Casas de sementes comunitárias: uma experiência que promove a biodiversidade e a segurança alimentar

As casas de sementes comunitárias são organizações comunitárias que visam a auto-suficiência dos agricultores e agricultoras familiares no abastecimento de sementes de espécies vegetais importantes para agricultura local e para a vida da comunidade.

Na região Norte do Ceará, existem 15 casas de sementes, presentes em três micro-regiões (serra, sertão e litoral), com 487 famílias cadastradas, garantindo a segurança alimentar e acesso a recurso genético nesses locais.

INTRODUÇÃO

A humanidade sustenta-se há milhares de anos, nos conhecimentos que se originaram da observação dos fenômenos da natureza, da adaptação e disponibilização dos recursos naturais como fontes de sobrevivência para comunidades quilombolas, indígenas e camponesas. Coletivamente estes povos descobriram técnicas e práticas de alimentação, vestimentas, uso de plantas medicinais, de água e outros recursos de modo que construíram um processo conjunto de evolução e desenvolvimento.

É atribuída às mulheres a descoberta da agricultura, que segundo nos conta os relatos dos povos de tribos antigos jogavam ao redor de suas moradias sementes retiradas dos frutos colhidos pelos homens nas matas, com isso nasciam plantas que até então não existiam ali. Esta afirmação da relação entre a figura feminina e o desenvolvimento da agricultura pelas civilizações primitivas é um aspecto que tem sido abordado com bastante ênfase na literatura. De acordo com Pelwing et al. (2008) e Dominguez et al. (2000), é mais provável que tenham sido as mulheres que primeiro enterraram sementes no solo e iniciaram a doma dos animais jovens, alimentando-os e tomando conta deles, como faziam com seus filhos. As mulheres começaram a perceber a capacidade de germinação e, a partir deste fenômeno, a possibilidade de "concentrar" a produção dos alimentos. Estava evidenciada a grande descoberta da humanidade a agricultura, então passaram a coletar sementes e cultivar ao redor de suas casas, espécies que serviam de alimentos, que aconteceu a aproximadamente 12 mil anos. Com isto, os povos que antes eram nômades, passaram a fixar moradia originando-se as primeiras vilas, que evoluíram para hoje o que conhecemos como cidades. Tudo isso só foi possível graças a descoberta do poder das sementes que passaram a fazer parte da vida dos povos. Elas são usadas na alimentação humana, animal, em rituais religiosos, nas festas e celebrações, no artesanato, na produção de medicamentos, e ao longo da história, guardadas, selecionadas e mantidas em sítios ecológicos.

A agricultura teve origem nas regiões montanhosas dos países de clima quente e temperado, as plantas cultivadas se espalharam pelo mundo através do vento, dos pássaros, da água, dos animais e da migração humana. Para os camponeses, camponesas, quilombolas, indígenas as sementes são seu maior patrimônio, fonte de vida, pois como a vida nasce do ventre materno a semente germina no ventre da mãe terra, cresce, dá flores, frutos e outras sementes. Sementes são verdadeiramente fonte de vida, pois se confundem com a própria vida, especialmente com a vida do homem e da mulher do campo e das florestas (Subsídios..., 2003).

Da pré-história aos tempos atuais, o milho, a batata e tomate saíram da América e foram para a Europa. O arroz saiu da Ásia e veio para a América. Com o passar do tempo, essas plantas se adaptaram a cada região, onde foram cultivadas e selecionadas pelos processos naturais e simples agricultores e agricultoras, surgindo assim as sementes rústicas, crioulas, nativas, muitas delas bem adaptadas e totalmente conhecidas pelos agricultores e agricultoras familiares (Conhecendo..., 2006). Os agricultores e principalmente as agricultoras, foram os primeiros cientistas empíricos da humanidade que têm conservadas, selecionadas e melhoradas suas sementes para semeadura, inclusive realizando troca com outros grupos de camponeses, num processo de partilhas que lhes permitiam aumentar a diversidade genética á sua disposição, com isso o resultado foi uma impressionante diversidade de cultivos e variedades utilizadas na produção agrícola.

As casas de sementes comunitárias, em alguns lugares denominam-se Banco de Sementes, são organizações comunitárias que visam a auto-suficiência dos agricultores e agricultoras familiares no abastecimento de sementes de espécies vegetais importantes para agricultura local e para a vida da comunidade. Surgiram no Brasil na década de 70, por iniciativa da Igreja Católica de vários estados do Nordeste brasileiro. Funcionam através do sistema de depósito e empréstimo. Os sócios se reúnem, estabelece qual a demanda do grupo no que diz respeito à quantidade e variedade de sementes e estipulam a quantidade que cada sócio/a deverá depositar para dar início ao trabalho. Na época do plantio, os sócios/a terão direito de retirar sementes emprestadas para o plantio de seus roçados. O estoque é controlado por uma coordenação local, que para tanto utiliza fichas de controle (cadastro de sócios/a recibo e controle de estoque).

O objetivo geral deste trabalho foi o fortalecimento da agricultura familiar, promovendo a biodiversidade e a segurança alimentar e nutricional das famílias do semi-árido. Especificamente pretendeu-se:

1. Formar Agentes multiplicadores para o acompanhamento ás Casas de Sementes Comunitárias;

2. Fortalecer as redes que trabalham com a temática do Semi-árido, favorecendo o envolvimento de outras organizações e ampliando a área de abrangência do projeto;

3. Valorizar os recursos genéticos locais, promovendo o resgate de variedades de sementes e de espécies que se encontram em processo de extinção;

4. Contribuir na formulação e implementação de políticas públicas;

5. Fortalecer o protagonismo dos grupos e de melhoria das relações de gênero e geração junto as comunidades envolvidas com trabalho de casas de sementes.

DESENVOLVIMENTO

A partir do trabalho desempenhado nas casas de sementes presentes em comunidades isoladas, surgiu a idéia de criar uma rede para integrar todas as Casas de Sementes e um fórum permanente de discussão e intercâmbio de material genético e informações. A rede foi denominada Rede de intercâmbio de Sementes (RIS- CE), sendo composta por 130 Casas de Sementes distribuídas em todo o Estado do Ceará, tendo aproximadamente 2.324 famílias associadas.

Atualmente, na região Norte do Ceará, existem 23 casas de sementes, presentes em três micro-regiões (serra, sertão e litoral), com 487 famílias cadastradas que estão organizadas através de associações comunitárias distribuídas nos seguintes municípios: Santana do Acaraú, Massapê, Marco, Sobral, Bela Cruz, Santa Quitéria e Frecheirinha (Tabela 1).

Tabela 1 – Casas de Sementes – RIS, Zona Norte do Ceará.

MUNICÍPIO LOCALIDADE No DE ASSOCIADOS
BELA CRUZ Mil passos 12
FRECHEIRINHA Penanduba 15
MARCO Assentamento Leite 21
MASSAPÊ Riacho Fundo 25
  Santo Amaro 28
  Meruoquinha 18
  Morro Vermelho 18
  Mumbaba de Baixo 60
  Cacimba Velha 23
  Jatobá 11
  Assentamento Morgado 26
SANTANA DO ACARAÚ Alvaçã Goiabeiras 31
  Croata 14
  Bulandeira 34
  Vassouras 15
  Poço Salgado 20
  Conceição Bonfim 10
  Santa Rita 15
SANTA QUITÉRIA Riacho das Pedras 15
SOBRAL Santo Hilário 15
  Cedro 35
  Recreio 14
  Ouro Branco 12
TOTAL 23 487

O município que possui o maior número de comunidades envolvidas é Massapê, com oito comunidades, vindo seguido de Santana do Acaraú e Sobral, com sete e quatro, respectivamente (Tabela 1). Dentre os municípios com apenas uma comunidade assistida, o município de Marco possui o maior número de associados (21).

A figura 01 traz ilustrada a distribuição geográfica das casas de sementes por microrregião na região Norte do Ceará. Percebe-se que o maior percentual encontra-se no Sertão. Este fato ocorre em função da maior dificuldade dos agricultores dessa região obter acesso a sementes.

Figura 1 – Distribuição geográfica das casas de sementes por microrregião.

Além do aspecto quantitativo, avaliações qualitativas, referente ao grau de satisfação das famílias beneficiadas com a prática foram avaliadas. Em reuniões periódicas as famílias apontaram os seguintes benefícios obtidos pela implantação das casas de sementes:

FORTALECIMENTODA ORGANIZAÇÃO DO GRUPO: através do fortalecimento do espírito de organização da comunidade e o compromisso com seus associados(a).

-SEMENTE NA HORA CERTA: A casa de sementes garantiu que os agricultores(a) familiares pudessem ter sementes de qualidade, selecionadas e conhecidas por eles(a), em quantidade suficiente para o plantio e replantio necessário a todo grupo, no tempo hábil, ou seja, logo que se inicia a época chuvosa.

-PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS GENÉTICOS: Local onde ficarão preservados os recursos genéticos da comunidade, através dos tempos de geração para geração.

-SEGURANÇA ALIMENTAR: Garantiu o acesso por parte dos(a) associados(a) a uma diversidade de cultivos e de variedades de sementes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As casas de sementes tem sido um instrumento agregador no avanço do processo organizacional de comunidades rurais da região Norte do Ceará, contribuindo também para a melhoria de práticas de produção e convivência com o semiárido, agregando valores como a segurança alimentar e preservação do recurso genético locais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOMINGUEZ, O. C. E. et al. Sistema informal de sementes: causas, conseqüências e alternativas. Pelotas: Editora Universitária/UFPel, 2000. 207p.

PELWING, A.B.; FRANK, L.B.; BARROS, I.I.B. Brasilia. Rev.Econ.Sociol. Rural. vol 46, nº2 Brasília, abril de 2008.391-420p.

Conhecendo e resgatando sementes crioulas. Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006. 112p

Subsídios para implementar a campanha das sementes. Via campesina-Brasil. 2003. 65 p.

AUTORES:

José Maria Gomes Vasconcelos; Terezinha de Jesus Batista; Francisco Renê Mourão.

Zootecnista, técnico da Cáritas Diocesana de Sobral; Mestrando em Agroecologia e Desenvolvimento Rural-UFSCAR-Araras Agente multiplicador de Casa de Semente

INSTITUIÇÃO:

Cáritas Diocesana de Sobral - Rua Maestro José Pedro 76/sala 04 Centro Sobral-. CEP 62100-000, Sobral – CE,

E-MAIL:

gro.larbos@satirac
rb.moc.oohay@solecnocsavmz

Temas: Agricultura campesina y prácticas tradicionales

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