''O BNDES é (co)responsável pelos conflitos na Bolívia''

Idioma Portugués
País Bolivia

“Repudiamos a atitude do BNDES e do Itamaraty de desrespeitar os verdadeiros anseios da população boliviana, colocando os interesses econômicos e o lucro de empreiteiras brasileiras acima do respeito à vida, à biodiversidade, ao direito dos povos indígenas naquele país e à soberania do povo boliviano”.

O texto integra Carta publicada pela Plataforma BNDES.

 

A reportagem é do sítio Plataforma BNDES, 29-09-2011.

 

No dia 25 de agosto, organizações da Plataforma BNDES e parceiras, tanto do Brasil como de países da América Latina, protocolaram no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma carta, endereçada ao presidente da instituição, Luciano Coutinho, exigindo a suspensão imediata do financiamento ao projeto de construção da estrada que pretende ligar as localidades de Villa Tunari e San Ignacio de Moxos, cortando ao meio o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), na Bolívia. Com 306 km, esta estrada está orçada em 415 milhões de dólares, dos quais 332 milhões (80%) são financiados pelo BNDES.

 

Na carta, as organizações afirmam que "… este financiamento, concedido no âmbito do contrato de cooperação financeira celebrado entre o BNDES e o governo da Bolívia, viola inúmeros direitos dos bolivianos e compromete a convivência harmoniosa entre os povos do Brasil e da Bolívia". Também afirma-se que as obras no TIPNIS violam a Constituição Política do Estado Boliviano, a Lei Boliviana de Meio Ambiente e a Regulamentação de Áreas Protegidas, bem como convenções internacionais como a 169 da OIT”. Além disso, não consta que o governo boliviano tenha promovido uma consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades indígenas efetadas pelo empreendimento.

 

Apesar de gastar milhões em publicidade para construir uma imagem de banco moderno, transparente e preocupado com questões sociais e ambientais, o BNDES não se dignou nem a dar uma resposta sobre esta justa reivindicação, fundamentada no fato de que os bolivianos claramente não querem a execução dessa obra.

 

Então, questiona-se mais uma vez: baseado em que critérios sociais e ambientais o Banco decide pelo financiamento de um projeto dessa natureza em território boliviano? São eles de igual rigor aos aplicados aos projetos no Brasil?

 

Exatamente um mês depois da entrega da carta no BNDES, no último domingo (25/09), teve início uma brutal operação policial contra cerca de 800 manifestantes, em sua grande maioria indígenas, incluindo crianças e mulheres, integrantes de uma marcha pacífica em defesa do TIPNIS. Eles foram atingidos por bombas de gás lacrimogênio e golpes de cassetetes. Houve uma dispersão forçada, ateou-se fogo ao acampamento e mães e filhos foram separados, indiscriminadamente, em oito ônibus em direção a Yucumo. De acordo com o relato do Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade), existe uma lista preliminar de dezenas de pessoas desaparecidas, entre elas, crianças.

 

Os protestos que se seguiram à violenta dispersão da VIII Marcha Indígena em várias cidades da Bolívia, seguidos da demissão da Ministra da Defesa, Cecília Chacón, e da péssima repercussão mundial, fizeram com que o presidente Evo Morales anunciasse a suspensão das obras, na noite do dia 26.

 

E, até agora, a sociedade civil brasileira e boliviana permanece sem uma resposta do BNDES.

 

Graves denúncias de superfaturamento nos contratos celebrados entre a Agencia Boliviana de Carreteras (ABC) e a empresa brasileira OAS, para a construção desta polêmica estrada, foram encaminhadas por organizações bolivianas ao Ministério Público daquele país no último dia 27 de setembro. Há indícios de que, nesta obra, o custo do quilômetro é de US$ 1,3 milhão, enquanto o preço médio de outras estradas na Bolívia não passa de US$ 500 mil, o que indicaria um sobrepreço de US$ 800 mil praticado pela empresa brasileira. O BNDES tem a obrigação de apurar estas denúncias.

 

Diante disso, mais uma vez insistimos na urgência da adoção, pelo Banco, de uma política de informação pública que facilite o acesso das populações atingidas aos dados dos projetos, inclusive no exterior.

 

O governo brasileiro, por outro lado, perdeu uma ótima oportunidade de apoiar a legítima luta dos povos indígenas bolivianos. Mas, ao invés disso, soltou uma vergonhosa nota em que confirma sua “disposição de cooperar com a Bolívia no contexto da obra”, vista como “projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende aos parâmetros relativos a impacto social e ambiental previstos na legislação boliviana”.

 

Aqui, cabe outra pergunta: Se o povo boliviano não quer a estrada por todos os motivos manifestados, com que direito o governo brasileiro defende a construção da estrada em nome da integração e do desenvolvimento da Bolívia?

 

Ao se posicionar desse modo, desconsidera a angústia causada pelo desaparecimento de dezenas de pessoas, todos os levantes, greves de fome e manifestações que acontecem neste momento na Bolívia em consequência da violenta repressão do seu governo. Isso não seria ferir a soberania dos povos bolivianos?

 

Apesar de praticamente não ter sido divulgado no Brasil, manifestantes fizeram um protesto em frente à embaixada brasileira em La Paz, no mês de agosto. Gritando palavras de ordem contra a estrada, eles acusaram a postura "imperialista" do Brasil. Os pedidos de contato com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e com representantes do BNDES, no entanto, nunca foram realizados.

 

Por todo o acima exposto, repudiamos a atitude do BNDES e do Itamaraty de desrespeitar os verdadeiros anseios da população boliviana, colocando os interesses econômicos e o lucro de empreiteiras brasileiras acima do respeito à vida, à biodiversidade, ao direito dos povos indígenas naquele país e à soberania do povo boliviano.

 

Também nos causa repúdio o fato de que no dia 29 de agosto, a convite da construtora OAS (responsável pela execução da estrada), o ex-presidente Lula tenha ido à Bolívia para interceder junto a Evo no sentido de facilitar a execução este projeto.

 

Reafirmando que o BNDES é (co)responsável pelas violações dos projetos que financia, exigimos que este banco público brasileiro suspenda imediatamente o financiamento ao projeto dessa estrada na Bolívia.

 

Também exigimos que o Itamaraty se retrate publicamente, reconhecendo aimportância da luta do povo boliviano na defesa da vida e pelo respeito aos seus direitos constitucionais adquiridos.

 

Assinam esta carta:

 

Plataforma BNDES
Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins (Apa - TO)
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Assembléia Nacional de Estudantes - Livre (ANEL)
Associação Agroecológica Tijupá de São Luis/MA
Associação Brasileira de Agroecologia
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (Apacc)
ATTAC - Brasil
Comissão Pastoral da Terra
Comitê Dorothy
Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
EcoHomem – Grupo de Ecologia Humana de Estudantes da Universidade
Federal da Integração Latino Americana
Escola de Formação Política e Cidadania do Ceará
Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria
Fase – Programa Amazônia
Fase – Solidariedade e Educação
Fórum da Amazônia Oriental (Faor)
Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad)
Fórum Permanente de Cidadania de Colinas, Maranhão
Fórum Social Pan Amazônico (FSPA)
Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (Iamas)
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável Centro Oeste
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Instituto Madeira Vivo
Instituto Mais Democracia
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)
Instituto Universidade Popular (Unipop)
Justiça Global
Justiça nos Trilhos
Movimento Ibiapabano de Mulheres, Ceará
Movimento Xingu Vivo para Sempre
Núcleo Amigos da Terra Brasil
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
Rede Jubileu Sul Brasil
Repórter Brasil
Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado do Pará –
Sintsep/PA

 

Internacionais:

 

Alianza Internacional de habitantes
Alianza Mexicana por la Autodeterminación de los Pueblos (Amap)
ATTAC - Argentina
Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (Cadtm)
Centro de Estudios Aplicados a los Derechos Económicos, Sociales y Culturales
(Ceadesc) - Bolívia
Comité Pro Niñez Dominico Haitiana
Diálogo 2000 – Argentina
Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo – Fobomade
Forum Solidaridad Peru
Grito de las/os Excluidas/os- capítulo de Puerto Rico
Grupo de estudios sobre America Latina y el Caribe – Geal
International Rivers
Jubileo Sur/Américas
Movimiento Ciudadano frente al Cambio Climático - Mocicc, Peru
Movimiento de Documentalistas – Argentina
Movimiento Social Nicaraguense Otro Mundo es Posible
Mujeres Solidarias y Amorosas (Musas) – Porto Rico
Oilwatch Sudamerica
Proyecto Caribeño de Justicia y Paz – Porto Rico
Red Mexicana de Acción frente al Libre Comercio (RMALC)
Red Mexicana de Afectados por la Mineria (Rema)
Rede Jubileu Sul Global
Sociedad de Arqueología de La Paz – Bolívia
Unidad Ecologica Salvadoreña – Unes
Xarxa de l'Observatori del Deute en la Globalització (ODG), Estado español

 

Fuente: Instituto Humanitas Unisinos

Temas: Megaproyectos

Comentarios