Camponeses hondurenhos perdem o controle das terras nos anos 1990 (I)

Idioma Portugués
País Honduras

Após viver o auge do processo de reforma agrária entre 1973 e 1977, período em que, com a aprovação de uma lei específica e vários decretos, foram distribuídos 120 mil hectares, Honduras, sob o governo de Rafael Leonardo Callejas (1990-1994) e no marco dos Acordos de Ajustes Estruturais promovidos pelos organismos financeiros internacionais, voltou a concentrar as terras nas mãos de alguns poucos. O mecanismo usado foi a Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola.

Ao perder as terras, milhares de camponeses voltaram a ser assalariados dos latifundiários e das transnacionais. Um trabalho terceirizado, sem nenhum tipo de prestação social, nem trabalhista, em condições de semi-escravidão.

Além disso, a implementação de projetos extensivos de palma africana, produto que precisa de pouca mão-de-obra e com baixíssima qualificação, gerou no Baixo Aguán altos índices de desemprego ou subemprego, levando ao desespero milhares de famílias camponesas.

A cooperativa La Concepción é parte das terras que o MUCA (Movimento Unificado Camponês do Aguán) reclama, acusando os latifundiários Miguel Facussé, René Morales e Reinaldo Canales, principais produtores de palma do país, de tê-las adquirido ilegalmente.
Isaías Zavala trabalhou nesta fazenda durante quatro anos e contou ao Opera Mundi quais eram as condições: "Trabalhei quatro anos para para Miguel Facussé. Trabalhava na manutenção da fazenda aplicando agrotóxicos. Usávamos todo tipo de químicos, como Roundup, Gramoxone e Paraquat. Quando terminávamos de aplicá-los, o capataz nos mandava lavar o tanque no córrego. No começo nos deram algo para nos proteger, mas depois disseram que era muito caro e nos deixaram trabalhando sem nenhuma medida de proteção. Nunca nos deram botas nem luvas de borracha. Nem sequer um avental. E as máscaras eram tão apertadas que nos sufocavam".

Um dia Isaías se intoxicou. "A válvula do tanque que eu carregava se rompeu e me molhei todo. Disse ao capataz e ao engenheiro que me sentia mal, mas eles não ligaram e me mandaram de volta ao trabalho. À noite, passei muito mal e me hospitalizaram", contou. "Se não fosse por algumas freiras que ajudaram a cobrir os gastos com os medicamentos, eu não estaria aqui hoje contando essa experiência".

As condições de trabalho eram duras. Uma massa de operários agrícolas terceirizados, flexibilizados, sem prestações sociais nem os direitos mínimos garantidos pela legislação trabalhista hondurenha. É o que, em Honduras, chamam de "trabalhadores moscas".

"Quase ninguém tinha contrato fixo. Éramos contratados e, depois de dois meses, ao fim do que seria o período de experiência, nos demitiam e pediam que voltássemos dentro de 45 dias para sermos contratados novamente", explicou Santos Paulo Oliva, ex-trabalhador da fazenda Los Marañones. "Desse modo, não tínhamos direito a nada: nem a prestações sociais, nem às contribuições à previdência, nem ao seguro-saúde. Nunca permitiram a formação de sindicatos e, se exigíssemos aumentos de salário, simplesmente nos despediam".

Segundo o relato de vários trabalhadores, as jornadas eram de oito horas, mas, se eles não alcançavam a meta, eram obrigados a ficar mais tempo. "Trabalhei durante vários anos fazendo um pouco de tudo. Para cortar e recolher os frutos da palma africana, pagavam-me 75 lempiras (1 dólar = 19 lempiras) por tonelada. Para limpar a terra e tirar as ervas daninhas, o pagamento era de 1 lempira por cuadro (16 metros quadrados), enquanto para aplicar agrotóxicos pagavam 100 lempiras".

Não era muito fácil cortar uma tonelada de fruto de palma. Dependendo do tamanho, podia ser necessário cortar e recolher entre 60 e 200 frutos para alcançar a meta. No entanto, o salário mensal era insuficiente para atender às necessidades básicas de uma família.

"Aqui no Aguán, quase todo mundo está em dívida com as mercearias, pois o salário que ganhamos é miserável. Os latifundiários diziam que o cultivo da palma traria progresso, desenvolvimento e benefício para o povo, mas o único progresso que houve foi para eles, não para os trabalhadores", afirmou Zavala.

Segundo dados do MUCA, ante um gasto de salário de 75 lempiras por tonelada de fruto de palma cortado, os latifundiários conseguem vender essa mesma quantidade no mercado a 2,5 mil lempiras, o que dá uma ideia do negócio em torno desse produto.

A luta camponesa do MUCA

Durante a década de 1970, no marco da Lei de Reforma Agrária, o Estado concedeu a empresas camponesas direitos sobre milhares de hectares cultivados com palma africana na região do Baixo Aguán. No entanto, no início dos anos 1990, com a aprovação da Lei para a Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola, começaram a ser retirados os direitos destas empresas sobre cerca de 20 mil hectares das melhores terras do país.

Segundo o MUCA, teve início um processo que terminou com a venda dos ativos de 40 empresas camponesas, concentradas nas mãos dos latifundiários Miguel Facussé, René Morales e Reinaldo Canales. "Foi um processo de aquisição de terras caracterizado por muitas irregularidades, que foram investigadas por membros das cooperativas. Eles descobriram que o acordo de compra e venda estabelecia que os compradores utilizariam a terra para cultivo e produção, mas a propriedade continuaria nas mãos do Estado, para fins exclusivos de reforma agrária", diz um documento apresentado por esta organização, que agrega 28 grupos camponeses.

"Em 2001", continua o documento, "começou a reivindicação de terras adquiridas de forma fraudulenta por empresários em conluio com os poderes políticos do país, e de outras terras que nunca foram passadas para o nome dos empresários compradores, cujo direito de uso lhes foi reconhecido pelo Estado na forma de concessão até fevereiro de 2005".

Na Honduras pós-golpe, movimentos sociais tentam evitar volta do latifúndio (II)

Ao longo de sua história, Honduras viveu vários processos de reforma agrária. Golpes de Estado cívico-militares pontuais e leis ad hoc restabeleceram o status quo a favor dos grandes proprietários de terras no país centro-americano. A luta do Movimento Unificado Camponês do Aguán (MUCA) veio para interromper esse ciclo.

O setor agropecuário de Honduras contribui com 26% a 28% do PIB (Produto Interno Bruto) e, segundo dados do Banco Mundial e da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), mais de um terço de seu território é constituído de terras cultiváveis e pastos. Honduras é o segundo da região na relação entre terras cultiváveis e população (cerca de 0,28 hectares por habitante), perdendo somente para El Salvador.

Apesar da grande disponibilidade de terra e da elevada intensidade de mão-de-obra para a atividade agrícola, sobretudo nos cultivos de exportação (banana, café, carne, laticínios, açúcar e óleo de palma), 300 mil famílias – cerca de 1,5 milhão de pessoas, representando mais de metade da população rural – continuam sem acesso à terra, enquanto outras 200 mil possuem apenas uma área entre um e 3,5 hectares, segundo a SARA (Aliança pela Soberania Alimentar e a Reforma Agrária 2009).

A situação leva um país enormemente rico em recursos naturais a ter altos níveis de pobreza e pobreza extrema. Segundo um informe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada da Pobreza Rural, a população hondurenha no campo vive em média com um dólar por pessoa por dia, e menos de 30% vivem em lares cuja renda supera esse valor.

Quase metade da população rural vive com renda diária inferior a 50 centavos de dólar e cerca de 25% ganham menos de 25 centavos de dólar por dia. A renda média dos 20% mais ricos da população das áreas rurais é quase 30 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres.

O informe diz ainda que 2,8 milhões de hondurenhos da área rural vivem com uma renda abaixo da linha da pobreza. Este grupo representa mais de 75% da população rural e mais de 70% dos pobres do país todo.

Outro fator que afeta consideravelmente a qualidade de vida da população rural é a progressiva transição da produção de grãos básicos à produção de cultivos de exportação, acompanhada por uma desproporcional concentração de terras em poucas mãos, o que tem comprometido seriamente a segurança alimentar de milhares de famílias.

Honduras deixou de ser um dos maiores produtores de grãos básicos da América Central – durante os anos 1970 – para produzir metade de suas necessidades. A cada ano há um déficit de mais de 500 mil toneladas de milho e o país tem de importar 10 mil toneladas de feijão e 25 mil toneladas de arroz, segundo a SARA.

Os processos de reforma agrária

A redistribuição das terras e o acesso ao crédito, a capacitação para produzir alimentos básicos, além de condições trabalhistas que respeitem as leis nacionais e os convênios internacionais sobre o trabalho digno, têm sido os eixos principais das lutas empreendidas pelas organizações camponesas nas últimas décadas.

Não obstante, o poder econômico, político e militar sempre tratou de sufocar com o uso da força qualquer tentativa de modificação do status quo no país, como conta o porta-voz do MUCA, Wilfredo Paz. "Houve momentos na história de Honduras em que os governos procuraram promover políticas que favoreciam o campesinato. No entanto, todos foram alvos de golpes de Estado", explicou ao Opera Mundi.

"Entre 1960 e 1970, os governos de Ramón Villeda Morales e Ramón Ernesto Cruz trataram de impulsionar projetos de reforma agrária, mas sofreram golpes de Estado que impediram o processo", disse Paz. "Foi a partir de 1970 que o Estado, por meio do INA [Instituto Nacional Agrário], começou a promover um programa de migração induzida para transferir camponeses, especialmente do sul do país, a zonas despovoadas do Atlântico hondurenho, sobretudo na região do Baixo Aguán. Carregavam as pessoas em caminhões e as deixavam nestas zonas para que começassem a apropriar-se das terras e explorá-las".

O diretor-executivo em Honduras da FIAN (Food First Information & Action Network), Gilberto Ríos, explicou ao Opera Mundi que "o governo reformista surgido em 1972 intensificou o processo de colonização, sempre com forte financiamento externo e a contrapartida de recursos próprios. O Estado construiu estradas e vias secundárias, sistemas de drenagem, barragens de contenção de inundações, escolas, centros de saúde e outras instalações com finalidades econômicas e sociais".

"A região era tão inóspita na época que, nos primeiros anos, muitos dos assentados migraram para outras regiões do país, obrigando o Estado a manter o programa de migração induzida por mais tempo que o previsto", continuou Ríos. "Finalmente, o Estado conseguiu enraizar uma importante população que se dedicasse ao trabalho produtivo em um projeto de dimensões tão grandes. Deve-se ao Estado, portanto, o estabelecimento de todos os fatores produtivos nesta área: terra, capital e força de trabalho".

Este esclarecimento da FIAN Honduras é muito importante, já que os principais latifundiários nacionais e as companhias transnacionais que detêm a maior parte das terras na zona do Baixo Aguán continuam justificando seu poderio econômico com o argumento de que foram eles que fomentaram o desenvolvimento econômico e social da região, o que não corresponde à verdade.

"Com o tempo", explicou o diretor-executivo da FIAN Honduras, "os novos colonos tomaram posse da terra e os grupos de camponeses se consolidaram. Este foi o auge das organizações de camponeses e dos benefícios para eles. Como no restante do país, os assentamentos do Aguán deveriam constituir cooperativas, empresas associativas ou qualquer forma de organização societária na qual os camponeses, transformados em empresários, conseguissem ser competitivos e assim evitar que a propriedade concedida pelo INA se concentrasse novamente em mãos de latifundiários e empresários rurais, como resultado da circulação mercantil".

O processo de reforma agrária teve seu auge entre 1973 e 1977, período em que, com a aprovação de uma lei específica e vários decretos, foram distribuídos 120 mil hectares. Ao longo de três décadas, foram concedidos 409 mil hectares, que correspondem a 12,3% das terras cultiváveis do país, beneficiando um total de 60 mil famílias camponesas - que, naquele momento, representavam 13% das famílias rurais.

Lei de Modernização Agrícola: o retorno ao latifúndio

"Ao perceber que os camponeses se transformavam em empresários, os latifundiários, a elite hondurenha e as companhias transnacionais passaram a considerá-los uma séria ameaça", disse Wilfredo Paz. "Foi por isso que, em 1992, durante o governo de Rafael Leonardo Callejas e no marco dos Acordos de Ajustes Estruturais promovidos pelos organismos financeiros internacionais, foi promulgada a Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola, com a qual os empresários voltaram a formar o latifúndio".

Por meio de várias artimanhas e diversas interpretações dessa lei, os latifundiários tiveram a chance de ampliar suas propriedades, com ou sem o consentimento do Ministério de Agricultura e Pecuária.

"Começou uma verdadeira caçada para que os dirigentes das organizações camponesas vendessem a terra", explicou Paz. "Teve início a corrupção, já que essas terras da reforma agrária não podiam ser vendidas a particulares, pois não eram consideradas uma mercadoria. A única forma de livrar-se das terras era vendê-las e devolvê-las ao INA, para que a instituição as entregasse novamente a outros camponeses."

Em seu artigo "O caso MUCA, a reforma agrária e o neoliberalismo", Gilberto Ríos se aprofundou no tema: "Modificações burocráticas irregulares, corrupção de dirigentes camponeses e funcionários do INA, assim como pressões da própria Diretoria Executiva dessa instituição, para que as empresas camponesas vendessem suas terras a grandes empresas ou entrassem em convênios de investimento conjunto, completaram as condições propícias à venda de terras".

Para os camponeses sem terra e minifundiários, perdia-se a esperança do acesso a terras produtivas em quantidade e qualidade suficientes para transformá-los em produtores por conta própria. A privatização dos poucos serviços de crédito, assistência técnica, capacitação e assessoria para a comercialização oferecidos gratuitamente pelo Estado foi o golpe final.

"E se faltavam recursos financeiros", esclareceu Ríos, "ali estavam os organismos de financiamento internacional, como o Banco Mundial, dispostos a conceder empréstimos aos grandes empresários para que comprassem terras de produtores afundados em dificuldades financeiras".

A nova estratégia para criar um modelo centralizador da propriedade acabou favorecendo as grandes empresas e grupos privados agropecuários. Foi assim que aqueles que dispunham de mais possibilidades de acesso a recursos financeiros se tornaram os proprietários das melhores terras do país.

Em apenas três anos, mais de 15 mil hectares de terras férteis na Costa Atlântica voltaram às mãos das duas companhias bananeiras norte-americanas, Standard Fruit (Dole) e Tela Railroad Company (Chiquita - antiga United Fruit Company), que no começo do século passado haviam monopolizado milhares e milhares de hectares na Costa Norte. O mesmo ocorreu com os três principais latifundiários da zona, Miguel Facussé, René Morales e Reinaldo Canales, que começaram a promover de modo extensivo o cultivo da palma africana, para a produção de óleo de palma e derivados e, mais recentemente, de biocombustíveis.

"Durante mais de 20 anos (1970-1990), os grandes produtores do Baixo Aguán foram em sua quase totalidade as empresas camponesas. A região se transformou em um dos centros produtores mais importantes do país. O ajuste estrutural neoliberal foi catastrófico para o setor camponês e a pequena e até mesmo para a média produção, indefesos diante dos grandes empresários nacionais e transnacionais", concluiu Ríos em seu artigo.

Após acordo com governo, hondurenhos querem reforma agrária "integral" (III)

Depois de um longo processo de reivindicação, com ocupações de terras e estradas em protesto, os camponeses hondurenhos conseguiram uma via de diálogo com o presidente Manuel Zelaya, eleito em 2006. Já contavam mais de 10 anos desde as tomadas de terra por grandes latifundiários, amparados em governos e na Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola, que permitiu a concentração das propriedades nas mãos de poucos.

Em 2009 o MUCA (Movimento Unificado Camponês do Aguán) apresentou uma proposta de acordo para resolver o conflito. Duas semanas antes do golpe de Estado contra Zelaya, em 28 de junho, foi firmado um convênio entre o INA (Instituto Nacional Agrário), os camponeses e os latifundiários endossado pelo presidente, o prefeito de Tocoa e o governador do Departamento de Colón, prevendo a criação de uma comissão tripartida para revisar o procedimento legal usado para a aquisição da terra pelos latifundiários.

O governo de Manuel Zelaya demonstrou disposição de trabalhar por uma nova reforma agrária e pela titulação das terras ancestrais dos povos nativos de Honduras, mas o golpe paralisou esse processo e a negociação com o MUCA. A organização camponesa iniciou a luta nas ruas para exigir o retorno à ordem constitucional e, ante a intransigência das novas autoridades, começou em 9 de dezembro de 2009 a recuperação definitiva das terras, o que provocou a reação violenta dos órgãos repressores sob uma ordem judicial de despejo.

Violência e repressão

De janeiro a março de 2010, exército e polícia trataram repetidamente de desalojar milhares de famílias que participavam do processo de recuperação dos 20 mil hectares reivindicados pelo MUCA.

"Os camponeses do MUCA foram constantemente ameaçados de morte e alvos de vários despejos violentos por parte do exército, da polícia nacional preventiva e de guardas de segurança, que são verdadeiros grupos paramilitares formados principalmente por reservistas do exército", explicou Wilfredo Paz, o porta-voz do MUCA.

Em 12 e 14 de fevereiro, os membros do MUCA foram atacados com armas de fogo por efetivos militares, policiais e guardas de segurança dos latifundiários nas cooperativas La Concepción e Aurora, e houve vários feridos de ambos os lados.

Ao mesmo tempo, os principais meios de comunicação nacionais, na maioria de propriedade de poderosos empresários hondurenhos, iniciaram uma campanha para desacreditar o movimento. "Afirmam que nessas terras há guerrilheiros, o que é totalmente falso. Há apenas camponeses defendendo suas terras. O objetivo é perpetrar um massacre. Não respeitam ninguém e não lhes importa se há mulheres, idosos e crianças. Quando chegam, atiram para matar", denunciou o porta-voz do MUCA.

Nos últimos meses, seis membros do MUCA foram mortos por desconhecidos encapuzados e vários dirigentes de organizações camponesas foram perseguidos, hostilizados e ameaçados. Mais de 200 camponeses envolvidos no processo de recuperação das terras são alvo de ações judiciais e ordens de prisão por usurparção de terras.

As principais organizações hondurenhas de defesa dos direitos humanos e vários órgãos internacionais condenaram os acontecimentos no Baixo Aguán e exigiram que o governo do presidente Porfirio Lobo inicie um processo de negociação a fim de encontrar uma solução para o grave conflito.

Um acordo histórico

Em meio a uma militarização sem precedentes, na qual mais de quatro mil efetivos do exército e da polícia foram enviados ao Baixo Aguán, cercando as comunidades e lançando uma operação em todas as principais estradas da região, o governo e o MUCA iniciaram uma negociação que terminou de maneira satisfatória na madrugada do último dia 15 de abril.

Apesar da pressão exercida sobre a comissão negociadora do MUCA, a organização camponesa conseguiu abrir um precedente histórico: demonstrou que, com a luta e a negociação, é possível recuperar as terras que haviam sido concentradas novamente em poucas mãos a partir de 1990.

"Iniciamos este processo de negociação porque existem pendências reais a resolver. Foi um processo desenvolvido em meio ao perigo, às ameaças e à repressão. No entanto, saímos fortalecidos", disse Rudy Hernández, membro da comissão negociadora do MUCA, durante a assinatura do acordo.

"Não podemos esquecer que, ao longo destes anos de luta, perdemos vários companheiros. Sempre os levaremos em nossos corações. Esta memória nos servirá para que continuemos lutando contra o poder daqueles que desejam que a riqueza se concentre em poucas mãos", afirmou Hernández. "Este acordo reconhece que a terra deve ficar nas mãos dos camponeses, porque nós a trabalhamos com amor e sacrifício. Hoje se inicia um processo que não vai mais parar, pois nosso objetivo é recuperar a totalidade das terras que nos tiraram".

Segundo o acordo, todas as famílias camponesas do MUCA receberão imediatamente três mil hectares já cultivados com palma africana e outros três mil sem cultivo dentro de três meses, com a desocupação prévia e voluntária das terras já recuperadas. Essas terras não poderão ser vendidas nem hipotecadas.

Além disso, as famílias receberão outros mil hectares cultivados e quatro mil sem cultivar em um prazo máximo de um ano. Também serão medidas novamente as terras dos três latifundiários produtores de palma africana – Facussé, Morales e Canales – para conferir se eles estenderam seus cultivos a áreas que não lhes foram outorgadas pelo INA. O excedente passaria imediatamente para as mãos do MUCA, mas deduzindo-se os mil hectares já cultivados.

Será feita uma análise técnica e financeira para determinar as áreas a serem entregues às famílias camponesas, seu valor, o potencial produtivo, a rentabilidade e a forma como foram adquiridas. E será constituída uma comissão técnica e jurídica mista.

A Ata de Compromisso também rejeita uma proposta governamental pela qual as famílias camponesas venderiam obrigatoriamente sua produção às fábricas de óleo de palma de propriedade dos latifundiários, por meio de contratos de investimento conjunto.

Finalmente, as partes concordaram em desenvolver projetos de saúde, educação e moradia na região, além de proclamar "a necessidade imperativa de fomentar um debate nacional sobre a legislação agrária".

Reforma agrária integral

O acordo histórico foi comemorado pelas principais organizações camponesas do país durante a realização de um fórum no qual foram pedidas a revogação da Lei para a Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola e a implementação de uma reforma agrária integral.

Segundo Agustín Ramos, da CNTC (Central Nacional dos Trabalhadores do Campo), "é urgente e necessário iniciar um processo que conduza o país a uma reforma agrária integral. Para isso, é preciso realizar um censo nacional sobre a ocupação das terras não cultivadas".

"Depois será preciso estabelecer políticas e estratégias para garantir o acesso dos camponeses a essas terras e para garantir a soberania alimentar", continuou Ramos. "Não se trata somente de entregar a terra, mas também de garantir a tecnologia, o crédito, a educação e a capacidade de produzir. Isso impedirá que a terra se transforme em uma mercadoria, pois a falta desses elementos obriga os camponeses a vender suas propriedades, provocando a concentração das terras em poucas mãos", afirmou.

Fuente: ALAI

Temas: Defensa de los derechos de los pueblos y comunidades

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