Brasil: está mais que provado: governo não tem qualquer controle sobre soja transgênica colhida em 2003, por Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

As únicas coisas que podemos esperar do governo neste momento são a anulação definitiva da liberação emitida pela CTNBio em 1998 e a decisão de que a Comissão não poderá receber a competência exclusiva para deliberar sobre o tema. São as únicas atitudes responsáveis possíveis. Aguardaremos

Boletim Número 174

No 23/08 o jornal Folha de São Paulo noticiou com grande destaque a contestação inequívoca de que o Governo Federal, mais especificamente o Ministério da Agricultura, está descumprindo por completo a Lei 10.688, convertida da MP 113, de março deste ano, que liberou a comercialização da soja transgênica plantada ilegalmente no Brasil na última safra mediante algumas condições.

Segundo manda a lei, toda a soja transgênica comercializada deveria ser segregada da soja convencional e identificada com rótulos sempre que a contaminação com transgênicos fosse superior a 1%. O governo deveria ainda criar mecanismos de incentivo à exportação da soja transgênica, bem como impedir que os grãos transgênicos colhidos na safra 2002/03 sejam usados como sementes na safra 2003/04.

Todos sabemos -- e vimos denunciando -- que a soja transgênica foi colhida este ano (principalmente no Rio Grande do Sul) como se nada de anormal houvesse, sem qualquer tipo de controle, segregação, identificação ou fiscalização. Mas a comprovação final deste fato partiu de um Requerimento de Informação ao Ministério da Agricultura formalizado pelo Deputado Federal Edson Duarte (PV/BA) em maio deste ano.

Na última semana o Dep. Duarte divulgou a resposta oficial recebida do Ministério da Agricultura. Seu ?ponto alto? é a resposta à pergunta nº 3 -- ?Que destino foi dado à soja transgênica que está sendo colhida, submetida à MP 113? Que volume destinou-se ao mercado interno e ao mercado externo? Que Unidades da Federação estão recebendo esta soja? Para que países está sendo ou será exportada??:

?Resposta: Segundo o artigo 1º da Lei 10.688/03, a comercialização da safra de soja 2003 é ação legal até o dia 31 de janeiro de 2004, sendo vedada, entretanto, a sua utilização como grão (sic). Desta forma, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, até o momento, tem conferido aos grãos comercializados, dentro de suas funções de rotina, o mesmo tratamento do grão convencional, sendo inviável a determinação precisa do destino da parcela transgênica.? (grifo nosso).

Segue a quarta questão: ?O Ministério da Agricultura está registrando as origens desta safra, por produtor, município??
Resposta: ?Não, segundo os motivos expostos na resposta anterior?.

O Ministério não está fazendo controle algum! Aliás, um dos deveres básicos do Governo Federal nestas circunstâncias seria identificar exatamente onde a soja transgênica foi plantada, de modo a determinar as reais proporções da contaminação e garantir a eficácia do controle da próxima safra.

No início deste ano o governo teve que lidar com estimativas vagas de contaminação, já que não havia qualquer levantamento oficial sobre o problema. Entidades que fazem parte da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos repetiram à exaustão que a contaminação estava praticamente restrita ao estado do Rio Grande do Sul, enquanto o Ministério da Agricultura insistia que o problema era generalizado por todo o país. Cada vez mais os fatos evidenciam que o problema está no Rio Grande do Sul, mas o governo não faz qualquer esforço para colher dados que revelem a realidade.

Vejam também que curiosa a resposta à quinta pergunta do Requerimento -- ?Conforme o art. 1º, parágrafo terceiro, desta MP, o poder executivo poderá adotar medidas de estímulo à exportação desta safra. Isto foi feito? Em caso positivo que medidas foram implementadas, ou se estuda implementar??

Resposta: ?O mercado do complexo soja está comprador -- o que tem alavancado as exportações brasileiras, acumulando recordes históricos.
No período de janeiro a junho de 2003, as exportações do complexo soja aumentaram 116,9%, totalizando US$ 3,7 bilhões contra US$ 1,7 bilhão no mesmo período de 2002.
As exportações brasileiras do complexo soja, nos 12 meses correspondentes ao período de julho de 2002 a junho de 2003, aumentaram 82%, totalizando US$ 8 bilhões contra US$ 4,4 bilhões nos doze meses anteriores.
Diante desse crescimento natural das exportações do complexo soja não houve necessidade de o governo adotar medidas específicas para estímulo à exportação.?

Esta resposta merece no mínimo dois comentários. Primeiro, a pergunta do deputado se referia ao estímulo à exportação da parcela contaminada da safra brasileira, e não de toda a safra de soja brasileira. Estimamos que a parcela contaminada tenha alcançado no máximo 8% da safra. Mas, como já estava evidenciado pelas respostas anteriores, não houve qualquer controle sobre a parcela contaminada da safra.

Segundo, cabe ressaltar que não é a toa que as exportações da soja brasileira estão se multiplicando ano após ano. A maior parte da nossa soja (excetuando-se a do Rio Grande do Sul) ainda conta com o status de não transgênica no mercado internacional, o que nos dá uma vantagem comercial fantástica. Somos preferência de compra. Preferência que perderemos se adotarmos a soja transgênica em larga escala.

Não é a toa que até hoje o Paraná, segundo estado maior produtor de soja e primeiro exportador, não quer nem ouvir falar de soja transgênica (esta semana o projeto de lei que visa a proibir o cultivo de transgênicos no estado passou a tramitar em regime de urgência).

A consideração final obrigatória deste episódio foi bem colocada pelo Dep. Duarte em declaração à Folha de sábado: ?As respostas que obtive do Ministério da Agricultura mostram que o governo não estava preparado para liberar a comercialização da soja e fazer cumprir a lei. Se não estava preparado, por que liberou??

O mesmo vale para o projeto de lei que neste momento o governo elabora para regulamentar a questão dos transgênicos no Brasil. Que condições tem o governo de pensar em liberar estes cultivos se mostra-se incapaz de cumprir qualquer tipo de controle?

O Dep. Duarte entrará com uma Representação junto ao Ministério Público Federal solicitando que este inicie uma Ação de Improbidade Administrativa contra o Ministério da Agricultura para exigir o cumprimento da lei. Entidades da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos farão o mesmo.

Notas taquigráficas mostram que em 1998 CTNBio liberou soja transgênica em reunião sem quórum

Como você lerá neste Boletim (notícia nº 2), o Deputado Edson Duarte também teve acesso às notas taquigráficas da reunião em que a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança / Min. de Ciência e Tecnologia) liberou o cultivo comercial e o consumo pela população da soja transgênica Roundup Ready (RR), da Monsanto -- liberação esta que até hoje não se concretizou devido a determinações judiciais e necessidade de licenciamento ambiental e registro nos ministérios.

Entre outros absurdos, fica provado que não havia quórum suficiente quando a comissão decidiu pela liberação da soja.

O Deputado Edson Duarte já encaminhou uma ?Indicação? ao Palácio do Planalto solicitando a revisão do processo de liberação da soja pela CTNBio e protocolou uma Representação junto ao Ministério Público Federal pedindo a investigação do caso.

O deputado informa que faz pelo menos vinte dias que vem tentando marcar uma reunião com o atual presidente da CTNBio, Erney Camargo, para discutir o assunto e até agora não conseguiu qualquer aproximação.

As informações sobre como se deu a liberação da soja RR vêm a calhar no momento em que o governo elabora o projeto de lei sobre o tema, cuja disputa central é exatamente se a CTNBio será um órgão consultivo, de assessoramento, sem poder de liberar cultivos transgênicos no País, ou se, como defendem os pró-transgênicos, terá amplos poderes para liberar estes produtos, inclusive dispensando a necessidade da realização de estudos de impacto ambiental e à saúde -- como fez no caso da soja.

As únicas coisas que podemos esperar do governo neste momento são a anulação definitiva da liberação emitida pela CTNBio em 1998 e a decisão de que a Comissão não poderá receber a competência exclusiva para deliberar sobre o tema. São as únicas atitudes responsáveis possíveis. Aguardaremos.

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
E-mail:livredetransgenicos@aspta.org.br

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