Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos: em prol de uma sociedade mais justa e da proteção do meio ambiente e dos direitos dos agricultores e consumidores

Estamos encerrando o ano 2003 em clima de alerta, preparando-nos para intensos embates já no início de 2004. Infelizmente a maior parte das esperanças que nos invadiam há um ano foram frustradas, tendo o governo Lula traído as suas promessas de que o tema dos transgênicos seria finalmente tratado de maneira séria e responsável neste país

Esta semana Lula deu mais uma mostra de que já tomou partido, e foi em prol de uma multinacional.

Foi sancionada na última segunda-feira, 15/12, a Lei 10.814, convertida da Medida Provisória 131, que em setembro deste ano autorizou para a safra 2003/04 o plantio de sementes de soja transgênica pelos agricultores que produziram este grão ilegalmente nas safras anteriores.

A MP foi aprovada no Congresso com algumas alterações. A mais grave delas deu a permissão para as empresas licenciadas pela Monsanto multiplicarem sementes de soja transgênica mesmo antes de sua liberação para plantio comercial. As empresas produtoras de sementes alegam que levariam pelo menos dois anos multiplicando sementes para alcançar a capacidade de abastecer o mercado no caso de uma liberação comercial. Com a autorização, elas podem começar a produzir sementes, mas ficam proibidas de comercializá-las enquanto a lei não o permitir.

A proposta é completamente absurda, principalmente pelo fato de politicamente forçar a futura (e próxima) liberação destas sementes em nível comercial. Já podemos prever o presidente anunciando como seria feia a fotografia da queima de sementes produzidas pelas empresas caso não se possa viabilizar o seu plantio.

Quando a proposta foi aprovada na Câmara, em 12/11, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, anunciou que trabalharia pelo veto presidencial ao artigo incluído. Mas desde então nem Lula nem o ministro José Dirceu, da Casa Civil, se pronunciaram sobre o assunto.

A lei publicada no dia 16/12 no Diário Oficial da União apresenta um único veto -- e não é à autorização para a multiplicação de sementes transgênicas. Lula vetou um parágrafo que havia sido incluído na Câmara, que determinava que a empresa detentora da patente sobre a soja transgênica cultivada seria co-responsabilizada na eventual ocorrência de danos ao meio ambiente ou a terceiros decorrentes do plantio -- inclusive aqueles relativos à contaminação de campos vizinhos através de polinização (no caso da soja, que é uma planta de polinização fechada, a taxa de contaminação via pólen é bastante reduzida, mas não é nula).

Em seu Artigo 9, a lei determina que ?os produtores de soja geneticamente modificada que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por cruzamento, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa?.

E o Parágrafo único deste artigo, vetado por Lula, dizia que ?a responsabilidade prevista no caput aplica-se, igualmente, aos detentores dos direitos da patente sobre a tecnologia aplicada à semente de soja de que trata o art. 1º?.

Ou seja, Lula deixou a responsabilidade recair inteiramente sobre os agricultores, livrando a multinacional que desenvolveu estas sementes de qualquer compromisso. Para tanto, usou o argumento da AGU (Advocacia Geral da União) de que "não pode pretender uma lei que se destina a, única e exclusivamente, estabelecer normas excepcionais para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2003, criar normas e definir direitos e obrigações de supostos detentores de direitos sobre a patente da semente utilizada? e que ?há que se registrar o caráter ilícito da importação das sementes em questão, o que torna ainda mais complexa a relação jurídica entre os eventuais detentores de direitos sobre patentes e os produtores rurais, matéria essa que deve ser equacionada pelas vias competentes".

Curiosamente, Lula não vetou o Artigo 10, que diz que ?Compete exclusivamente ao produtor de soja arcar com os ônus decorrentes do plantio autorizado pelo art. 1º desta Lei, inclusive os relacionados a eventuais direitos de terceiros sobre as sementes, nos termos da Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003?.

Ou seja, ao contrário do que argumenta a AGU, apesar de livrar a Monsanto da responsabilidade por eventuais danos, a lei permite que a empresa faça valer seus direitos de patentes e vá cobrar royalties dos agricultores.

Diante de tudo isso, quem tinha que ser responsabilizado no caso de danos ao meio ambiente ou a pessoas é o governo federal, que autorizou produto contrabandeado, cuja segurança ainda não foi devidamente avaliada.

E a disposição do governo em favorecer a liberação dos transgênicos não pára por aí. Também na segunda-feira o ministro dos Transportes, Anderson Adauto, anunciou que ?os portos gaúchos de Rio Grande e de Porto Alegre, e o de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, vão receber investimentos especiais do governo federal para que se tornem alternativa a exportação da soja transgênica? (Agência Brasil, 15/12/03). ?Segundo ele?, continua a notícia, ?diante da proibição do governo do Paraná de escoamento da soja modificada pelo porto de Paranaguá, serão definidas novas estratégias na primeira semana de janeiro?.

Diante da flagrante disposição governamental em favor dos transgênicos, resta-nos intensificarmos nossas forças para defendermos a aprovação do PL de Biossegurança, no Congresso Nacional no próximo ano, com a garantia de que as avaliações dos riscos para a saúde e o meio ambiente sejam obrigatórias previamente à liberação comercial de transgênicos.

Aliás, estamos assistindo um fenômeno intrigante esta semana a esse respeito. Conforme relatado no Boletim 189, na última semana o governo retirou o PL do regime de urgência -- e isso se decidiu em reunião entre os ministros José Dirceu e Marina Silva com o relator do PL na Câmara, Dep. Aldo Rebelo, porque não houve acordo quanto ao conteúdo do parecer proposto pelo deputado.

Segundo apuramos posteriormente, tanto Dirceu quanto Marina rejeitaram a proposta de Aldo, que inventava uma tramitação maluquíssima para a liberação comercial de transgênicos: após um produto receber parecer favorável da CTNBio, o pedido de liberação seguiria direto para o conselho de ministros (CNBS proposto no PL original enviado pelo governo ao Congresso) para aprovação. Caso um órgão de registro e fiscalização de algum ministério (o Ibama ou a Anvisa, por exemplo) se opusesse à liberação concedida, a queixa seria avaliada pelo próprio conselho de ministros, que daria a palavra final.

Assim, os órgãos competentes dos ministérios para avaliar questões técnicas relativas à segurança dos produtos transgênicos ficariam fora dos espaços de tomada de decisão -- e impedidos de conduzir ou exigir as análises de riscos que considerassem necessárias, em sua área de competência.

Como dissemos, ao que se sabe, de tão absurda, a proposta foi rejeitada também por Dirceu, e não só por Marina Silva.

Apesar disso, ao longo desta semana os principais jornais brasileiros divulgaram a proposta de Aldo como válida, dando-lhe enorme destaque e omitindo o fato de que ela foi rejeitada pelo próprio governo. Lemos isso na Folha de São Paulo em 14 e 15/12, no Estado de São Paulo em 17/12, no Valor Econômico em 17/12 e no Zero Hora (RS) em 12/12. Hoje a Folha voltou a fazer referência à proposta do relator em seu editorial, desta vez falando em clonagem terapêutica.

Ao que parece, a imprensa está insistindo no relatório rejeitado como forma de validá-lo, dar-lhe força, para ele que possa, quem sabe, ser aceito no próximo ano.
Criam-se fatos pela insistência.

Mais uma vez, concluímos que é hora de juntarmos energia e força para enfrentarmos este debate no Congresso no próximo ano.

Este boletim voltará a ser distribuído em janeiro de 2004.

Desejamos a todos um Feliz Natal e um Ano Novo com mais avanços em prol de uma sociedade mais justa e da proteção do meio ambiente e dos direitos dos agricultores e consumidores.

Até lá!

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil
Boletim Número 190 - 18 de dezembro de 2003

Comentarios