Brasil: Senado aprovou projeto de lei sobre Biossegurança, por Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

Poder total de decisão sobre pesquisa e comercialização de transgênicos à CTNBio

Nesta quarta-feira o Senado Federal aprovou um projeto de lei (PL) sobre Biossegurança, substitutivo ao aprovado na Câmara dos Deputados. Antes de ser sancionada pelo Presidente, a nova lei deverá passar por um novo turno de votação na Câmara. O que o Senado propõe, com chancela e empenho do governo, é colocar a raposa para tomar conta do galinheiro.

Isso significa dar poder total de decisão sobre pesquisa e comercialização de transgênicos à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança / Ministério da Ciência e Tecnologia), formada em sua maioria por pessoas de fora do governo e ligadas à indústria da biotecnologia ou ao desenvolvimento de plantas transgênicas. Além da composição da CTNBio pesar para o lado dos interesses comerciais, sua decisões podem ser tomadas por maioria simples, garantindo os interesses corporativos. Ou seja, especialistas em saúde, meio ambiente e agricultura podem apresentar motivos que justifiquem a realização de novos estudos de risco, ou mesmo a proibição de um produto, mas, em minoria, serão voto vencido.

A possibilidade de os Ministérios afins recorrerem das decisões da CTNBio a um conselho formado por onze ministros é ?conversa pra boi dormir?. Primeiro o Senado subverte a Constituição Federal concentrando o poder de decisão em uma comissão que usurpa as atribuições dos ministérios (diga-se de passagem, principais órgãos de assessoramento da Presidência da República). Depois propõe que ministros de Estado se reúnam sempre que houver divergência técnica entre CTNBio e Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Caso os ministros não se posicionem em 45 dias, ficará valendo a decisão da CTNBio. São nulas as chances dessas reuniões acontecerem e, portanto, a palavra da CTNBio continuará sendo a final.

Nesses quase oito meses de tramitação no Senado, o lobby das indústrias e seus parlamentares trabalhou bastante para modificar a lei de forma a dispensar os transgênicos de qualquer avaliação prévia de risco. Foi esse o centro da disputa. Por que tanto receio de submeter suas inovações tecnológicas a tais estudos?

No Senado a questão foi tratada como se o problema fosse estritamente de ordem técnico-científica. No entanto, a questão está longe de poder ser resolvida por um grupo de pesquisadores. Os transgênicos representam o neoliberalismo em escala molecular* e estão em jogo, antes de tudo, vultuosos interesses comerciais e o patenteamento e uso monopólico dos recursos genéticos, base de toda a produção alimentar. Está em jogo ainda a autonomia dos produtores brasileiros. Mas todo esse debate passou bem longe do Senado. Para não dizer que as questões de ordem social, política e econômica de interesse para o País ficaram de fora do PL, o Senado prevê que o conselho de ministros seja chamado a opinar em casos de liberações comerciais, desde que, para tanto, a CTNBio o convoque. Volta-se à estaca zero.

Os ruralistas e as indústrias não estavam sozinhos na empreitada de desregulamentar o uso de transgênicos. Eles contaram com toda a dedicação do líder do governo na Casa, o senador petista Aloísio Mercadante. Seus discursos repetem todas as promessas das empresas de biotecnologia, que até agora não foram comprovadas. Diz o senador que os transgênicos conservam o solo, reduzem o consumo de agrotóxicos e até evitam o desmatamento, já que são mais produtivos. Elencados os potenciais dos transgênicos, o senador conclui que ?os ambientalistas deveriam ser os primeiros a defender seu uso? (!).

Curioso desse debate é que o grande apelo do discurso pró-transgênicos está na possibilidade de a transgenia desenvolver plantas que reduzam as aplicações de agrotóxicos. Ora, quem são as empresas que produzem as sementes transgênicas e detêm suas patentes, senão as empresas que têm nos agrotóxicos sua principal fonte de receita? O herbicida Roundup, para o recebimento do qual a soja transgênica foi desenvolvida, é o produto mais vendido da Monsanto em todo o mundo. Trata-se do mesmo time da Revolução Verde, que disseminou o uso massivo de insumos químicos, sementes melhoradas e agrotóxicos nas lavouras. Os transgênicos representam a continuidade da Revolução Verde, migrando-se das moléculas dos agrotóxicos para os genes como ?fontes de solução?. Os resultados de sua primeira fase são conhecidos, e tanto não são bons que as indústrias prometem inovações justamente para abandonar suas principais crias. Os resultados da ?revolução duplamente verde? são evitados, ficando o debate no campo dos futuros benefícios que os transgênicos poderão trazer.

A Câmara dos Deputados deverá votar em breve o PL vindo do Senado. Lá, em fevereiro, foi aprovado, com modificações, o PL elaborado pelo governo e assinado pelo Lula. Este projeto foi escrito após debates entre os ministérios e entre o governo e a sociedade civil. Além de se basear no princípio da precaução, ele respeitava os acordos da Convenção da Biodiversidade e o Protocolo de Biossegurança, dois tratados internacionais assinados pelo Brasil.

Na Câmara, após um período de corpo mole o governo acabou defendendo seu projeto. No Senado, após a fase de corpo mole o governo terminou por apoiar um PL substitutivo que contradiz frontalmente sua posição inicial. O resultado desse segundo turno na Câmara dependerá fortemente do posicionamento do governo, cujo chefe-maior já disse no passado que liberar os transgênicos seria burrice.

Os próximos passos da Câmara serão acompanhados de perto pela sociedade, que cobrará coerência de seus representantes e não se esquecerá da posição que cada parlamentar assumir.

*Alusão a artigo de Kathleen McAfee, in GeoForum 34(2): 203-219, 2003.

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos -Boletim Número 229 - E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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