Os desafios da conservação da água no Brasil

Idioma Portugués
País Brasil

Abundância de recursos hídricos no país não garante acesso universal nem evita crises. País ainda precisa desatar nós na gestão e na interação com o meio ambiente para assegurar conservação.

Um dos países com maior disponibilidade de recursos hídricos do mundo, o Brasil tem problemas com seus indicadores de água. O atendimento da rede de abastecimento foi de 83,5% da população em 2017, em média, segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento Regional. Em 2013, esse valor era de 82,5%.

A evolução é considerada pequena pelo presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, já que quase 35 milhões de pessoas permanecem sem acesso. Ele explica que, embora esse tenha sido o indicador que mais avançou, os números têm se mantido em níveis similares nos últimos oito anos.

A queda nos investimentos é um dos fatores que explica esse cenário, segundo o especialista. Em 2013, foram investidos R$ 13,2 bilhões. Em 2017, foram R$ 10,96 bilhões.

O acesso à água tratada e à coleta e tratamento de esgoto no país é desigual. As áreas urbanas tendem a ter índices melhores, enquanto áreas irregulares e afastadas são mais prejudicadas. Além de políticas públicas que assegurem o atendimento, que é dificultado pela distribuição desequilibrada da água e da população no território brasileiro, outro imbróglio é a conservação do próprio recurso, que enfrenta desafios.

Falta de saneamento

Um dos maiores vilões da qualidade da água no Brasil é a oferta de saneamento básico. Pouco mais da metade da população brasileira, 52,4%, tinha coleta de esgoto em 2017, e apenas 46% do esgoto total é tratado, de acordo com o SNIS.

Dessa forma, um grande volume de esgoto não coletado ou não tratado é despejado em corpos d'água, provocando problemas ambientais e de saúde. "Essa falta de infraestrutura de saneamento básico tem um impacto brutal na qualidade das águas de todo o país", diz Carlos.

Não só a carência de coleta e de tratamento de esgoto é problemática, mas também a poluição causada por indústrias e pela agricultura, como o lançamento de agrotóxicos.

Desmatamento, em especial no Cerrado

O desmatamento de matas ciliares, que acontece em todas as bacias hidrográficas do Brasil, altera a quantidade e a qualidade dos corpos hídricos. Essa vegetação protege o solo, ajuda na infiltração da água da chuva e na alimentação do lençol freático e permite a recarga dos aquíferos.

Sua retirada aumenta o assoreamento, a perda do solo, a erosão e a taxa de evaporação da água. Segundo José Francisco Gonçalves Júnior, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), todos esses impactos reunidos podem levar a uma indisponibilidade natural de recursos hídricos. 

Em outra frente, o desmatamento do Cerrado, considerado a "caixa d'água do Brasil" por causa de sua posição estratégica na formação de bacias hidrográficas, vem sendo devastado pela expansão da fronteira agrícola. "Qualquer alteração no Cerrado pode levar a uma degradação de inúmeras bacias hidrográficas de extrema relevância para obtenção de recursos hídricos brasileiros", afirma Gonçalves.

Para o professor, o uso do solo do bioma teve um efeito positivo na produtividade agrícola, mas a falta de uma regulação mais firme tem levado a uma superexploração, com vários danos. "Perda de território, de recarga de aquíferos, uma perda muito grande de nascentes e uma degradação e diminuição da disponibilidade de água", enumera.

Desperdício e perdas na distribuição de água

As perdas físicas e comerciais de água são outro grande problema. Elas são causadas por vazamentos nas tubulações, fraudes e erro de leitura nos hidrômetros e ficaram em torno de 38%, em média, em 2017, de acordo com o SNIS. A média em países desenvolvidos é inferior a 20%.

Um estudo conduzido pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria GO Associados revelou que o volume desperdiçado equivale a cerca de sete mil piscinas olímpicas por dia e representa prejuízos da ordem de R$ 10,5 bilhões anuais.

A ineficiência se reflete na tarifa, cria uma demanda artificial de água na natureza para compensar as perdas e traz outras consequências. "Existe também a perda econômica pela tarifa não paga pela água que se perdeu e um problema social porque, em momento de crise, as linhas de distribuição perdem pressão, e as pessoas que moram longe, normalmente as mais pobres, são as primeiras a sofrer com a falta de água", diz Carlos.

Mudanças climáticas

Um agravante para a conservação da água são as mudanças climáticas, que podem provocar alterações no regime de chuvas. Essa é uma das alterações previstas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), assim como uma maior duração dos períodos de secas e com temperaturas mais altas.

As chuvas que se infiltram no solo são as de baixa intensidade e de tempo prolongado, eventos que estão ficando mais raros, segundo o professor da UnB. Quando uma grande quantidade de chuva cai em um pouco tempo, há uma tendência ao escoamento superficial porque o solo atinge sua capacidade de saturação e para de absorver.

"Da perspectiva de recursos hídricos, o grande problema é que não é possível absorver o que a atmosfera devolve para a crosta", diz Gonçalves. Do ponto de vista governamental, ele afirma que os gestores devem se qualificar para lidar com "as novas características que o planeta vem apresentando" e investir em um banco de dados sólidos sobre as bacias hidrográficas e ecossistemas aquáticos.

Fonte: DW

Temas: Agua

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