicos. Será verdade?

Publicações científicas (Nature, Science, Science Biotechnology etc.) sempre citadas pelos nossos pesquisadores lobistas para afirmar a segurança dos transgênicos também afirmam que existem poucas pesquisas sobre os riscos para a saúde e para o ambiente e essas são ou ?não conclusivas? ou indicam ?riscos potenciais significativos?. Em outras palavras, não há consenso entre os cientistas sobre esses produtos.

Por falar em riscos e atrasos na liberação de transgênicos, é bom lembrar que a decisão judicial de 1998 não proibiu o cultivo da soja RR da Monsanto. Ela condicionou a liberação comercial à apresentação de estudos sobre riscos ambientais e para a saúde a serem apresentados pela empresa e avaliados pelo Ibama e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Já se passaram quase seis anos e a Monsanto preferiu recorrer da decisão e pressionar por uma nova lei mais permissiva e não apresentou qualquer estudo respondendo a essa exigência. A Monsanto deve ter deixado de ganhar alguns bilhões de dólares com a decisão judicial. Não dava para gastar alguma coisa na produção dos estudos que provassem a inocuidade de seu produto? Nesse caso, não dá para acusar os atrasos do Ibama.

Estudos sobre a economicidade dos transgênicos nos Estados Unidos mostram que a soja, o milho e a canola resistentes aos herbicidas são menos produtivos e têm custos de produção maiores que seus equivalentes convencionais. O milho com efeito de pesticida para lagartas tem uma produtividade média, em seis anos da pesquisa, apenas 2,5% maior que o milho convencional; e seu custo é mais alto. Apenas o algodão com efeito pesticida sobre a lagarta tem mostrado maior competitividade econômica em algumas regiões dos Estados Unidos, mas isso é devido a uma forte incidência das lagartas nessas regiões. Essa competitividade começa bem alta, com quase 40% de vantagem, mas se reduz em poucos anos para se estabilizar em 20%. No entanto, os cientistas americanos já apontam para a tendência crescente das lagartas de adquirir resistência a esse controle.

Por que os agricultores plantam um produto mais caro e menos produtivo? O controle da oferta de sementes pelas empresas que produzem transgênicos é uma das razões. A outra é que o governo americano cobre as perdas econômicas com generosos subsídios. A terceira é que os agricultores temem ser processados pelas empresas quando seus cultivos são contaminados pelos transgênicos, o que vem acontecendo freqüentemente. Isso os obriga a pagar multas pesadíssimas e a preferir plantar transgênicos quando seus vizinhos o fazem.

E a soberania nacional? O argumento dos nossos cientistas lobistas é de que o Brasil não pode ?ficar para trás? no uso da tecnologia e essa afirmação parece indicar que se investirmos pesado em pesquisa de transgênicos seremos independentes das empresas transnacionais. Eles ?esquecem? que a tecnologia de produção de transgênicos está patenteada pelas empresas e que os ?nossos? transgênicos estarão sujeitos a algo perto de 50 patentes que não são nossas. Não só teremos que pagar royalties por essas patentes como estaremos sujeitos ao direito das empresas de permitir ou não o seu uso. Onde vai parar a soberania nacional em uma produção tão estratégica como os alimentos?

Finalmente, há uma questão que não tem sido sequer mencionada pelos debatedores do tema. Quem vai garantir o direito dos agricultores que não querem usar transgênicos? Nos Estados Unidos a contaminação dos cultivos convencionais pelos transgênicos é um problema generalizado. A contaminação de milho convencional por um tipo de milho só aprovado para alimentação de gado resultou em um processo de retirada do mercado dos produtos contaminados que custou bilhões de dólares. Outro caso, mais grave, foi a contaminação provocada por experimentos com milho contendo produtos medicinais e que foi parar em cultivos convencionais. Na Europa, a discussão prévia a liberação dos cultivos transgênicos envolve a criação de regras de convivência entre estes e os cultivos convencionais para evitar a contaminação. É tão complicado evitar essa contaminação que as regras de convívio estão provocando a moratória, na prática, dos cultivos transgênicos.

O curioso é que toda essa pressão para evitar as pesquisas sobre riscos se faz em nome da competitividade da agricultura brasileira. No entanto, estamos vendo que estamos mais competitivos que nunca, sem usar transgênicos, enquanto nossos competidores, argentinos e americanos, estão investindo nessas culturas.

Jean Marc von der Weid é economista da AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável ? Condraf ? e da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos.
Brasil de Fato

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