Kelli Maffort: "A luta dos movimentos tem que ser a altura do bloqueio da Reforma Agrária"

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Historicamente os movimentos sociais do campo sofrem com o descaso do governo com a Reforma Agrária. Nos últimos 20 anos esse descaso vem se acentuando. O governo da presidenta Dilma Rousseff é o que menos desapropriou imóveis rurais para a Reforma Agrária. Mediante de tal conjuntura, se faz necessário que os movimentos sociais do campo travem um processo de luta permanente contra o capital.

Em 2013 o objetivo é ampliar e fortalecer a luta permanente por Reforma Agrária.

Dessa forma, o MST organiza desde o último dia 5 de março um acampamento permanente em Brasília - batizado com o nome de Hugo Chávez - que se iniciou com a Jornada Nacional de Luta das Mulheres da Via Campesina, e permanecerá por tempo indeterminado.

Em entrevista, Kelli Maffort, coordenadora do setor de gênero do MST, ressalta a importância da participação da mulher na condução da luta. E aponta o Acampamento Nacional permanente Hugo Chávez em Brasília, como instrumento de pressão ao governo para se fazer Reforma Agrária.

“Estamos vivendo uma conjuntura de bloqueio da Reforma Agrária. A luta dos movimentos sociais tem que ser permanente para romper com essa lógica”, afirma.

Confira abaixo a entrevista:

O Acampamento Nacional permanente Hugo Chávez se iniciou como parte integrante da Jornada de Lutas das Mulheres. Qual é a importância de sua realização na atual conjuntura?

Sem dúvida alguma, o acampamento permanente é crucial, dada a atual conjuntura de bloqueio da Reforma Agrária. Esse bloqueio é combinado entre as ações dos governos federais, estaduais em conjunto com a hegemonia do agronegócio e a ação do judiciário, que tem atuado no sentido de criminalizar a luta pela terra.

Portanto, se estamos vivendo uma conjuntura de bloqueio da Reforma Agrária, a luta dos movimentos sociais tem que ser a altura deste. Ela tem que ser permanente para romper com essa lógica. Por isso o acampamento que se abre com a luta das mulheres é um esforço do Movimento Sem Terra e de outros movimentos sociais do campo de manter as atividades de forma permanente e por tempo indeterminado.

Esse bloqueio pode ser considerado o grande desafio para os movimentos sociais do campo?

Estamos atravessando uma conjuntura em que a Reforma Agrária está sendo colocada como uma bandeira superada. Isto porque, dada a realidade agrária, de avanço do agronegócio e o processo de industrialização no campo, não haveria mais a necessidade de fazer Reforma Agrária no país.

No entanto, na prática é justamente ao contrário. Hoje 30% dos alimentos consumidos pela população, de acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), estão contaminados por agrotóxicos. As pessoas estão sendo envenenadas por esse modelo de produção hegemônico do agronegócio.

Portanto, o agronegócio não pode ser o modelo do campo brasileiro. É preciso buscar outra forma de produzir. E essa forma é a agricultura agroecológica presente na Reforma Agrária.

O poder judiciário se revela como um entrave nos processos de desapropriações de terra. A demarcação dos territórios indígenas e quilombolas é exemplo claro desse entrave no atual cenário do campo brasileiro. Quais ações de lutas conjuntas os movimentos pretendem realizar para garantir o desenvolvimento deste processo de demarcação?

Em agosto de 2012 foi realizado, em Brasília, o Encontro Unitário, que foi uma articulação dos movimentos sociais do campo. Esse encontro das organizações revelou que a questão do campesinato não envolve somente o público da Reforma Agrária. As políticas para o campo brasileiro priorizam o agronegócio e inviabilizam um projeto popular que atenda o público assentado, as populações indígenas, quilombolas e pescadores.

Todas essas comunidades e movimentos estão impactados pela hegemonia desse modelo no campo, que é a materialização do capital. Os movimentos estão avançando na compreensão de que para enfrentar esse modelo devem fazê-lo de forma articulada, por que é por meio desta articulação que vamos conseguir romper com esse modelo de sociedade e de fato enfrentar o capital.


Por que o agronegócio afeta principalmente as mulheres?

Nós vivemos na sociedade uma dupla exploração. A exploração, como classe trabalhadora, e a exploração de gênero, dada em uma sociedade patriarcal. Essa dominação da hegemonia do agronegócio está presente para toda a classe trabalhadora, seu impacto a atinge como um todo. Porém, por vivermos em uma sociedade patriarcal as mulheres são duplamente atingidas. Atingidas como classe trabalhadora e também como mulheres.

E qual foi o principal ponto de pauta da Jornada de Lutas das Mulheres neste ano?

Historicamente a jornada Nacional de lutas das mulheres tem pautado a defesa da Reforma Agrária. Neste ano de 2013 reafirmamos essa pauta. Queremos o assentamento das 90 mil famílias acampadas em todo país. Hoje há uma política por parte do governo federal de bloquear a Reforma Agrária, favorecendo o agronegócio, e deixando os assentamentos em uma difícil situação econômica e de desenvolvimento social.

Como as camponesas pretendem contribuir na construção da soberania alimentar no Brasil?

As camponesas, em sua vida no campo, se organizam e ocupam de tarefas que são práticas concretas desse projeto de soberania alimentar. No dia a dia das camponesas estão presentes princípios que regem este projeto e pautam a luta do enfrentamento ao modelo do agronegócio, que inviabiliza a soberania popular e alimentar. A pretensão é que a partir das experiências concretas consigamos enfrentar o capital e construir novas relações sociais.

Como a violência contra a mulher é discutida pela Via Campesina e como vocês se posicionam mediante isso?

Violência contra a mulher está presente em toda a sociedade, logo também no campo brasileiro. Nós entendemos que a violência não deve ser tratada em separado do tema do enfrentamento ao capital, por que estas relações estão articuladas com a dominação do patriarcado e do capital. Ainda são incipientes os dados da violência contra as mulheres no campo.

No entanto, em nossos acampamentos e assentamentos, nós já percebemos que é necessário combatê-la de forma bastante contundente. E o MST sendo portador de um novo projeto de sociedade, em que a criação de novas relações de gênero está inserida, tem que lutar também contra essa violência, a partir das nossas áreas.

As leis trabalhistas é uma situação latente no âmbito das relações de trabalho no campo. Como as mulheres trabalhadoras rurais são afetadas por esta questão específica?

Nós podemos citar um exemplo que ocorre com as mulheres trabalhadoras na atividade do plantio da cana-de-açúcar. Essa atividade é feita maciçamente por mulheres, e dado o avanço da mecanização em atividades super energéticas, as mulheres estão sendo forçadas a uma jornada de trabalho ainda mais extenuante.

Isso é importante para podermos perceber que as reivindicações do agronegócio pelo novo e o moderno não tem fundamento verídico, por que com a mecanização moderna as mulheres trabalhadoras são forçadas a competir com a máquina, tendo assim que aumentar seu grau de produção. É contra essas relações de trabalho que lutamos para alterar. O que o agronegócio propõe como modernidade, na realidade é carregada de relações sociais extremamente arcaicas e que aumentam a super exploração do trabalho.

A questão da Reforma Agrária atinge direta ou indiretamente homens e mulheres, seja no campo ou na cidade, como você vê a unificação dos movimentos sociais camponeses e urbanos em defesa desta bandeira?

No lema “Mulheres em Luta contra o Capital e pela Soberania dos Povos”, da Jornada de Lutas das Mulheres, está presente o componente de que a luta das mulheres camponesas é algo que nos coloca em um patamar de enfrentamento de classe em contraposição ao modelo do capital.

E esse modelo não está presente somente no campo, como também na cidade. Quando nós tivermos a capacidade de romper com o bloqueio do campo e cidade, unificando a luta a partir da necessidade latente de articulação dos movimentos sociais campesinos e urbanos, conseguiremos avançar em um projeto de sociedade das trabalhadoras e dos trabalhadores para de fato derrotar esse modelo de sociedade capitalista e construir novas relações.

13 de março de 2013

Por Iris Pacheco
Da Página do MST

Fuente: MST Brasil

Temas: Tierra, territorio y bienes comunes

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