Brasil: carta aberta ao governo do Estado do Paraná, por Jornada de Agroecologia

A Jornada de Agroecologia vem expressar seu total repúdio à desocupação da área experimental da Monsanto S.A., em Ponta Grossa, no Paraná, promovida em 21 de setembro de 2004 pelo Governo do Estado, onde então se realizavam experimentos não autorizados com soja e milho transgênicos

A Jornada de Agroecologia, uma articulação de 26 organizações da sociedade civil com objetivo de discutir um modelo de desenvolvimento agrícola centrado na inclusão e valorização da pessoa humana, na democratização da terra, na garantia de soberania alimentar, no fortalecimento da agricultura familiar e nas formas solidárias e cooperadas de cultivo e produção na terra, vem expressar seu total repúdio à desocupação da área experimental da Monsanto S.A., em Ponta Grossa, no Paraná, promovida em 21 de setembro de 2004 pelo Governo do Estado, onde então se realizavam experimentos não autorizados com soja e milho transgênicos.

No ano de 2002, um grupo de agricultores familiares e trabalhadores rurais sem terra ocupou a propriedade e decidiu ali criar um Centro de Agroecologia, chamado de Centro Chico Mendes de Agroecologia em homenagem a um dos mais corajosos defensores da biodiversidade brasileira. Atividades orientadas à formação e instrução dos pequenos agricultores nas práticas agroecológicas passaram a ser implementadas no local, inclusive com a recomposição do solo já degradado.

Cultivando a terra em regime de mutirão, com o apoio das organizações que compõem a Jornada de Agroecologia, agricultores familiares e trabalhadores rurais sem terra plantaram na área variedades de sementes crioulas, com o objetivo de conservar a diversidade de sementes e preservar este patrimônio de toda humanidade. Fruto deste trabalho foram distribuídas cerca de 10 mil kg de sementes crioulas reproduzidas no Centro Chico Mendes de Agroecologia entre os camponeses presentes ao enceramento da Jornada de Agroecologia neste ano de 2004.

Conforme equipes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), da Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento (SEAB/PR) e do Ministério Público do Estado do Paraná constataram havia várias irregularidades ambientais e de biossegurança nos experimentos da empresa Monsanto na área. Da vistoria técnica da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná destacam-se a inexistência de mata ciliar e a contaminação do solo por agrotóxicos, inclusive na área que deveria ser de preservação permanente. Verificou-se também que tais campos experimentais da Monsanto serviram para multiplicar sementes para fins comerciais, sem autorização do governo federal. O que ajudou a criar a política do ?fato consumado? e a impor ao agricultor e consumidor brasileiro o uso e consumo indiscriminado e sem controle das sementes transgênicas.

A Jornada de Agroecologia protesta frente ao despejo dos lavradores que recuperavam a área degrada pela transnacional Monsanto. Ainda mais por se tratar de decisão que atravessa processo de negociação entorno da aquisição daquela propriedade e a própria consolidação do projeto de construção do Centro Chico Mendes de Agroecologia, um projeto popular e soberano para a agricultura camponesa que vem de encontro com a elaboração de uma Política Nacional de Agroecologia. Acontece justo no momento em que há disposição e iniciativa de discussão a respeito entre os movimentos camponeses e o Ministério do Meio Ambiente, a se realizar dia 23 de setembro de 2004, em Curitiba, Paraná, na sede estadual do INCRA.

A Jornada de Agroecologia se insere no grande movimento de lutas dos povos contra a mercantilização da vida, reafirmando seu compromisso com a Agroecologia, e comprometendo-se com a nossa luta por uma Terra Livre de Transgênicos e sem Agrotóxicos.

Espera-se por parte do Governo do Estado do Paraná que este reconheça e valorize o trabalho de multiplicação e distribuição de sementes crioulas que vinha sendo desenvolvido, e assuma os seguintes compromissos:

(1) encontrar uma nova área para a instalação definitiva do Centro Chico Mendes de Agroecologia;
(2) estruturar uma política mais ampla para a conservação da agrobiodiversidade, com recursos para as organizações camponesas implementarem programas nas diferentes regiões do Estado;
(3) promover feiras municipais e estadual de sementes crioulas;
(4) estruturar um programa estadual de melhoramento participativo de variedades crioulas;
(5) investir em estrutura para beneficiamento e armazenagem de sementes crioulas nas comunidades e assentamentos rurais.

Essa política de agroecologia é contraponto as estratégias das multinacionais de impor os transgênicos no Brasil, neste sentido somos a favor de um ?Paraná Livre de Transgênicos?.
Reproduzir sementes crioulas e entregá-las aos camponeses é importante para a recuperação de espécies nativas e variedades locais que foram sendo perdidas com o predomínio do agronegócio. Garantir o acesso dos pequenos agricultores ao germe da vida é fortalecer a autonomia do camponês e consolidar a soberania alimentar dos povos.

Curitiba, 23 de setembro de 2004.

JORNADA DE AGROECOLOGIA
Entidades componentes:

AOPA - Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia

AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa

ASSESOAR - Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural

Associações da Agricultura Familiar

CAPA - Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor

CRABI - Comissão Regional dos Atingidos das Barragens do Rio Iguaçu

CPT - Comissão Pastoral da Terra

CRESOL/BASER - Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária

DESER - Departamento de Estudos Sócio-Econômico Rurais

FEAB - Federação dos Estudante em Agronomia do Brasil

FETRAF-SUL/CUT - Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul/Central Unica dos Trabalhadores

Fórum Centro Sul

Fórum Oeste

IAF - Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoort

Instituto EquipeMAB - Movimento dos Atingidos por Barragem

MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

REDE ECOVIDA

RURECO - Fundação para o Desenvolvimento Econômico Rural

PJR - Pastoral da Juventude Rural

MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

Sindicatos de Trabalhadores Rurais

Terra de Direitos

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