Brasil: será o uso comercial de produtos resultantes da transgenia incompatível com a implementação de medidas de biossegurança?

Se a adoção dos transgênicos depende do boicote a normas que protegem a biodiversidade e a segurança alimentar, temos que assumir que há algo de errado nessa história. Faremos com Cartagena o que os EUA fazem com Kyoto? O que diz o governo brasileiro?

Será o uso comercial de produtos resultantes da transgenia incompatível com a implementação de medidas de biossegurança? A pergunta pode soar contraditória, mas na prática parece ser isso que setores do governo e grupos favoráveis à liberação dos transgênicos vêm demonstrando. O argumento mais usado sustenta que medidas de biossegurança trarão novos custos à cadeia produtiva e, assim, reduzirão a competitividade dos produtores brasileiros.

O assunto está na ordem do dia, pois nos aproximamos do terceiro Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena de Biossegurança (MOP 3) da Convenção da Biodiversidade, que terá o Brasil como anfitrião, em março de 2006.

Também se argumenta que o Brasil é o único grande exportador que ratificou o acordo e que seria, portanto, o único “prejudicado” com a adoção de medidas de biossegurança associadas ao trânsito internacional de organismos transgênicos destinados ao uso direto na alimentação humana, em ração animal ou como insumo para a indústria de alimentos. Para quem pretende defender as exportações e o agronegócio brasileiro, esse raciocínio chama a atenção por sua estreiteza. Por que? Porque basta olhar quem são os principais compradores dos grãos brasileiros. Da China e Coréia a países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita e o Irã, passando por 38 países europeus, todos os nossos principais compradores são parte do Protocolo, ou seja, acreditam que deve haver mecanismos de proteção que garantam a segurança do transporte, do uso e da manipulação de produtos transgênicos, que podem apresentar impactos adversos à saúde humana e ao uso sustentável da biodiversidade. Ademais, apesar de ser grande exportador, o Brasil também importa produtos agrícolas, inclusive milho e soja.

É importante também ressaltar que estamos tratando de um acordo internacional sobre biossegurança e não sobre regras de comércio internacional, como procuram nos fazer crer estes mesmos setores. O preâmbulo do Protocolo reconhece que a biotecnologia oferece grande potencial para o bem estar humano desde que desenvolvida e aplicada com medidas adequadas de segurança para o meio ambiente e para a saúde humana. Ao mesmo tempo, ele reafirma o princípio da precaução e se diz consciente da crescente preocupação pública em relação aos riscos que os transgênicos podem apresentar à saúde e ao meio ambiente. 129 países já assinaram o Protocolo.

Ainda no preâmbulo, seu último item deixa claro que o Protocolo não está subordinado a nenhum outro acordo internacional. Além disso, estabelece a Convenção de Viena, que é a convenção sobre as convenções internacionais, que os acordos mais novos e mais específicos prevalecem sobre outros. Assim, frente à OMC, por exemplo, Cartagena tem preferência dobrada.

Em meados deste ano, sem até agora explicar porque, o Brasil surpreendeu ao bloquear o avanço das negociações do Protocolo, se opondo a normas para a identificação clara de cargas que contenham organismos transgênicos. A informação vaga atestando apenas que um determinado carregamento “pode conter transgênicos”, como defende o ministério da Agricultura, coloca em risco a implementação do Protocolo como um todo. Sem precisão na informação, outros mecanismos previstos no Protocolo como compensação e responsabilização no caso de danos e análise e manejo do risco ficam inviabilizados.

Um código de barras presente na nota fiscal que acompanha os carregamentos faria a ligação dos OGMs ali presentes com um banco de dados internacional, abastecido pelas partes do Protocolo, com informações sobre o produto, recomendações para seu manuseio, transporte e armazenamento com segurança e as medidas a serem adotadas no caso de acidentes ou uso indevido da mercadoria.

Se a adoção dos transgênicos depende do boicote a normas que protegem a biodiversidade e a segurança alimentar, temos que assumir que há algo de errado nessa história. Faremos com Cartagena o que os EUA fazem com Kyoto? O que diz o governo brasileiro?

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Boletim Número 283 - 16 de dezembro de 2005
E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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