Brasil: duro golpe à luta contra a liberação dos transgênicos

Numa manobra que teve o aval de lideranças do governo Lula, a Comissão Especial de Biossegurança da Câmara de Deputados aprovou, por ampla maioria, o parecer que adotou o substitutivo enviado pelo Senado, que representa um retrocesso às conquistas obtidas até o momento

Nesta quarta-feira (10/11) a Comissão Especial de Biossegurança da Câmara de Deputados, encarregada de apreciar o Projeto de Lei de Biossegurança (PL 2401/03) foi protagonista de um duro golpe à luta contra a liberação dos transgênicos. Numa manobra que teve o aval de lideranças do governo Lula, aprovou, por ampla maioria, o parecer que adotou o substitutivo enviado pelo Senado, que representa um retrocesso às conquistas obtidas até o momento.

Como já comentamos em edições anteriores (Boletim nº 229 de 08/10/2004), o PL aprovado na Câmara dos Deputados, em 4 de fevereiro de 2004, foi redigido após debates entre os ministérios e entre o governo e a sociedade civil, apoiado pelo governo Lula e defendido pela bancada governista. Além de se basear no princípio da precaução, ele respeitava os acordos da Convenção da Biodiversidade e o Protocolo de Biossegurança, dois tratados internacionais assinados pelo Brasil, garantindo que a liberação comercial de produtos transgênicos no País deveria ser precedida de avaliações de impacto ambiental e de riscos à saúde, conduzidas pelos órgãos de registro e fiscalização dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente (ANVISA e IBAMA).

O substitutivo votado pelo Senado, em 6 de outubro de 2004, dá total poder de decisão sobre pesquisa e comercialização de OGMs à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança/Ministério da Ciência e Tecnologia). Se aprovado, torna a desregulamentação do uso de transgênicos fato consumado. Apesar de ter inconstitucionalidades e divergir do PL original, ele foi aprovado com o apoio da bancada governista, com exceção do senador Flávio Arns (PT-PR). Tabém votou contra a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL).

Seguindo o processo legislativo, como o PL originário da Câmara foi alterado no Senado ele volta à Câmara para ter suas modificações apreciadas antes de ser sancionadoa pelo Presidente. O PL voltou à Comissão Especial de Biossegurança um pouco antes do 2º turno das eleições municipais; ficou acordado que somente seria votado depois de 31 de outubro. Como tramitava em regime de urgência, não havia prazos regimentais a serem observados.

Na última terça-feira (09/11), o então relator da Comissão Especial de Biossegurança na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PcdoB-PE) pediu em reunião o adiamento da apresentação de seu parecer. Queria mais tempo para discutir o projeto com seus pares, com os ministérios, com cientistas e com a própria sociedade civil. Mais de dez parlamentares se posicionaram sobre a questão sem chegar a um acordo. Por esse motivo, o presidente da Comissão, deputado Silas Brasileiro (PMDB-MG), marcou uma nova reunião para a quarta-feira.

No início da reunião, Renildo Calheiros solicitou à Comissão duas semanas de prazo, mas foi avisado de que seria destituído da função de relator caso não apresentasse seu parecer.

Ainda na tentativa de estender o prazo para discussão do texto e adiar a decisão da Comissão, Renildo Calheiros apresentou requerimento para prorrogação de prazo, que foi negado pelos integrantes da Comissão Especial. A seguir, o deputado Silas Brasileiro, numa mesma frase, informou que Renildo estava destituído como relator e passou a relatoria para as mãos do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), integrante da bancada ruralista e defensor dos transgênicos ? um jogo de cartas marcadas. Foi pedida a contagem de votos, negada pelo presidente.

O Regimento Interno da Câmara determina que, esgotado o prazo destinado ao relator, o presidente da comissão relatará pessoalmente a proposição ou designará outro deputado para relatá-la. Mas como já se disse, nesse caso não havia prazos regimentais estabelecidos. Como o PL está em regime de urgência, o presidente da comissão tem o poder de tomar esta atitude a qualquer momento ? assim como poderia, ao contrário, assumir postura mais flexível. Até aí tudo bem. Estranho é que, apesar da tal prerrogativa, a prática da destituição do relator não é usual mas, ao contrário, bem rara. ''A intransigência não é boa conselheira, e a batalha não acaba aqui'', disse Calheiros, prometendo apresentar no plenário da Câmara uma emenda substitutiva global para concorrer na preferência dos deputados com o relatório de Perondi.

A reunião foi então, suspensa por 30 minutos, com a previsão de que o relatório seria votado no mesmo dia.

Para entender melhor os fatos, é bom lembrar que a Comissão Especial de Biossegurança que votou na quarta-feira é a mesma da votação inicial na Câmara, dominada pela bancada ruralista. O deputado Renildo Calheiros vinha como relator da Comissão desde a 1ª votação na Câmara dos Deputados, em substituição a Aldo Rabello, que havia assumido um ministério. Na 1ª votação do PL na Câmara, em fevereiro, o presidente João Paulo Cunha (PT-SP) não deixou o parecer de Renildo Calheiros passar pela Comissão e o levou diretamente para votação em Plenário. Em função disso se manteve a liberação comercial vinculada ao EIA-RIMA e não a uma decisão soberana da CTNBio. Nesta 2ª votação, os ruralistas ficaram com receio que ocorresse o mesmo e, portanto, decidiram forçar a votação do parecer deles imediatamente.

A repentina nomeação de um substituto, pró-transgênicos, mostrou que o golpe estava bem orquestrado. Tendo 15 minutos para distribuir cópias do parecer e 15 minutos para a leitura, num passe de mágica, Darcísio Perondi fez surgir as oito páginas de seu relatório, justificando por que acatar na íntegra o PL tal como foi modificado no senado. ?A aprovação é mais um avanço no processo da Lei de Biossegurança; o relatório anterior, do deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), era ruim porque era contra a pesquisa, contra a ciência, contra os investimentos, contra a riqueza e contra a geração de empregos", afirmou Perondi. São também suas palavras: ?Embora o projeto de lei de biossegurança aprovado pela Câmara tenha melhorado significativamente o projeto enviado pelo Executivo no que diz respeito às pesquisas com organismos geneticamente modificados, o substitutivo do Senado acrescenta pontos fundamentais ao mesmo, sem os quais o projeto não apresentaria a sistemática necessária à boa regulamentação da matéria nem ofereceria garantia jurídica aos investidores".

Votaram a favor do parecer parlamentares do PMDB, PSDB, PFL, PTB, PL, PSB e PPS. Os únicos partidos a votarem contra foram o PT e o PV. O PC do B não tinha seus representantes presentes na hora da votação. Também foram rejeitados os cinco destaques apresentados, quatro da bancada do PT e um da bancada do PV. O parecer final foi pela aprovação total do PL nº 2.401/B-03, na forma do substitutivo aprovado pelo Senado Federal e segue para a apreciação do Plenário.

Como se não bastasse, estarrecedor foi ouvir o relator afirmar que ?Esperamos que o acordo realizado pelo líder do governo no Senado Federal, Senador Aloizio Mercadante, e que contou com o apoio do Palácio do Planalto, possa agora ser cumprido e que possamos aprovar o texto aprovado naquela casa?. E mais: ver o vice-líder do Governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), afirmar que o Ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, havia orientado para defender a aprovação do relatório de Perondi, por ser o mesmo texto do Senado. "Falei com o ministro Aldo. A Coordenação Política vota favorável ao texto do Senado e o que está sendo relatado pelo deputado Darcísio Perondi me parece ser igual ao que foi aprovado pelos senadores", afirmou Beto Albuquerque. O deputado ainda elogiou a aprovação do projeto e lembrou que o Planalto defende o texto do Senado.

Quando o Substitutivo foi aprovado no Senado, dissemos que o resultado desse segundo turno na Câmara dependeria fortemente do posicionamento do governo. Apesar de a decisão da comissão ter contrariado a posição da ministra Marina Silva, da reação indignada de Renildo Calheiros, que se retirou da comissão, do PV ameaçar deixar a base governista e do próprio ministro Aldo Rebelo ter, por meio de sua assessoria de imprensa, negado que trabalhou para que Renildo Calheiros, de seu partido, perdesse a relatoria da proposta, o que se questiona é que força terão os que defendem regras mais rígidas para a liberação da produção e venda de produtos transgênicos no País diante dessa posição da Coordenação Política do Governo.

É importante, mais uma vez, intensificarmos a pressão sobre o governo e deputados até a votação no Plenário. A Agência Estado, em 11/11, diz que por 15 votos a 1 a bancada do PT na Câmara decidiu apoiar o projeto original de biossegurança, aprovado anteriormente na Câmara.

O fato é que o PL irá a Plenário com o parecer de Darcísio Perondi. Diante disso, podemos trabalhar com três hipóteses: 1ª - que a Câmara aprove na íntegra o parecer do relator, que é o texto do PL do Senado; 2ª que a Câmara aprove o PL com emendas. Nesta fase, cada partido só pode apresentar de 1 a 4 destaques, conforme o tamanho da bancada. Por exemplo, o PT pode quatro, e PV apenas um. A 3ª hipótese é que o Plenário rejeite na íntegra o PL do Senado. Nesse caso, o presidente da Câmara nomeia um novo relator de Plenário, com direito a apresentar imediatamente um novo relatório que irá à votação no Plenário, na hora. Após a votação, o texto poderá ser vetado total ou parcialmente pelo Presidente Lula.

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos - E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil- Boletim 234 - 12 de novembro de 2004

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