Alca: saiba o que vem por aí nas negociações do acordo

No decorrer da Reunião Ministerial de Miami, um grupo de 13 países pautou sua participação com posições francamente favoráveis a uma "ALCA radical"

Por radical, entende-se a adoção de compromissos semelhantes aos adotados no NAFTA, ou em acordos bilaterais de integração, em que desponta o realizado entre Chile e EUA. Nesse tipo de acordo, o consumidor e a sociedade como um todo sofrem grandes limites em seus direitos e nas possibilidades de exercitar suas reivindicações . A participação desse grupo de países reflete o quadro dos acordos que foram feitos entre seus governos e o governo dos EUA. Como já cederam muito, e dispõem de baixo poder de intervenção em suas economias, desejam que o mesmo padrão seja estendido aos demais países.

Esse panorama modifica a importância do tema ALCA, no presente, pois um grande número de países já assinou, ou está assinando, acordos aprofundados. Para as sociedades envolvidas nesses acordos, uma ALCA pouco abrangente não terá nenhum impacto, pois seus compromissos já são bem maiores. Para o Brasil, que ainda não assinou acordos bilaterais, ou plurilaterais, com os EUA, os impactos poderão ser enormes.

Obviamente, quanto menos abrangentes os acordos, menores serão os impactos. Às grandes corporações estadunidenses -as grandes beneficiárias da fixação de regras em serviços, investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais- não interessa, no entanto, a manutenção de regras diferentes em cada país do continente. Muito pelo contrário, os capitais que atuam de forma globalizada preferem contar com áreas as mais amplas possíveis que operem sob os mesmos tipos de regras. Para esses capitais, no caso da ALCA, interessa um Continente onde todos os países contem com regras homogêneas. Essas regras, dentro do enfoque corporativo, objetivam diminuir os riscos do capital investido, elevar a estabilidade, diminuir as restrições às operações financeiras e produtivas.

Para as grandes corporações, uma "ALCA light" será considerada apenas uma escala. O destino, por elas almejado, é constituído pelo Continente, caracterizado como um espaço onde todos os países praticam as mesmas regras e seguem as mesmas leis, seguindo os padrões que lhes são mais convenientes.

Tendências - Cenário 2004

Pouco antes da Reunião Ministerial de Miami, representantes de alguns países reuniram-se em Washington. Nessa ocasião Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil e Robert Zoellick, chefe do USTR, cargo equivalente a ministro do comércio dos EUA, costuraram um acordo. As negociações em Miami transcorreram sob o roteiro acertado previamente em Washington: o Brasil procurou conter os países que buscavam posições de menor liberalização e os EUA fizeram o mesmo com os países que queriam liberalizar de forma mais radical. O ponto convergente entre EUA e Brasil foi em torno da "ALCA possível", ou seja, a que conteria os pontos que os respectivos governos poderiam aceitar naquele momento.

Se Miami deixou claro o interesse, tanto do governo dos EUA, como do Brasil, em sair do encontro com algum tipo de consenso, o cenário que se desenha para o futuro é composto de muitas dúvidas. Uma delas, talvez a mais importante, diz respeito à abrangência do acordo Amorim-Zoellick: a) estaria restrita apenas a Miami, fixando a moldura inicial para as futuras negociações ou, b) pelo contrário, abrangeria um horizonte mais longo e conteria os necessários parâmetros para orientar as negociações quanto ao conteúdo que deverá constar em cada tema . Esse elemento é fundamental para definir a forma sob a qual as negociações ocorrerão, se dentro de um clima de maior "confronto" entre os governos ou, pelo contrário, visando obter o "acordo possível".

Se, por um lado, não se conhecem os documentos que teriam fundamentado os termos e a abrangência do acordo da miniministerial de Washington, a Declaração Ministerial de Miami é dúbia e dá margem a interpretações conflitantes.

As negociações sobre conteúdos deverão acontecer em três sucessivas reuniões do CNC - Comitê de Negociação Comercial: a primeira em Puebla/México, no período de 2 a 6 de fevereiro, e as duas outras no Panamá e Trinidad e Tobago.

Transferindo-se o padrão de negociação ocorrido em Miami para Puebla e demais reuniões do CNC, essas negociações poderão abrigar três diferentes linhas de atuação: a) amplificar ao máximo os compromissos (maior liberalização), b) obstar o aprofundamento da liberalização, c) fazer algum acordo mínimo.

A primeira linha de atuação, por maior liberalização, foi desempenhada em Miami, pelo grupo de treze países comprometidos em acordos plurilaterais ou bilaterais com os EUA, com destaque para Canadá, México, Chile e Costa Rica. A segunda linha, opondo-se ao aprofundamento da liberalização, foi desempenhada pela Venezuela, enquanto a linha pela obtenção do acordo "possível" foi desempenhada pelos governos do Brasil e dos EUA.

Dentre os três tipos de comportamentos, a tendência dos governos dos dois principais países - Brasil e EUA - é pela busca do "acordo possível". A continuidade lógica do roteiro desempenhado por Brasil e EUA, em Miami, representa uma tendência importante à obtenção de um "acordo possível" a ser assinado em janeiro de 2005.

Pode-se apontar, no entanto, uma barreira substancial, representada pelo calendário. O tempo remanescente é extremamente curto para haver acordo em temas de tão grande complexidade. O calendário exige que em setembro de 2004, esteja pronto o documento referente a tarifas (acesso a mercados). Sendo mantido o prazo para o término das negociações - janeiro de 2005 - as dificuldades são grandes e poderá haver impossibilidade técnica de assinatura da ALCA nesse prazo. A reunião do CNC, em Puebla/México, em fevereiro próximo, deverá mostrar a direção que será seguida ao longo desse ano.

Impactos para os consumidores

Nesse processo de negociações, a sociedade e os consumidores não têm sido consultados sobre os objetivos desejados.

As tratativas envolvem a diminuição das barreiras ao comércio internacional, regras para diminuição do espaço para a sociedade e o governo regularem serviços em geral, atingindo os essenciais, limites ao acesso a medicamentos, etc. Não são tratados o desenvolvimento, melhoria do bem estar da população, a superação da pobreza ou a diminuição da exclusão social. Parte-se da premissa de que menores barreiras comerciais e maior liberalização levam a maior crescimento econômico, o que tem sido desmentido pela realidade. Os direitos dos consumidores não têm sido incorporados às negociações, assim como a defesa do meio ambiente. A ALCA light, incorpora a possibilidade de aprofundamento sucessivo dos compromissos de liberalização, rumo a uma integração radical. É por isso que a possibilidade de implantação da ALCA, da forma que está sendo feita, não atende aos interesses dos consumidores e da sociedade como um todo.

Fuente: IDEC

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