Brasil: Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (04/02) o Projeto de Lei de Biossegurança

Ao contrário de todas as previsões traçadas na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (04/02) o Projeto de Lei de Biossegurança garantindo que a liberação comercial de produtos transgênicos no País deverá ser precedida de avaliações de impacto ambiental e de riscos à saúde conduzidas pelos órgãos de registro e fiscalização dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente (Anvisa e Ibama).

Como todos acompanharam, a bancada ruralista pressionava pela substituição da proposta enviada pelo Governo Federal à Câmara no final de outubro do último ano por outra elaborada pelo deputado Aldo Rebelo, ex-relator do PL na Câmara e hoje Ministro da Articulação Política, que dava amplos poderes à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança / Ministério de Ciência e Tecnologia) para deliberar tudo em matéria de transgênicos -- inclusive dispensar a realização de estudos, se os considerasse desnecessários.

Foi assim que a Comissão tentou liberar a soja transgênica da Monsanto em 1998: dispensou as avaliações de riscos por previamente considerar o produto seguro, baseada em estudos conduzidos e apresentados pela própria Monsanto.

Na opinião dos ruralistas, a CTNBio deveria se sobrepor aos ministérios, obrigando-os a registrar os produtos sem exigências adicionais caso seu parecer fosse favorável à liberação.

O argumento usado pelos defensores da rápida liberação dos transgênicos no País foi a ?defesa da ciência?. Diziam que manter as atribuições dos ministérios -- diga-se de passagem, garantidas pela Constituição Federal -- seria o mesmo que condenar o Brasil ao atraso e ao obscurantismo. Os pesquisadores da genética molecular, que trabalham no desenvolvimento de produtos transgênicos, se aliaram aos ruralistas defendendo a liberação comercial dos transgênicos em nome da liberdade para a pesquisa.

Desde o início da convocação extraordinária do Congresso em janeiro, em cuja pauta de votações entrou o PL de Biossegurança, circulavam pela Câmara grupos de cientistas vestindo jalecos brancos pregados de adesivos com os dizeres ?Biotecnologia - liberação já?.

As ONGs e movimentos sociais da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos também se fizeram representar na Câmara em grande número, e a imprensa tratou de forjar a falsa polarização entre ?cientistas e ambientalistas?. Entre aqueles que defendem o desenvolvimento da pesquisa e aqueles que defendem o ?vago? Princípio da Precaução. Claro, pouco mencionaram que o que a sociedade quer são justamente mais pesquisas, estudos que avaliem os reais impactos destes produtos na saúde e no ambiente antes de sua difusão descontrolada pelo País. E omitiram que o que aqueles pesquisadores realmente defendem é a dispensa de avaliações de riscos nos processos de liberação comercial de transgênicos.

O dep. Renildo Calheiros (PCdoB/PE) havia anunciado que apresentaria seu parecer ao Projeto de Lei na terça-feira (03/02), na Comissão Especial da Câmara criada para avaliá-lo, e que o texto seria votado na Comissão no mesmo dia. Perto de três dezenas de manifestantes de cada lado (pró e contra liberação) estavam presentes.

Logo chegou a notícia de que o relatório não estava pronto. O relator, que inicialmente declarara que acolheria o parecer elaborado por Aldo Rebelo, estava agora negociando o texto com representantes do governo, incluindo o Ministério do Meio ambiente. O parecer deveria ser apresentado só na quarta-feira (04/02), e direto para votação no plenário da Câmara.

Era bom sinal para nós. A votação na Comissão seria um desastre, já que o governo permitiu que ela fosse composta por maioria absoluta de deputados militantes pró-transgênicos.

Soube-se depois que a negociação seguiu até a madrugada de terça, com a participação em pessoa da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do Presidente da Câmara, João Paulo Cunha, além do relator e de representantes de Aldo Rebelo.

O resultado só chegou à Câmara na quarta-feira pela hora do almoço, no seguinte formato: o Ministério do Meio Ambiente (MMA) entregava à CTNBio toda a responsabilidade pelas liberações para pesquisa, inclusive as de campo aberto, em que deveria ser necessário o licenciamento ambiental por parte do Ibama. Mas ficavam preservadas as competências dos órgãos de registro e fiscalização do MMA e do Ministério da Saúde (MS) nos casos de liberações comerciais.

Com essa proposta objetivava-se neutralizar a pressão dos cientistas e ruralistas que diziam defender a autonomia para a ciência. Mas é claro que a proposta não foi aceita. Começou a cair a máscara dos ?defensores da ciência?, que exigiam facilidade para liberações comerciais sem a participação dos ministérios.

Seguiram-se então longas horas de negociação na Presidência da Câmara, com a participação de João Paulo Cunha, do Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues (defensor dos transgênicos), de técnicos do MMA, dos líderes dos partidos, de representantes da bancada ruralista e de parlamentares defensores da precaução.

O acordo alcançado chegou ao plenário da Câmara depois das nove da noite. Embora o MMA tivesse acatado outras enormes concessões para garantir a aprovação do PL, ainda ficavam preservadas as atribuições dos ministérios para as liberações comerciais.

A bancada ruralista e os ?cientistas? entraram e pânico. O dep. Roberto Freire (PPS-PE), fervoroso defensor dos transgênicos, apresentou o texto originalmente elaborado por Aldo Rebelo na forma de emenda substitutiva global e a bancada ruralista propôs a inversão da pauta: queriam votar primeiro a proposta de Roberto Freire.

Buscando garantir maioria na votação, o relator acatou ainda mais emendas ao parecer nas negociações de plenário, piorando ainda mais o projeto.

Finalmente, por volta das duas horas da madrugada, os parlamentares votaram e aprovaram a proposta de acordo apresentada por Calheiros.

Foi bonito ver, durante votação, o dep. Paulo Pimenta (PT-RS), relator da Medida Provisória que liberou o plantio da soja transgênica na safra 2003/04 e propagandista dos transgênicos, defender ao microfone a proposta de Renildo Calheiros, enquadrado pela liderança do partido. E engraçado vê-lo vaiado pela direita rural com gritos de ?traidor!?.

A votação da madrugada de quarta foi uma vitória da Ministra Marina Silva, que incansavelmente se empenhou em conseguir do núcleo duro do governo o compromisso de apoiar o Projeto de Lei originalmente enviado pelo Executivo. Ela conseguiu, nos últimos dias, que o governo sustentasse até o fim a negociação do PL -- permitindo concessões graves, mas garantindo a preservação do coração do projeto: o rigor para os processos de liberação comercial.

O projeto segue agora para votação no Senado Federal, onde poderá sofrer novas alterações, tanto para pior como para melhor. A concessão mais grave acatada na Câmara e que tentaremos reverter no Senado é a prorrogação do prazo para plantio e comercialização da soja transgênica. Pelo texto do PL, o plantio fica autorizado para mais uma safra, que poderá ser comercializada até janeiro de 2006.

Outro problema é que o licenciamento ambiental, garantido para a liberação comercial de transgênicos, deverá ser feito no curto prazo de 120 dias (interrompido para o desenvolvimento dos estudos exigidos). A Resolução 305 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), de 12 de junho de 2002, garantia o prazo de um ano para o licenciamento. Além disso, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) não é expressamente obrigatório pelo PL.

A sociedade civil também perdeu espaço na CTNBio. O número de representantes foi reduzido de 8 (na proposta original do Governo) para 6.

Além disso, para pedir revisão do Parecer Técnico Conclusivo da CTNBio, os órgãos de registro e fiscalização dos ministérios deverão apresentar fatos ou conhecimentos científicos novos. É absurdo não se poder solicitar revisões acerca das informações já colocadas, caso não sejam suficientemente esclarecedoras.

E, como já foi dito, apenas a CTNBio avaliará as liberações para pesquisa, inclusive as que envolvam campos experimentais, excluindo a exigência de licenciamento ambiental simplificado por parte do órgão competente (conforme previa o projeto original). Para estes casos, nem a Lei de Agrotóxicos (7.802/89) será aplicada.

Como se vê, as concessões acatadas não são poucas e muitas delas são bastante graves. Sabemos que foi o melhor que se conseguiu consideradas as relações de força na Câmara. Mas nem por isso deixaremos de brigar para revertê-las no Senado.

Esta Campanha ainda tem muito trabalho pela frente.

Comentarios