A verdadeira cara da Petrobrás

Idioma Español
País Brasil

Há alguma diferença entre a Petrobrás e qualquer outra das transnacionais européias ou estadunidenses?... Quiçá a Petrobrás se considera um exemplo do que não deveria ser uma empresa “nacional”. Longe dos interesses do povo que supostamente a controla, a Petrobrás persegue cegamente seus próprios objetivos: ganhos cada vez mais suntuosos para seus acionistas, que não são precisamente os milhões de brasileiros excluídos

Há alguma diferença entre a Petrobrás e qualquer outra das transnacionais européias ou estadunidenses?...O estado brasileiro controla diretamente somente 32,2% das ações totais da Petrobrás e 7.6% através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A VERDADEIRA CARA DA PETROBRÁS

(El juguete rabioso)

A nacionalização dos hidrocarburos, decretada pelo presidente Evo Morales, tem provocado um terremoto geopolítico ao ocupar militarmente a gigante brasileira Petrobrás. A imprensa de direito do país vizinho acusa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não ser suficientemente firme para defender a “empresa de propriedade do povo brasileiros”. Inclusive na Bolívia muitos falaram em possuir uma “empresa estatal como a Petrobrás” em relação à refundação de Jazidas Petrolíferas Fiscais Bolivianas ((Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos – YPFB).

Porém: a Petrobrás é realmente uma empresa estatal? A estrutura de propriedade desta empresa é compatível com os atuais esforços por colocar em pé uma nova gestão soberana dos recursos naturais em um aparte crescente da América do Sul? Os dados parecem ir em contra a essa idéia, difundida até agora por alguns setores “progressistas” que acreditam em uma iconográfica sucessão de novos líderes nacionalista que começa com Chávez, Lula, Fidel, Kirchner e somava agora Evo Morales, Tabaré Vázquez e, em uma dessas, Ollanda Humala, no Peru. A realidade mostrou-se muito mais complexa como o demonstra a crise dos blocos regionais (CAN e MERCOSUL), o conflito das indústrias de papel entre Uruguai e Argentina e o enfrentamento pós-nacionalização entre Bolívia e Brasil: hoje a Petrobrás é uma das mais virulentas entre as petroleiras contra as mudanças das regras do jogo inauguradas nos anos 90 com elevados custos para o Estado boliviano. E nessa dureza: Há alguma diferença entre a Petrobrás e qualquer outra das transnacionais européias ou estadunidense?

O MITO DA "EMPRESA ESTATAL"

Na verdade, a participação estatal na gigante petroleira – batizada por um analista como uma “empresa estatal de mercado” – é minoritária. O estado brasileiro controla diretamente somente 32,2% das ações totais da Petrobrás e 7.6% através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outros 57.5% das ações pertence a grandes e pequenos investidores, muitos deles estrangeiros (incluindo americanos). As ações da Petrobrás vendem-se nas bolsas de Nova York, Madrid, São Paulo e Buenos Aires. O governo do Brasil e o BNDES controlam a maioria das denominadas “ações ordinárias”, o que lhe dá uma maioria em um corpo diretivo da empresa. Sem embargo, ainda que o governo mantenha controle da direção, a massa majoritária de acionistas privados impõem uma lógica nitidamente capitalista na empresa.

A enorme capitalização na Bolsa de Valores da Petrobrás e o alto preço de suas ações é o que lhe permite manter suas enormes dívidas que alcançaram 23 milhões de dólares em dezembro de 2005 (nota: a dívida externa Boliviana não chega a 5 milhões de dólares). A empresa contabilizou ganhos de 11 milhões de dólares em 2005, a mais alta em sua história, e investiu uma soma quase equivalente (outra nora: o PIB boliviano é de 9 milhões de dólares).

Em seus campos na América Latina e África, a empresa brasileira se comporta como qualquer outra empresa transnacional. No caso boliviano, a Petrobrás esforçou-se em manobras para catalogar o campo de San Alberto como “novo”, com impostos de 18%, quando havia sido descoberto previamente pela YFPB e, portanto, devia pagar impostos de 50%, segundo a antiga lei de hidrocarburos de Gonzalo Sánchez de Lozada. Uma manobra avalizada pelo governo de Carlos Mesa e por seu delegado presidencial Francesco Zaratti, o qual apelou a uma ambigüidade para redigir um informe que beneficiou a empresa e prejudicou o Estado boliviano.

Na atualidade, a Petrobrás conta com 45.9% das reservas provadas e prováveis de gás e 39,5% das reservas de petróleo, segundo informações de Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). A posição da petroleira brasileira na Bolívia se fortaleceu por estar presente em toda a cadeia dos hidrocarburos, extração dos líquidos e gás, transporte local, refino e transporte do gás ao Brasil e Argentina. A divisão internacional da Petrobrás, que inclui os negócios na Bolívia, teve o ano passado ganhos líquidos de 272,6 milhões de dólares, 63% mais altos que os 166,8 milhões em 2004. Por isso, quiçá não seja surpresa ler, nos informes atuais da empresa, que o aumenta dos ganhos de deveu, em parte, à “elevação da venda de gás boliviano ao Brasil e ao início do contrato de venda de gás à Argentina”.

Para sortear os questionamentos contrários, a Petrobrás montou um mecanismo de patrocínio, aceito sem reservas, a eventos de diversos tipos, que lhe garantiu o silêncio cúmplice de grande parte da sociedade brasileira, ademais do chauvinismo – reproduzido por uma imprensa que também se beneficia com sua publicidade – que a considera parte do orgulho nacional. “Vamos defender a Petrobrás como defendemos nossa seleção de futebol” diz o conselheiro de Lula, Celso Amorim, tocando as teclas da sensibilidade nacional brasileira, para enfrentar as declarações de Evo Morales em Viena, no sentido de que se trata de uma emprese que “operou ilegalmente na Bolívia” devido a que os contratos de risco compartilhados não foram aprovados pelo Congresso.

A petroleira patrocina todo o tipo de eventos culturais, esportivos e sociais...e até o próprio Foro Sicila Mundial – contra a globalização e as transnacionais – contava com seu auspício, do mesmo modo, que a campanha “Fome Zero” desenvolvida pelo governo Lula. Somente em 2005, a Petrobrás gastou 106 milhões de dólares em “relações institucionais e projetos culturais”. Com tudo isso, a petroleira tem assegurado um silêncio cúmplice junto com a exaltação – que se compra com milhões de reais – de seu “espírito patriótico”.

DESTRUIÇÃO AMBIENTAL E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

A Petrobrás tem sido a maior responsável pela destruição ambiental e social do Rio de Janeiro, onde tem seu quartel general. Mantém sua refinaria Reduc sobre as águas doces da Bahia de Guanabara, e sucessivos derramamentos de óleo, maiores em 1975, 1997 e 2000, combinados com milhares de derramamentos menores, tem feita da bahia um lugar inabitável. Suas imponentes praias hoje são um reduto de lixo, sua frota pesqueira uma difusa memória do passado e suas águas foram reduzidas a uma substância escura e contaminada pela destruição dos manguezais – o mecanismo natural de limpeza da bahia – na área ao redor da refinaria. A suas populações aldeãs somente lhes sobra levar seus filhos a uma enorme “piscina” de cimento perto da margem...financiada pela própria Petrobrás!

Um caso similar foi denunciado no Equador, onde a petroleira foi acusada de “estar descarregando águas de perfuração no rio Coca na zona da comunidade de Huatacaru”. Segundo vários informes, o lugar de descarga se encontra fora do bloco 18 operado pela Petrobrás, em uma área considerada como zona de recreação e captação de água a somente sete quilômetros do sistema de captação de água potável da cidade de Coca. Indígenas huaoranis da Amazônia equatoriana pediram ao presidente do Brasil, Lula da Silva, que retire a Petrobrás do Parque Nacional Yasuní, uma das reservas naturais mais importantes da América do Sul.

A Petrobrás também tem uma conhecida política anti-trabalho e pode jactar-se de ser uma das petroleiras cujos trabalhadores tem sofrido mais mortes e acidentes. Em março de 2001, a enorme plataforma de petróleo P.36 (a maior do mundo) explodiu e afundou na bahia de Campos, matando 11 de seus trabalhadores após os gerentes ignorarem as advertências para parar a produção devido a uma possível concentração de gás em uma de suas colunas. Poucos dias depois, mais de 200 operários escaparam da plataforma P-7, depois de um vazamento de gás e petróleo, e em 2002, a gigante P-34 teve que ser evacuada depois de submergir a um ângulo de 32 graus. Em março de 2006, 19 trabalhadores morreram em um acidente no Estado do Rio de Janeiro. Os sindicatos denunciam que um número aproximado de 90 trabalhadores morreram nos últimos cinco anos e uns 240 desde 1995. Muitos deles foram trabalhadores “temporários” mal treinados e sem proteção contratual, parte da política de “terceirização” seguida pela Petrobrás.

“O PETRÓLEO É NOSSO”

Muitos brasileiros estão orgulhosos de uma empresa que os meios de comunicação vinculam com a campanha de nacionalização de 1954, conhecida como “o petróleo é nosso”. Sem embargo, quiçá a Petrobrás se considera um exemplo do que não deveria ser uma empresa “nacional”. Longe dos interesses do povo que supostamente a controla, a Petrobrás persegue cegamente seus próprios objetivos: ganhos cada vez mais suntuosos para seus acionistas, que não são precisamente os milhões de brasileiros excluídos cronicamente do “Estado de bem-estar” construído para umas pequenas elites, em um dos países mais desiguais do mundo. Longe de ser um instrumento de mudanças sociais, advoga constantemente em favor do setor econômico mais privilegiado e instiga aos países que recebem seus investimentos a respeitas regras de um jogo que a beneficiam tanto como o resto das transnacionais. Pouco lhe importa comprar ou atropelar os que representam um obstáculo no Brasil, ou a seus vizinho mais débeis como a Bolívia.

A nacionalização boliviana – longe das visões conspirativas que falam da “influência” de Chávez e Castro na decisão de Evo Morales é, por um lado, a resposta à agenda de outubro, porém, por outro lado, abre uma brecha na América do Sul, onde o negócio petroleiro está dominado por membros menores dos monopólios – Repsol e Petrobrás -. Em um contexto de preços recordes do petróleo, o desafio do país mais “débil” da região aos poderosos interesses petroleiros, reforça o debate acerca da recuperação dos recursos naturais no âmbito continental.

Uma pesquisa recente, difundida pela Página/12, revela que 75% dos argentinos acredita que Kirchner deveria imitar Evo Morales e nacionalizar o petróleo. Possivelmente se obteriam resultados similares no resto dos países que, lentamente e com avanços e retrocessos, parecem avançar em busca de cenários pós-neoliberais.

Fuente: Revista Rebelión – 17.05.2006

Tradução: Vera Lúcia Vassouras

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Notas da tradutora

[1] Quanto ao silêncio da imprensa do sistema e dos "beneficiários" do dinheiro público nos patrocínios "culturais", seria conveniente que a Controladoria Geral da República e o Ministério Público Federal procedesse uma investigação para que a Multinacional justificasse os "incentivos fiscais" fornecidos para falsas fundações de Bancos e empresas privadas, atletas dos esportes preferidos das elites, tal como o tênis ou, ainda, os altíssimos valores doados aos artistas-vendedores-de-produtos-das-multinacionais, o que, em direito penal denomina-se tráfico de influência, exercício arbitrário das próprias razões, formação de quadrilha e improbidade administrativa. Em direito administrativo, ainda tem a denominação de desvio de finalidade e abuso de poder. Todavia, quem, nesse país de imbecis "respeitadores das regras do jogo" do poder tem a coragem, caráter ou simplesmente a decência de usar o dinheiro dos impostos pagos pela população em beneficio do país? Está em marcha mundial um movimento de resistência à submissão ideológica: a desobediência civil dos objetores de consciência, cujo lema é: NÃO COM MEUS IMPOSTOS!!

[2] "...Durante o século XVIII, o Brasil-colônia pagava um alto tributo para seu colonizador, Portugal. Este tributo incidia sobre tudo o que fosse produzido em nosso país, e correspondia a 20% da produção. Esta taxação altíssima, absurda, era chamada de "O Quinto". Este imposto incidia, principalmente, sobre nossa produção de ouro. O Quinto era tão odiado pelas pessoas que foi apelidado de "O Quinto dos Infernos", dado ao seu custo altíssimo...A diferença entre os dias de Tiradentes e nossos dias é que naquele tempo uma voz ergueu-se, e lutou pelo fim do imposto absurdo, sendo levado à morte por este ideal. Hoje, a carga tributária é o dobro daquela da época da Inconfidência Mineira, ou seja, pagamos hoje Dois Quintos dos Infernos. Só precisamos encontrar um novo Tiradentes... " - Emerson Costa Lemes (um simples contador) - Governo e Empresas S/A (05.07.2005)

[3] Por uma nova Conjuração - Manifesto da Liga Operária - 21 de Abril / 2004 - Por Liga Operária 20/04/2004 - A derrama na época de Tiradentes 8.940 quilos de ouro = 334 milhões e 356 mil reais -A derrama do governo FMI-Lula - 1 trilhão e 150 bilhões de reais = 30.744.660 quilos de ouro

[4] "Libertas quae sera tamen"

Leituras recomentadas:

- Decreto de Nacionalización de los Hidrocarburos “Decreto Supremo 28071. Evo Morales Ayma .Presidente Constitucional de la República...Héroes del Chaco...Considerando: Que en históricas jornadas de lucha, el pueblo ha conquistado a costa de su sangre, el derecho de que nuestra riqueza hidrocarburífera vuelva a manos de la nación y sea utilizada en beneficio del país...”

– Prensa Latina – 10.02.06 – Evo Morales: habrá constituyente, cueste lo que cueste; www.rebelión.org - 16.02.06 – Entrevista a Evo Morales – “ Tras 500 años de sometimiento, después de politicas capitalistas el pueblo ya no puede más y revienta”; Prensa Latina – 01.05.06 –Júbilo general por nacionalización petrolera en Bolivia; Agências – 02.05.06 – Tercera nacionalización petrolera en Bolívia en 70 años; www.rebelión.org - Morales da seis meses a las empresas para adaptarse a la nueva situación/Los militares toman el control de los campos petrolíferos. Bolívia asume el “control absoluto” de los hidrocarburos; www.CubaDebate - Entrevista c/Evo Morales – 1111.2003 – Rosa Mirian Elizalde: “El pueblo ha perdido el miedo ante la embajada norteamericana”; www.econoticiasbolivia.com - 13.01.06 – Después de la victoria electoral del MAS: Evo Morales no puede servir a dos amos – El Militante – Jorge Mártin; www.econotíciasbolivia.com - 20.01.06 - Evo protegerá a las trasnacionales; www.palanquelivre.com - Presidente Morales, sem gravata e sem bravata, a esperança da Bolívia, Pedro Porfírio; Prensa Latina – 08.02.06 – Presidente indígena, capitalismo y revolución, Muruchi Ocampo; Prensa Latina, 07.02.06 – Por primeira vez indigenas bolivianos ingresan a la Escuela de Oficiales del Ejército de Bolivia”; Datos y Análisis – Nacionalizar es Indigenizar, Wilson García Mérida; www.iarnoticiais.com; 06.056.2006 – Legalización de las petroleras; idem – 10-05.06 – Legalización del saqueo trasnacional. Radiografía del nuevo fraude petrolero montado en la nacionalización “simbólica”; idem 10.05.06 – Petróleo y negócios – Evo Morales: ficción y realidad del nuevo “aprendiz de Chávez. El capitalismo trasnacional, sin sorpresas; IPS – Brasil – 16.05.2006 – Construyendo una opinión pública subimperialista – Mario Osava.

Fuente: Indymedia Brasil

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