Brasil: liberação do milho transgênico: governo atende demandas do agronegócio

A liberação do milho transgênico da Bayer e de outros que estão a caminho faz parte de um pacote do governo federal para agradar setores do agronegócio. A Lei de Biossegurança foi mudada recentemente para acelerar a liberação dos transgênicos e já produziu seus primeiros resultados

Além desta, mas com o mesmo espírito, estão sendo negociadas a portas fechadas na Casa Civil da Presidência da República mudanças nas leis de cultivares, de agrotóxicos e de acesso a recursos genéticos -- todas anunciando grandes retrocessos.

No caso dos agrotóxicos, a pressão já manifestada em tratoraços é pela facilitação do registro de agrotóxicos genéricos e pela liberalização de seu comércio no Mercosul. Novas empresas, principalmente chinesas e coreanas, entram neste mercado com a expiração das patentes de alguns produtos, oferecendo preços mais baixos. Para estes agrotóxicos, pedem os ruralistas que sejam feitos apenas testes agronômicos e não de toxicologia.

Essa pretensa economia é na verdade uma brutal transferência de custos para a sociedade e para a administração pública, sobretudo em tratamento de casos de intoxicação crônicos, agudos e fatais. Não menos importantes são os crescentes casos de perda de fertilidade humana e de má-formação congênita resultantes do consumo de agrotóxicos.

As normas para agrotóxicos são diferentes entre os países integrantes do Mercosul e isso faz com que existam produtos proibidos ou severamente restritos no Brasil ainda permitidos em países vizinhos. A proposta de “harmonizar” essas leis nivela por baixo os critérios de segurança à saúde e ao meio ambiente.

A lei de proteção de cultivares define os direitos de propriedade intelectual que a pessoa ou instituição (obtentor) terá sobre a variedade de planta por ela desenvolvida, seja uma semente ou muda de espécie agrícola, florestal, medicinal ou ornamental. A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial e proíbe que terceiros produzam sementes e mudas destas variedades com fins comerciais. Mas, em sua forma atual, a lei estabelece que o uso próprio de sementes protegidas (colher e usar como semente no ano seguinte), assim como o consumo ou venda da produção obtida não ferem o direito de propriedade e, além disso, permite a doação ou troca de sementes entre pequenos produtores.

Buscando reinserir a pesquisa brasileira no mercado do melhoramento genético que foi dominado pelas multinacionais dos transgênicos e agrotóxicos, o Ministério da Agricultura e a Embrapa vêm liderando um processo de revisão dessa lei. O debate em curso na Embrapa sobre a reorientação de seus programas de melhoramento genético deveria ser uma oportunidade para a Empresa priorizar o desenvolvimento de sementes para uma agricultura menos dependente de insumos químicos e mais sustentável, mas, ao contrário, caminha no sentido de buscar maior competitividade e novas parcerias com o setor privado.

Pelas propostas em discussão, a proteção que hoje incide sobre uma lista determinada de espécies passaria a valer para todas as espécies vegetais, fungos e algas cultivadas. O replantio de sementes ficaria permitido apenas para o produtor com renda inferior a R$ 70 mil anuais. A duração da proteção saltaria de 15 e 18 anos para 20 e 25. Não bastasse tudo isso, a proteção intelectual não se restringiria às sementes e mudas, abrangendo, em alguns casos, os produtos da colheita obtida a partir das sementes protegidas. Como resultado, restrição de direitos para os agricultores, maiores custos e perda de autonomia.

O melhoramento genético e a bioprospecção dependem do acesso a recursos genéticos, que na mairoria dos casos é conservado por comunidades locais que desenvolveram o conhecimento sobre como usá-los e manejá-los. No caso das sementes, o ponto de partida do melhoramento feito em centros de pesquisa foram as variedades desenvolvidas pelos próprios agricultores. As empresas continuam tendo grande interesse nas sementes tradicionais, pois delas podem ser aproveitadas características para novas variedades comerciais. O mesmo valor é dado para plantas medicinais e para outros componentes da biodiversidade usados por comunidades locais e indígenas, que as empresas vêem como potencial fonte de novos compostos.

A Convenção da Diversidade Biológica da ONU estabelece que os países signatários, como o Brasil, desenvolvam mecanismo de repartição de benefícios entre empresas que desenvolveram produtos a partir da biodiversidade e as comunidades que cederam seus conhecimentos sobre como usar tais recursos.

Hoje está em vigor no Brasil uma medida provisória que trata da matéria e que criou o CGEN - Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Também discute-se na Casa Civil um anteprojeto de lei sobre acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios, que o governo pretende enviar ao Congresso Nacional.

Assim como os demais debates já citados, este também vem sendo feito sem a participação da sociedade civil e sem consulta aos setores que serão diretamemte afetados. O Ministério da Agricultura pressiona para que seja criado um regime de acesso à agrobiodiversidade separado do restante da biodiversidade, como se aquela não fosse parte desta. Com isso pretende trazer para sua alçada a regulação da matéria e afirmar sua tese de que não há conhecimento tradicional associado às sementes.

Juntando as peças, o pacote atende a uma determinada concepção de desenvolvimento que prevê a concentração de recursos estratégicos nas mãos de poucos e um enrijecimento de regras de propriedade intelectual. Os conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade, cultivada ou não, são reconhecidos de forma oportunista, pois através deles chega-se facilmente a fontes potenciais de novos produtos (lei de acesso) que serão muitas vezes produzidos via trangenia (lei de biossegurança) e protegidos por direitos de propriedade intelectual (lei de cultivares) para, no caso da agricultura, reproduzir um modelo insustentável de monoculturas altamente dependente de insumos externos (lei de agrotóxicos).

Há quem diga que tamanha bondade do governo em atender as demandas do agronegócio tenha origem em acordos feitos em troca de apoios inusitados que Lula recebeu no segundo turno das eleições do ano passado. De qualquer forma, está-se desenhado um cenário em que se anunciam grandes retrocessos e restrições de direitos conquistados. Para a sociedade civil organizada está colocado o grande desafio de frear esse processo de controle corporativo e privatização da vida e iniciar um amplo movimento de debates, mobilização e incidência sobre o governo.

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Boletim Número 347 - 01 de junho de 2007
AS-PTA / E-mail: rb.gro.atpsa@socinegsnartedervil

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