Brasil: o fascínio e as incertezas da soja transgênica, por Dep. Est. Frei Sérgio Görgen

Muitos perguntam-se das razões do fascínio da soja transgênica sobre os agricultores gaúchos, a ponto de termos hoje uma expressiva quantidade de agricultores (dados oficiais não disponíveis) que cultivam as sementes consideradas pela justiça como ilegais. Estas contrabandeadas da Argentina e posteriormente multiplicadas em solo brasileiro por empresas de sementes e agricultores

É claro que a propaganda massiva da Multinacional Monsanto (inclusive em comerciais de televisão), a omissão da CTNBio ao não exigir os estudos de impacto ambiental, pesquisadores, falta de fiscalização, o trabalho eficiente da Farsul (estimulando e orientando a desobediência à decisão do Poder Judiciário) tiveram grande influência e os torna responsáveis na cobertura de possíveis prejuízos que algum agricultor venha a sofrer, indenizando os prejudicados de boa fé. Mas só isto não explica.

O que tem fascinado os agricultores é a facilidade apresentada para ?limpar as lavouras?, simplificando e tornando eficiente o controle das ervas concorrentes
(ditas ?daninhas?) no cultivo da soja. O problema dos ?inços? tem sido um dos piores efeitos colaterais das monoculturas extensivas alimentadas com o pacote químico. E a aplicação do Round Up, herbicida de amplo espectro, sobre a soja protegida pela modificação genética da Monsanto ?matando tudo, limpando a lavoura e salvando a soja? torna-se um atrativo irresistível para os agricultores. É a solução ideal e simples, mesmo que num primeiro momento e carregada de riscos futuros.

Além disto ?diminuem os custos (num curto período imediato à liberação da tecnologia), necessita menor quantidade de mão de obra e diminui o número de aplicações de herbicida? dizem os agricultores. Numa época de crise da agricultura, taxa de lucros reduzida, falta de mão de obra no campo, diminuir custos e utilizar uma só aplicação para ?limpar? a lavoura é uma solução maravilhosa.

A curiosidade em experimentar o diferente - plantar, observar e comparar - é prática milenar dos agricultores. Esta tradição do agricultor ?experimentador de sementes? contribuiu para a ampliação da área plantada da soja transgênica apresentada como solução mágica para os plantadores de soja.

Há ainda um outro elemento nada fascinante e totalmente perverso: a pressão dos vizinhos. Aquele que não planta transgênico vê sua soja convencional morrer ou minguar sob os resíduos de Round Up levados pelo vento durante as sucessivas pulverizações de seus vizinhos. Isto demonstra o caráter totalitário desta tecnologia e desmonta o argumento pró-transgênico da suposta liberdade de escolha do agricultor. Quem decide não plantar sofrerá efeitos ainda mais perversos como conseqüência do uso do pacote tecnológico vinculado aos transgênicos aplicado por seus vizinhos.

É por isso que, passada a fase inicial do fascínio, ergue-se uma muralha de incertezas. Nem tudo é rosas no jardim artificial criado pela multinacional Monsanto e seus comparsas locais. É bom enumerar o leque das incertezas que estão sendo constatadas e comentadas, ainda à boca pequena, no interior do Rio Grande do Sul. Cabe, antes de tudo, registrá-las hoje para conferir no desenrolar dos acontecimentos. Cabe também, desafiar Institutos de Pesquisa, Universidades, cientistas e autoridades para acompanhar e avaliar a partir da força da realidade concreta.

Observemos algo do que se comenta entre os agricultores em várias regiões do Rio Grande do Sul, de modo especial, onde se planta transgênico há mais de três anos:

* Já começam a ser observadas plantas resistentes ao Round Up (?Corda de viola?, ?Leiteira?);
* Necessidade de aumento da dosagem e do número de aplicações de Round Up, a partir do terceiro ano de plantio, para obter o mesmo efeito;
* Necessidade de aplicação de adubação suplementar (recomendação de adubo foliar) para garantir alta produtividade da soja transgênica;
* Aumento gradativo dos custos de produção, anulando um dos principais fatores do fascínio da transgênica;
* Aparecimento sistemático de rachaduras e quebraduras no caule da soja transgênica, sendo já chamada por alguns agricultores de ?soja quebradeira?;
* Problemas freqüentes de germinação das sementes de soja transgênica;
* Mudança no comportamento de insetos, levando o ?cascudinho?, que habitualmente ataca a batata inglesa e o feijão, atacar a soja;
* Diminuição da capacidade de fixação do nitrogênio no solo por parte da soja transgênica observada pelos agricultores através da diminuição das ?bolinhas? nas raízes e no enfraquecimento do solo depois de três anos de plantio da soja transgênica, ?matando a terra?, no dizer deles;
* Risco do monopólio das sementes de soja pela multinacional Monsanto e desmonte do setor nacional produtor e multiplicador de sementes convencionais;
* Incertezas do mercado, tanto nacional quanto internacional, cada vez mais restritivo ao consumo de derivados da soja transgênica;
* Contaminação de cultivares tradicionais ou melhoradas, adaptadas ao meio ambiente da região.

Sobre o propalado ?direito de escolha do agricultor?, reiterada vezes apregoado, cabe a sociedade refletir profundamente. Uma vez liberado uma ou mais variedades transgênicas, em breve todas as variedades poderão estar contaminadas com o transgene. A contaminação ocorre devido ao fluxo gênico. Fluxo gênico é a dispersão ativa ou passiva dos ?transgenes? via sementes ou pólen dentro do meio ambiente. Ou seja, o transgene vai sendo transmitido para outras variedades, que após um certo tempo terão diferentes percentagens de contaminação, quantidade esta que depende da espécie e dos demais fatores que afetam esta contaminação.

Assim sendo, ninguém mais terá escolha, nem agricultor, nem consumidor. O que existirá na agricultura serão apenas variedades de uma espécie com distintas freqüências do ?transgene?. E quem arcará com os custos de certificação, atualmente necessária tanto para comércio interno quanto para exportação?

O Brasil está diante de dois caminhos.

Caso a Judiciário aprove a liberação da soja americana em solo brasileiro sem os devidos Estudos de Impacto Ambiental previstos na Constituição, demoraremos mais alguns anos para perceber a fabulosa fraude tecnológica e econômica em que estamos envolvidos. Está claro (mesmo que não digam publicamente) até entre os mais empedernidos defensores da engenharia genética que a primeira geração de transgênicos (entre os quais está a soja resistente a herbicida e milho produtor de toxina BT) está definitivamente superada. Até porque foi ?engenheirada? com gene resistente a antibiótico, hoje inaceitável em países europeus e outros tantos. Só o fator de recuperação do capital investido pelas multinacionais ainda justifica a presença destes transgênicos nas lavouras dos agricultores e nas mesas dos consumidores.

Caso contrário, se o Judiciário confirme a decisão do Juiz Prudente ( Juiz Federal Antônio Prudente), teremos o ano de 2004 para iniciar um processo profundo e radical de descontaminação da agricultura gaúcha buscando outros caminhos para resolver os problemas concretos e reais vividos pelos agricultores, enquanto aprofundam-se as pesquisas (que devem continuar) para aprimorar o uso destes novos e fantásticos instrumentos da ciência realmente em função dos seres humanos e não em função da sede de lucros de poucas poderosas transnacionais.

O senso comum inicia seu discernimento baseado na observação. Mas não terá forças para desmontar os braços de polvo desta nova forma de escravidão tecnológica.

A sociedade precisa envolver-se no debate sobre o futuro que queremos. Precisamos optar entre a agricultura ecológica e a agricultura contaminada dos transgênicos.

Frei Sérgio Antônio Görgen ofm
Frade Franciscano e Deputado Estadual do PT-RS
Tupanciretã, 15 de fevereiro de 2003.

Obs.: Este texto teve a valiosa contribuição do Prof. Rubens Onofre Nodari, Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Catarina.

Dep. Est. Frei Sérgio Görgen
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