Brasil: Pesquisa da ANVISA alerta para excesso de agrotóxicos; 34% dos productos industrializados apresentam problemas de higiene

O consumidor brasileiro paga a maior carga tributária do mundo sobre a alimentação, mas está longe de ter um alimento de qualidade na mesa. Dois estudos realizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mostram que 22,17% de frutas, verduras e legumes vendidos em supermercados têm excesso de agrotóxicos e que 34% de uma lista dos alimentos industrializados mais consumidos apresentam problemas de higiene

"Pagamos impostos demais para termos uma qualidade tão ruim de alimentos", diz Sezifredo Paz, 43, consultor técnico do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). De acordo com o estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, 21,7% do preço dos alimentos corresponde a tributos, taxa recorde no mundo.

AGROTÓXICOS

A situação mais séria, segundo os técnicos da Anvisa, é a contaminação dos alimentos por agrotóxicos. A primeira radiografia sobre esse setor está sendo revelada por um programa da agência, em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Na primeira fase, encerrada no ano passado, o programa recolheu 1.278 amostras de alface, banana, batata, cenoura, laranja, maçã, mamão, morango e tomate em quatro Estados (São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Pernambuco) -1.051 (81,2%) possuíam algum resíduo de agrotóxicos.

Em 233 das amostras desse sub-grupo (22,17%), foram encontradas irregularidades graves: 94 tinham agrotóxicos além do limite permitido pela legislação e 74 tinham pesticidas não-autorizados, devido ao alto grau de toxicidade nos produtos -65 amostras tinham os dois problemas.

Segundo Luiz Cláudio Meirelles, gerente de toxicologia da Anvisa, havia 33 ingredientes ativos de pesticidas sendo usados em culturas não-permitidas e três ingredientes de uso desautorizado no Brasil- clorpirifós metil, dieldrin e paration etílico. Para ele, as descobertas mostram que a Lei Federal de Agrotóxicos não vem sendo cumprida, principalmente quanto à fiscalização da venda e ao uso dos agrotóxicos, cuja responsabilidade é das secretarias estaduais da Agricultura.
A Secretaria da Agricultura de São Paulo alega não ter sido informada oficialmente sobre os resultados do programa da Anvisa (leia texto à direita).

O morango foi o alimento analisado que estava mais comprometido com agrotóxicos. Quase metade das amostras analisadas pela Anvisa apresentava contaminação com resíduos de até cinco ingredientes ativos diferentes.
Não há ainda pesquisas conclusivas no Brasil que demonstrem os perigos do uso de alimentos contaminados por agrotóxicos.
Segundo o médico sanitarista Pedro Germano, 57, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a médio e a longo prazos, quem consome alimentos com resíduos de pesticidas pode sofrer de problemas hepáticos (cirroses) e distúrbios do sistema nervoso central. Grávidas estariam sujeitas a abortos e seus bebês, a más-formações fetais. Mas o risco vai depender da quantidade de agrotóxico acumulada no organismo e das características de cada pessoa. Germano recomenda que as pessoas variem o tipo de alimento para não se exporem sempre às mesmas substâncias químicas.

SITUAÇÃO SANITÁRIA

Outro programa da Anvisa está monitorando a qualidade dos alimentos industrializados.

Os primeiros estudos foram realizados a partir de 5.648 amostras de café, doces, especiarias, sorvetes, massas e alimentos congelados. As especiarias e os sorvetes tiveram índices de reprovação de 68% e 47%, respectivamente.
As principais irregularidades referem-se à contaminação por falta de higiene e de cuidados quanto à temperatura e à pasteurização no processo de produção.

Entre as especiarias, a pimenta é a campeã de problemas. Nas amostras recolhidas em supermercados, havia índices inaceitáveis de coliformes fecais e da bactéria Salmonella, principal causadora de intoxicações alimentares. As amostras de sorvete foram condenadas por falta de pasteurização do leite e pela má qualidade da água usada na fabricação.

Segundo Cléber Ferreira dos Santos, gerente-geral de alimentos da Anvisa, as empresas cujos produtos estavam irregulares foram autuadas e orientadas a mudar o processo de produção para evitar a contaminação dos alimentos. Mas ele não soube dizer o número nem o tipo de autuações aplicadas aos fabricantes.

Santos diz que o objetivo da Anvisa não é só punir as empresas, mas orientar ações dos fabricantes para corrigir as irregularidades. Para Sezifredo Paz, do Idec, os programas da Anvisa são importantes, porém falharam na falta de informação ao consumidor sobre as empresas infratoras.

REGRAS PARA EXPORTAÇÃO

Apenas as frutas e os legumes exportados são fiscalizados pelo Ministério da Agricultura quanto ao uso abusivo de agrotóxicos. A análise é feita diretamente nas lavouras, por amostragem. Esses produtos devem atender aos requisitos dos países importadores.

De acordo com Arlindo Bonifácio, coordenador de fiscalização do Ministério da Agricultura, os produtores que exportam têm interesse em cumprir os requisitos para não perder os clientes.
Bonifácio nega que o ministério dê prioridade aos produtos exportados em detrimento dos comercializados no país. Para o coordenador de fiscalização, a diferença entre produtos exportados e nacionais é a "boniteza". "O produtor aplica o agrotóxico em toda a lavoura. As frutas são selecionadas depois da colheita."

Segundo ele, o Ministério da Agricultura planeja adotar uma fiscalização semelhante à que é feita com os produtos exportados.

OUTRO LADO
PARA SECRETARIA, FISCAL TEM DE AGIR CONFORME A LEI

O engenheiro agrônomo José Carlos Coutinho, responsável pelo departamento da Secretaria da Agricultura de São Paulo que fiscaliza o uso de agrotóxicos nas lavouras, alega não ter sido informado oficialmente sobre os resultados da pesquisa realizada pela Anvisa, o que impossibilitaria qualquer ação imediata de fiscalização, justifica ele.

De acordo com ele, legalmente, a secretaria não pode punir os agricultores que abusaram no uso de agrotóxicos ou que utilizaram pesticidas proibidos se não existir uma pesquisa que cumpra todos os critérios metodológicos exigidos pela legislação, como, por exemplo, o número do lote das mercadorias apreendidas, a região de origem e o nome do produtor.

"Quando confirmamos a denúncia de contaminação, a punição é rápida. Mas tudo tem que ser feito dentro da lei", diz Coutinho. Ao recolher os produtos nos supermercados, afirma ele, os agentes da Anvisa devem coletar três amostras: uma para a pesquisa, outra para a perícia técnica e uma terceira deveria ficar com o agente fiscalizado.

Segundo Ricardo Augusto Velloso, gerente de avaliação de risco da Anvisa, o principal objetivo do programa foi coletar as amostras para montar uma base de dados sobre as condições do alimento que chega ao consumidor brasileiro. Para ele, a ação "não tinha o caráter fiscalizatório e nem de penalizar ninguém".

Ainda que receba denúncias embasadas, a Secretaria da Agricultura tem claras dificuldades de fiscalização por falta de pessoal: há 150 engenheiros agrônomos e 300 técnicos para fiscalizar entre 300 e 400 mil propriedades rurais no Estado.
Coutinho diz que os maiores problemas estão concentrados nas pequenas propriedades paulistas. "Muito produtor ainda pensa que o agrotóxico vai aumentar a produção", afirma. Além disso, a secretaria tem encontrado descuidos primários dos produtores, como a aplicação de agrotóxicos em culturas próximas à época da colheita.

Segundo ele, a secretaria deve implantar até o final do ano um programa que vai permitir o rastreamento dos agrotóxicos, desde a venda e o uso na lavoura até a destinação das embalagens.

CONSUMIDOR DEVE SER INFORMADO, DIZ IDEC

Na avaliação do Idec, a Anvisa deveria repensar a forma de condução dos programas de monitoramento de alimentos. Um deles seria identificar a origem dos produtos contaminados e responsabilizar toda a cadeia dos envolvidos, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor.

Para Sezifredo Paz, consultor do Idec, a agência deveria fornecer informações completas sobre os produtos (por exemplo, que tipo de mamão foi analisado), locais de coleta, nome do produtor e atacadista ou supermercado também para o consumidor final.

Segundo Ricardo Augusto Velloso, 33, gerente de avaliação de risco da Anvisa, essa primeira fase do programa teve um caráter mais educativo do que punitivo.

Nas próximas ações de controle da contaminação de alimentos por agrotóxicos, afirma Luiz Cláudio Meirelles, gerente de toxicologia da agência, o órgão pretende ampliar a participação dos consumidores, mas ainda não definiu como isso ocorrerá.

Segundo Meirelles, após a divulgação dos primeiros resultados do programa, a agência conseguiu, em conjunto com os ministérios da Agricultura, Abastecimento e Pecuária e do Meio Ambiente, a criação de grupos técnicos que vão orientar e monitorar os produtores de morango e mamão, as duas frutas mais contaminadas por agrotóxicos.

Além disso, estão sendo analisados outros métodos de identificação dos agrotóxicos. No caso dos resíduos de ditiocarbamatos, por exemplo, só foi possível determinar a quantidade da substância e não qual o agrotóxico empregado pelo agricultor.

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