Os cultivos transgênicos podem ser bons vizinhos?, por Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

Dos mamões do Havaí ao milho no México e à canola no Canadá, a dispersão de pólen ou de sementes geneticamente modificadas está deixando de ser uma abstrata preocupação científica e tornando-se cada vez mais um grave problema prático

Adaptado do artigo de Andrew Pollack, The New York Times - 26 de setembro de 2004.

Toivo Lathi é agricultor e planta mamão no Havaí. Nos últimos anos ele tem observado outros agricultores adotarem o mamão transgênico, modificado para ser resistente a um vírus causador de doença na planta. Apesar disso Lathi, que é contra os transgênicos, continuou firme com sua plantação orgânica de mamão acreditando que assim estaria livre da biotecnologia.

No entanto, análises recentes dos mamões cultivados por Lathi acusaram a presença de transgênicos. ?Fiquei absolutamente surpreso?, disse Lathi. ?Não conseguia entender o que estava acontecendo?. Ele derrubou seus 170 mamoeiros e está replantando a área, mas sem a menor garantia que o mesmo problema -- fecundação de suas plantas por pólen de plantações transgênicas vizinhas carregados pelo vento -- aconteça de novo.

Dos mamões do Havaí ao milho no México e à canola no Canadá, a dispersão de pólen ou de sementes geneticamente modificadas está deixando de ser uma abstrata preocupação científica e tornando-se cada vez mais um grave problema prático. Agricultores, sobretudo os orgânicos, temem que suas atividades sejam prejudicadas pela contaminação por transgênicos. Já os ecologistas alertam para os riscos de os genes modificados contaminarem plantas daninhas, causando graves desequilíbrios ecológicos.

Estas preocupações vieram à tona na semana passada quando cientistas da Agência Norte Americana de Proteção do Meio Ambiente (EPA, na sigla em inglês) divulgaram que um tipo de grama transgênica resistente ao herbicida Roundup [o mesmo mata-mato usado na soja transgênica do Rio Grande do Sul], da Monsanto, poderia polinizar plantas não-transgênicas a uma distância de 21 quilômetros, muito mais longe do que outros estudos já haviam mostrado. A descoberta trouxe a preocupação de que o novo gene pudesse contaminar gramas silvestres e desenvolver plantas resistentes ao herbicida mais usado no mundo.

As plantas transgênicas parecem ter uma tendência a aparecer onde não são desejadas, seja através da troca de pólen (fecundação cruzada), da mistura de sementes, ou por outras vias. Em 2000, o milho StarLink, aprovado apenas para consumo animal, foi encontrado em tacos (tipo de pastel mexicano) e outros produtos industrializados, motivando uma grande retirada de produtos dos mercados. Pequenas quantidades de milho transgênico modificado para produzir um fármaco apareceram na soja do Nebraska. E genes modificados ainda parecem ter sido encontrados em variedades tradicionais cultivadas no México*, centro de origem e berço de grande diversidade genética do milho.

Frente a estes incidentes, juristas, parlamentares e a indústria de alimentos começam a considerar formas de garantir a co-existência dos cultivos ou de responsabilizar os culpados. Até mesmo o senador John Kerry, candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, disse no mês passado a agricultores do estado de Missouri que estava considerando a criação de um seguro para proteger produtores orgânicos.

Apesar disso tudo, as indústrias de biotecnologia, alguns cientistas e advogados dizem que, embora inevitável, a contaminação genética por transgênicos não causará grandes problemas econômicos, legais ou de saúde.

Por enquanto quase a totalidade dos transgênicos cultivados tem como característica ser resistente a herbicidas ou produzir toxinas letais a insetos. Existem ainda, mais em nível experimental, os chamados cultivos farmacêuticos, como, por exemplo, um milho que produz vacina.

Não demorará muito até que esse tema do fluxo gênico se torne ainda mais complexo. Cientistas já estão trabalhando no desenvolvimento de peixes e insetos transgênicos. As plantas, ao menos, não nadam nem voam.

*A contaminação do milho no México foi identificada inicialmente por pesquisadores americanos da Universidade de Berkeley e publicada na revista Nature. Após uma imensa campanha de cientistas pró-transgênicos que questionaram a metodologia da pesquisa, a própria revista endossou as críticas. Passados alguns meses, o governo mexicano, que inicialmente tinha negado a contaminação, foi a público dizer tinha verificado a situação e concluíra que a contaminação existia sim e era de fato bem maior do que o indicado pela pesquisa dos americanos.

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Número 228 - 01 de outubro de 2004
E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

Comentarios