O que não se falou sobre a Ocupação da Fazenda da Empresa Aracruz pelas Mulheres da Via Campesina

Idioma Portugués
País Brasil

No dia 8 de março de 2006, cerca de 2.000 mulheres do Movimento Via Campesina Brasil ocuparam uma fazenda da empresa Aracruz Celulose em Barra do Ribeiro (RS). Esta ação tinha como objetivo chamar a atenção da sociedade brasileira para as consequências sociais, econômicas e ambientais causadas pelo monocultivo de eucaliptos

FAZENDO ECO

Esta ação também ocorreu simultaneamente à II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural da FAO (ONU), como forma de protesto contra a mercantilização da natureza.

As notícias veiculadas pela imprensa brasileira concentraram-se apenas nos prejuízos causados pela destruição das mudas de eucaliptos e de alguns equipamentos dos laboratórios da empresa, sem informar a população em geral sobre as razões dessa ação política ou sobre o contexto sócio-ambiental de atuação desta empresa. Aqui, neste texto, pretendemos contribuir com algumas outras informações.

1. Impactos da monocultura do eucalipto e da produção de celulose
As enormes áreas utilizadas no plantio de eucalipto, para a produção de celulose (matéria prima para a feitura de papel) são hoje conhecidas como "Desertos Verdes". O eucalipto utilizado é uma planta de rápido crescimento que destrói o solo de maneira irreparável, esgotando a fertilidade da terra (aguá, nutrientes orgânicos e minerais). Cada eucalipto consome cerca de 30 litros de água por dia, afetando os lençóis freáticos da região e prejudicando o abastecimento de água. A Aracruz Celulose tem 250 mil hectares plantados em terras próprias, 50 mil só no Rio Grande do Sul. Suas fábricas produzem 2,4 milhões de toneladas de celulose branqueada por ano, gerando contaminação no ar e na água, além e prejudicar a saúde humana.

Atualmente, existe uma articulação internacional contra os Desertos Verdes. Sugerimos uma visita ao sitio eletrônico do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, onde mais informações podem ser obtidas sobre a monocultura do eucalipto e a produção de celulose: http://www.wrm.org.uy/paises/Brasil/manifesto.html

2. Geração de riqueza e postos de trabalho na monocultura
O chamado agrobusiness costuma se apresentar como a forma mais eficiente de produção. Este argumento só é válido se analisamos isoladamente a rentalibilidade (lucro) do capital aplicado na sua produção. Basta analisarmos em termos econômicos mais amplos (como valor agregado socialmente disponível) que o argumento da eficiência cai literalmente por terra. Para se ter uma idéia, o modelo de produção adotado pela Aracruz Celulose gera um emprego para cada 185 hectares plantados, enquanto num outro modelo de produção (como da pequena propriedade) há um posto de trabalho gerado para cada hectare. Isso não significa voltar a produzir com menos tecnologia. Ao contrário, uma vez que tecnologias de ponta podem ser utilizadas sob uma outra divisão sócio-técnica do trabalho, propiciando ganhos de produtividade não apenas para o detentor do capital mas para um conjunto de pessoas. Neste ano, as ações da Aracruz poderão suprimir outros 88 mil postos de trabalho no Espírito Santo e Bahia.

3. Investimento público
O Jornal "Folha de S. Paulo" no dia 14 de março noticiou com destaque: "União deu R$ 79 mil a invasoras da Aracuz". A matéria aponta que duas entidades ligadas ao Movimento das Mulheres Camponesas receberam esses recursos do Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Desenvolvimento Agrário. Os recursos foram destinados, conforme previsto, a projetos de capacitação e formação técnica. Entretanto, a matéria nada menciona sobre as condições favoráveis de recebimento de R$ 2 bilhões de recursos públicos que a Aracruz recebeu nos últimos 3 anos.

Só para citar um exemplo a Aracruz fez um empréstimo de R$ 297 milhões do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Participação PIS/Pasep, para plantios de eucalipto pela empresa. No total, a área com financiamento será de 90.806 hectares. Ou seja, recursos públicos (como do FAT), originalmente concebidos para retornarem sob a forma de apoio aos trabalhadores servirão para um modelo de produção que quase não gera postos de trabalho. Curioso que neste ponto as empresas de comunicação não vejam nenhuma contradição.

O prazo de carência desses créditos do BNDES é de 21 meses. Só a partir daí começam os pagamentos do empréstimo e os prazos das amortizações chegam a 84 meses. Tudo isso a juros de incríveis 2% ao ano! Já as taxas de juros praticadas no Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) chegam a 8,75% ao ano. O dinheiro, conforme demonstra o balanço de 2005, foi 56% destinado ao exterior, onde se concentram boa parte de seus proprietários: a empresa noruguesa Lorenz detém 28%, (cujo maior acionista é o cunhado do Rei da Noruega). Outros 28% são do Banco Safra, do capital internacional com sede em Mônaco, 28% da Votorantim, e 12,5% do BNDES. A Souza Cruz (grupo British American Tobacco), também tem acionistas, mas em menor percentual.

4. Quem está ocupando as terras de quem?
A grande imprensa brasileira informou unicamente que um grupo de mulheres ligadas à Via Campesina do Brasil "invadiu" uma fazenda da empresa Aracruz Celulose. O termo invasão não é gratuito, uma vez que procura criminalizar uma ação política e reforçar o sentido de ameaça à propriedade privada. Apesar da complexidade dos problemas denunciados por este movimento social há uma clara construção midiática que busca reduzir tais experiências a meras "invasões" e "destruições" de propriedades privadas. Novamente, nada se falou dos litígios atualmente em curso na justiça sobre a propriedade das terras utilizadas pela empresa Aracruz Celulose. Esta ato também tinha como objetivo denunciar a situação de povos indígenas que estão sendo expulsos violentamente de suas terras para dar lugar às plantações de eucaliptos.

A cerca de um mês atrás, no dia 20 de fevereiro, a FUNAI publicou no Diário Oficial da União um estudo que comprova a legitimidade das terras indígenas em Aracruz, norte do Espírito Santo, hoje ocupadas pelo plantio da monocultura de eucalipto desta mesma empresa. Neste região, povos tupinikins e guaranis aguardam pela homologação de mais de 18 mil hectares. É uma luta antiga que já completou mais de 10 anos. Desde que a empresa se instalou no município de Aracruz, inúmeros conflitos marcaram a relação os povos indígenas. O mais recente ocorreu em janeiro deste ano, quando a Empresa Aracruz com o apoio de 120 homens da Polícia Federal, com helicópteros, bombas e armas, utilizou máquinas para derrubar plantações e casas e expulsar cerca de 50 guaranis de suas próprias terras. A ordem judicial que permitiu tal atrocidade está sendo investigada. Sobre essa "invasão" ilegal, detruição de plantações e casas pouco foi noticiado pela grande imprensa. Após este episódio, a família real sueca, que possuia ações da Aracruz (através de uma outra empresa acionista da Aracruz) vendeu suas participações. O mesmo tipo de constrangimento e pressão popular está ocorrendo com a coroa norueguesa, que também possui ações da Noruega Lorentzen (controlado de 28% das ações da empresa Aracruz).

Deixamos a seguir o link para o manifesto elaborado pelas mulheres que realizaram a ocupação política da fazenda da Aracruz, no Rio Grande do Sul, para que o leitor possa ler aquilo que a grande imprensa tentou silenciar:
http://www.mst.org.br/informativos/minforma/ultimas1675.htm

Caso tenham interesse em conhecer mais sobre as violações e danos ambientais causados pela empresa Aracruz sugerimos o seguinte link: http://www.abrandh.org.br/

Fontes: A maior parte das informações acima apresentadas foram retiradas do site e informativos do MST ( www.mst.org.br ). Outras informações de apoio foram encontradas nos seguintes links:

http://agenciacartamaior.uol.com.br/
http://www.midiaindependente.org
http://www.americas.org/item_25410
http://www.cimi.org.br/

Fonte: Boletim de Direitos Humanos da Ilanud

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