Lítio é energia limpa? Corrida pelo ‘ouro branco’ gera impactos no Brasil e no Sul Global
Novo episódio do BdF explica analisa a disputa global por reservas do metal e os efeitos da mineração nos territórios.
A corrida global pelo lítio, apelidado de “ouro branco”, se intensificou nos últimos anos com o avanço da transição energética. O metal leve e altamente energético está presente em baterias de celulares, carros elétricos e sistemas de geração renovável, como a solar e a eólica. Mas, no embalo da promessa de energia limpa, surgem perguntas importantes: quem lucra com a exploração acelerada? E quem paga o preço?
Essas são algumas das questões levantadas pelo novo episódio do BdF Explica, que trata dos impactos geopolíticos, econômicos e socioambientais da exploração de lítio no Brasil e na América Latina.
No cenário internacional, os principais produtores são Austrália, Chile, China, Zimbábue e Argentina. Mas o Brasil já figura entre os seis maiores, com destaque para o Vale do Jequitinhonha (MG), onde a mineração cresceu rapidamente nos últimos anos.
Entre 2023 e 2024, a produção nacional de lítio dobrou. Com a liberação do comércio externo do minério no governo Bolsonaro, o setor atraiu empresas transnacionais e disparou. O caso mais emblemático é o da canadense Sigma Lithium, que opera o complexo Grota do Cirilo, um dos maiores do mundo.
Enquanto o governo mineiro promove a região como “Vale do Lítio”, a paisagem e a vida nas comunidades se transformam. Moradores relatam problemas respiratórios, rachaduras em casas e escassez de água, além do aumento de rejeitos, ruídos e carretas pesadas.
Violações, falta de consulta e impactos no Sul Global
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou, em outubro de 2025, a suspensão de licenças concedidas sem consulta prévia, livre e informada a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O direito à consulta está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
Vista aérea das piscinas de evaporação do complexo estatal de extração de lítio, na zona sul do Salar de Uyuni, na Bolívia | PABLO COZZAGLIO / AFP
O MPF aponta ainda um ciclo de validação irregular: as empresas declaram que não há populações atingidas, o Estado licencia com base nessa presunção, e o próprio licenciamento vira justificativa para ignorar os impactos. Técnicos da Procuradoria identificaram sobrecarga de serviços públicos e restrição hídrica severa na região.
Na Terra Indígena Cinta Vermelha Jundiba, há denúncias de assédio e invisibilização da presença indígena. Comunidades como Ponto do Piauí e Poço Dantas enfrentam assoreamento de córregos e convívio constante com explosões.
A corrida por lítio tem o Sul Global como epicentro da extração, mas é o Norte que concentra os maiores ganhos em investimento e tecnologia. No chamado “Triângulo do Lítio” – Chile, Argentina e Bolívia –, o modelo de exploração varia: enquanto os dois primeiros adotam forte presença privada, a Bolívia tentou uma via estatal. O episódio do golpe contra Evo Morales, em 2019, expôs as pressões internacionais sobre a soberania na gestão do recurso.
Para o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), uma transição energética justa precisa garantir direitos territoriais e agregar valor no país de origem do minério. Isso significa sair da lógica de exportar lítio bruto e investir em cadeias produtivas locais.
- Editado por Maria Teresa Cruz.
Fonte: Brasil de Fato

