A agroecologia como alternativa aos transgênicos. Entrevista especial com o professor Hugh Lacey

Idioma Portugués

"A agroecologia é um tipo de pesquisa e um tipo de agricultura prática que tem interesse, ao mesmo tempo, na produtividade de culturas, de preservação da ecologia, do meio ambiente, na sustentabilidade ambiental e também interesse no fortalecimento das comunidades de fazendeiros e suas famílias. Esse tipo de pesquisa não abstrai os fenômenos das dimensões ecológicas, sociais e humanas"

Esteve na Unisinos na semana passada o professor Hugh Lacey, que ministrou um curso no Mestrado em Filosofia da Universidade. Lacey é professor emérito do Southmore College, próximo de Nova Iorque. Ele também veio ao Brasil para fazer o lançamento de mais um livro de sua autoria traduzido ao português. A obra, intitulada A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas, publicada pela Editora Idéias & Letras, de Aparecida (SP), será lançada na USP na próxima sexta-feira, dia 26 de maio. E é sobre ela que versa a entrevista que realizamos com o professor aqui na Unisinos.

Nascido na Austrália e residente nos Estados Unidos há 32 anos, o professor Lacey é graduado e mestre em Filosofia, e doutor em Filosofia pela Indiana University, nos Estados Unidos. Entre seus livros publicados citamos Valores e Atividade Científica. São Paulo: Discurso Editorial, 1998; Psicologia Experimental e Natureza Humana: Ensaios de Filosofia de Psicologia. Florianópolis: Núcleo de Epistemologia e Lógica, Universidade Federal de Santa Catarina, 2001.

IHU On-Line - Quais as principais idéias de seu livro A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas?

Hugh Lacey - Minha tentativa foi de criar um esquema geral para entender as controvérsias em torno dos transgênicos. Então, no início do livro, eu introduzi quatro propostas a favor dos transgênicos e quatro propostas contra. Em cada ponto há uma contradição entre os dois lados. A partir desses quatro pontos, podemos entender muito bem todos os aspectos da controvérsia geral sobre o tema. Entre os aspectos que eu aponto como mais importantes, está um que diz respeito à natureza da pesquisa científica. A diferença principal entre pessoas a favor e contra os transgênicos é que as pessoas contra têm uma visão mais ampla da pesquisa científica. E também existem controvérsias a respeito dos riscos e da existência de alternativas na agricultura.

IHU On-Line - O senhor pode explicar um pouco a sua abordagem dos transgênicos a partir da perspectiva epistemológica da neutralidade da produção do conhecimento?

Hugh Lacey - Talvez seja mais interessante falar sobre minha posição mais geral a partir da filosofia da ciência. Há dez anos escrevo sobre a interação entre ética e valores sociais dentro da pesquisa científica. Eu desenvolvi um modelo deste tipo de interação, no qual defendo que os valores éticos e sociais podem influenciar escolhas de metodologia científica. Os métodos científicos produzem conhecimento, mas os valores podem sugerir interesses diferentes para a pesquisa, que precisam da utilização de diferentes metodologias. Por exemplo, existe muito conhecimento sobre os transgênicos. Mas esse conhecimento foi descoberto, principalmente, pelas pesquisas em biologia molecular e vários tipos de pesquisa em biotecnologia, e esse é um tipo de investigação que abstrai os fenômenos do contexto social. No entanto, esse é um aspecto típico da pesquisa científica: a dissociação do contexto social, ecológico, da experiência humana.

A agroecologia como alternativa

Por outro lado, a agroecologia é um tipo de pesquisa e um tipo de agricultura prática que tem interesse, ao mesmo tempo, na produtividade de culturas, de preservação da ecologia, do meio ambiente, na sustentabilidade ambiental e também interesse no fortalecimento das comunidades de fazendeiros e suas famílias. Esse tipo de pesquisa não abstrai os fenômenos das dimensões ecológicas, sociais e humanas. Existem modelos diferentes de pesquisa e, a partir da perspectiva de agroecologia, falta interesse no uso de transgênicos. Ela não nega o conhecimento, mas diz: "para nós, para o nosso tipo de agricultura, não podemos usar transgênicos", principalmente porque a agroecologia é um tipo de agricultura orgânica.

A relação entre metodologia e valores

Temos, então, esses modelos de pesquisa em conflito. No meu modelo em geral, afirmo que escolhas de metodologia têm ligação com valores. Escolhemos a metodologia de biotecnologia e isso tem relação com valores, como o lucro e a maximização do produto. Por outro lado, a agroecologia é um tipo de pesquisa que tem ligação com valores como sustentabilidade ambiental e o fortalecimento das pequenas comunidades de agricultura.

IHU On-Line - Como se relaciona com os transgênicos a questão da autonomia na produção do conhecimento?

Hugh Lacey - A autonomia é um ideal, mas muito difícil de realizar. Na prática, quem pesquisa requer recursos financeiros, que vêm de fontes como governos, empresas, etc. Então, a autonomia sempre envolve uma balança de interesses. E ela requer a aceitação de recursos financeiros de várias fontes. Mas, ao mesmo tempo, é preciso dizer "existe essa outra abordagem também e precisamos participar dela". Mas na prática isso é muito difícil e sempre a autonomia é comprometida diante dessas situações.

IHU On-Line - Qual a sua opinião sobre os transgênicos? Quais as conseqüências sobre seu uso imediato e intensivo pela agricultura em larga escala?

Hugh Lacey - A alternativa da agroecologia é muito promissora como forma de agricultura. Ela tem promessa de mais produtividade, sustentabilidade ambiental e é muito boa para os pequenos produtores e suas comunidades. Mas o problema é que, até o momento, ela tem uma abordagem de agricultura muito pequena. Não sabemos a capacidade produtiva desse tipo de agricultura. Sabemos que a capacidade é maior do que a que é realizada agora, mas, como um agrônomo aqui do Rio Grande do Sul me disse: "nós não sabemos se a agroecologia pode produzir o suficiente para alimentar São Paulo". Nessa situação, minha posição é de que é importante investigar as possibilidades da agroecologia.

"No momento, sou contra os transgênicos"

Mas eu não posso dizer que transgênicos não tenham um papel na agricultura do futuro. O que sei é que existem muitos riscos no uso de transgênicos, inclusive para a própria agricultura. A utilização de transgênicos envolve o cultivo de monocultura no campo e isso cria problemas para a biodiversidade e para os pequenos produtores, porque a monocultura requer tipicamente um campo grande. Então, trata-se da questão de como produzir comida para o mundo no futuro e é muito importante investigar várias alternativas e não só os transgênicos. Nesse momento, sou contra a implementação em grande escala de transgênicos. Mas para um longo prazo, talvez eles tenham um papel importante.

IHU On-Line - Os defensores dos transgênicos insistem em que não há nenhuma outra maneira de fornecer o necessário para alimentar a crescente população mundial nas próximas décadas que não seja pelos transgênicos. O que temos de verdade nisso?

Hugh Lacey - Essa afirmação é interessante. Se isso for verdadeiro, então os transgênicos são realmente muito importantes. Mas se pensamos um pouco, vemos que essa é uma afirmação empírica. Se não conduzimos pesquisa sobre outras alternativas, é claro que não haverá alternativas. Essa afirmação é ideológica, não é baseada em pesquisa. Talvez com pesquisa ela seja confirmada, ou não. Essa é uma questão aberta. Mas, nesse momento, essa afirmação não tem base em evidência alguma.

IHU On-Line - Quais as perspectivas que podemos ter em relação às novas tecnologias, como a biotecnologia, a nanotecnologia etc.?

Hugh Lacey - Essa questão no Brasil é interessante. Na agricultura, existem pesquisas em biotecnologia e em nanotecnologia. Mas, por outro lado, também têm pesquisas muito importantes em agroecologia. Eu tenho bons contatos com alguns agrônomos em Florianópolis, que estão fazendo pesquisa em agroecologia. Eu acho que a promessa é muito grande. Mas, ao mesmo tempo, precisamos esperar os vários métodos que a biotecnologia vai desenvolver também. Eu não quero prever exatamente antes do tempo.

IHU On-Line - Quais os maiores impactos ecológicos, sociais e éticos trazidos pelos transgênicos?

Hugh Lacey - Para a ecologia, o impacto varia conforme a região, mas é muito claro que o uso de transgênicos exige o cultivo de monoculturas, o que afeta muito a biodiversidade. Mas isso não é problema só dos transgênicos, é de qualquer agricultura comum que utiliza métodos modernos. A vantagem da agroecologia é essa ênfase sobre a sustentabilidade ecológica. Sobre as conseqüências no nível social, lembro que os métodos transgênicos tipicamente são utilizados pelos grandes fazendeiros e não pelos pequenos produtores. Então, parte do processo de tornar a agricultura em grande agricultura tem conseqüências sociais horríveis. Uma política agrícola deveria enfatizar a preservação da biodiversidade e da sustentabilidade ambiental e também dar ênfase na utilização do conhecimento de pequenos produtores, mantendo a possibilidade deles de praticar a agricultura. Tudo isso envolve aspectos éticos, especialmente as questões sociais. A pesquisa sobre transgênicos nos Estados Unidos é privatizada e é praticamente só sobre o controle das grandes empresas de agroquímicos. Por isso, não podemos confirmar os resultados sobre os riscos que as empresas causam. Isso é também uma questão ética muito séria e contrária à ética das práticas científicas.

A contribuição de Lacey para a discussão sobre os transgênicos. Um depoimento do professor Ruy Braga, da USP

Durante a mesa que fará o lançamento do livro A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas, de Hugh Lacey, na USP, na próxima sexta-feira, dia 26 de maio, estará presente o professor Ruy Gomes Braga Neto, do Departamento de Sociologia da USP. IHU On-Line solicitou que ele gentilmente desse um breve depoimento sobre a obra, que publicamos a seguir:

"Seguramente, o livro do filósofo estadunidense Hugh Lacey dedicado à controvérsia sobre os transgênicos corresponde a mais importante análise acadêmica realizada acerca dos desdobramentos éticos, científicos e político-sociais do desenvolvimento tecnológico que consiste em inserir, no genoma de um organismo receptor, um ou mais genes obtidos de indivíduos diferentes, publicada no Brasil. Trata-se de um tema que, para além dos potenciais problemas associados aos riscos ambientais, carrega consigo toda uma gama variada de questões que colocam a transgenia no coração de vários dos mais importantes dilemas sociais contemporâneos: da fome no mundo ao patenteamento de organismos vivos, passando pelo progresso tecnológico e todas as suas promessas emancipatórias.

Lacey - com a competência de um experiente filósofo temperado pela reflexão sistemática e rigorosa - coloca o dedo na ferida e questiona: afinal, o que está em jogo na controvérsia sobre os transgênicos? Sem nunca deixar de posicionar-se ou esclarecer acerca de suas próprias opções no interior desse debate - notadamente, sua posição agroecológica -, diferencia metódica e pacientemente as posições e argumentos favoráveis e contrários à difusão massificada dos organismos transgênicos, salientando as opções valorativas inerentes a cada uma das posições, assim como as posições matizadas e intermediárias localizadas entre os dois pólos antagônicos.

O ponto nodal da perspectiva sustentada por Lacey é a insistência na existência de opções agrícolas alternativas e comprovadamente mais seguras - ambiental e socialmente - às estratégias biotecnológicas em questão. Para aqueles que, como eu, têm se envolvido com as promessas e os riscos do desenvolvimento nanotecnológico contemporâneo, por exemplo, o livro de Lacey apresenta um interesse a mais: a oportunidade de extrair as lições necessárias da trajetória mais madura de uma tecnologia que encerra dilemas e tensões equivalentes às nanotecnologias. E que, em um futuro muito próximo, fatalmente irão se encontrar."

Hugh Lacey : professor do Southmore College, EUA

Para a Pagina da UNISINOS, RS - 24 de maio de 2006

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