A tecnologia genética: ¿maldição ou benção?, por Wolfgang Kreissl-Dörfler

Vamos derrotar a fome no mundo, vamos tornar os gêneros alimentícios melhores e mais saudáveis, vamos usar menos pulverizante: eis o trombeteavam há poucos anos os executivos dos grandes conglomerados dos setores químico e farmacêutico

Wolfgang Kreissl-Dörfler: representante do Partido Verde Alemão e Membro do Parlamento Europeu.

Esperavam poder represar ou mesmo fazer desaparecer, com esses clichês, resistência à tecnologia genética que, em todo o mundo, começa a crescer cada vez mais em meados dos anos 90.

Estavam muito enganados. Em julho de 1999, a "tecnologia genética verde" passou a experimentar turbulência nas bolsas internacionais, Vários bancos advertiram seus clientes para que deixassem de investir em empresas comercializadoras de sementes geneticamente modificadas, pois os produtos dessas empresas, que outrora angariavam compradores com atributos como inovação, progresso ou aumento da produtividade, tinham se tornado um fardo. Grandes cadeias comerciais como Mark and Spencer , na Inglaterra;Migros, na Suíça; e Carrefour, na França, decidiram, já nos primeiros meses de 1999, abandonar a tecnologia genética nos seus produtos, Na Alemanha, as grandes cadeias de supermercados, como Tengelmann, Edeka, Metro e Aldi, fizeram o mesmo.

Embora isso deva ser visto como um primeiro grande êxito contra a utilização da tecnologia genética, não há razões para baixar a guarda e relaxar, pois o lobby da tecnologia genética ainda está longe de desistir da luta pela aceitação de seus produtos geneticamente alterados. Isso se pode ver, por exemplo, na decisão do Parlamento Europeu de inicio de abril de 2000 sobre uma diretiva de não impor à industria nenhuma responsabilidade civil pelos riscos da tecnologia genética. Outras propostas também foram rejeitadas: dentre elas, a proibição da utilização de genes que possam provocar resistência a antibióticos em seres humanos e animais.

Aqui a industria logrou impor os seus objetivos graças ao trabalho intenso de seus lobistas. O interesse dos consumidores foi inequivocamente, subordinado ao da indústria. Empresas como Monsanto e Dupont, nos Estados Unidos; o gigante da Novatis, nascidos da fusão Ciba-Geigy com a Sandoz; ou a empresa de sementes Agrevo, filha comum da Hoechst e da Schering, não se interessam em derrotar a fome no mundo e tornar a humanidade mais feliz. Querem se estabelecer em um mercado de grande futuro, que abrange toda a população mundial-seis bilhões de pessoas, com tendência ao crescimento. E uma coisa é certa: as pessoas sempre precisarão comer.

Quem dominar esse mercado fará parte dos ramos mais poderosos da indústria mundial. As empresas também enfiam a mão no bolso para assegurar essa dominação do mercado futuro. Assim, Monsanto investiu, nos últimos cinco anos, quase US$ 9 bilhões na aquisição de empresas de biotecnologia e produção de sementes, a Dupont comprou, por US$ 7,7 bilhões a empresa Pioneer Hi, o maior produtor mundial de sementes. No longo prazo, a dominação do mercado leva um número cada vez maior de agricultores- mini ou latifundiários- a uma situação de dependência total dessas empresas. E como as sementes foram manipuladas a ponto de somente assegurarem uma produtividade digna de menção com os fertilizantes e defensivos agrícolas, a dependência dos agricultores e, com isso, também dos consumidores dos gigantes químicos como a Monsanto, acaba sendo total.

Acresce que as normas da Organização Mundial do Comércio(OMC) referentes aos direitos das patentes são formuladas de modo a consolidar, ainda mais, a posição dominadora dessas empresas no mercado. Essa política fará, também, desaparecer um número cada vez maior de variedades de sementes, sejam elas de arroz, feijão ou cereais. A diversidade das espécies e variedades ficará imensamente reduzida, conseqüentemente, também a possibilidade de obter as sementes correspondentes, de acordo com a região, as condições climáticas e a estrutura do solo, pois a afirmação de que as grandes multinacionais agrícolas e químicas querem derrotar a fome no mundo não passa de um mito. Essas empresas se interessam prioritariamente pelo poder no mercado. Quem não puder pagar pelos seus produtos, morrerá de fome, como em tempos passados. Justamente os países em desenvolvimento perderão ainda mais com essa política e, em países como o Brasil, a exclusão de camponeses e a concentração da propriedade fundiária nas mãos de poucas pessoas deverão aumentar ainda mais. Lucram, portanto , os latifundiários que com máquinas ainda maiores e mão-de-obra ainda mais reduzida, cultivarão áreas ainda maiores. Lucram, em primeiro lugar, os produtores de sementes que fornecerão, juntamente com as sementes, o herbicida adequado. Lucram, assim em dobro. Quem não lucra são os pequenos e médios agricultores e os consumidores. Eles devem até esperar o aumento dos preços dos gêneros alimentícios, quando o poder de mercado das empresas produtoras for total e todos os concorrentes tiverem sido eliminados. Então o negócio passará a ser efetivamente rentável, pois, como já foi dito, as pessoas sempre precisarão comer.

Abstraindo do poder de mercado, a tecnologia genética contém também uma série de riscos para o ser humano. Não quero descrevê-los aqui em detalhe, mas devo mencionar em primeiro lugar reações alérgicas que podem ser provocadas pelos "novos produtos". Um outro risco é a utilização de antibióticos na tecnologia genética. Isso poderá conduzir à resistência aos antibióticos no ser humano, com conseqüencia dos antibióticos não produzirem mais nenhum efeito no caso de doenças graves. Estima-se que mais de 20 mil diferentes gêneros alimentícios já contenham soja. No futuro ela talvez seja comercializada apenas sob forma geneticamente manipulada.

Aqui se evidencia não apenas a dimensão dos riscos para a saúde humana, mas também a interdição dos cidadãos, pois um grande número desse produtos não é rotulado adequadamente.Com isso, a decisão do consumidor sobre o que ele quer comprar não é apenas driblada, mas liminarmente impossibilitada nos seus eleitos. Somente um sistema de rotulagem de produtos geneticamente modificados, que mereça esse nome, poderá informar adequadamente o consumidor, e evitar que ele seja tutelado na sua decisão de compra. E, como na União Européia não haverá nenhuma responsabilidade civil por riscos de tecnologia genética, as grandes multinacionais estarão protegidas do pagamento das respectivas indenizações por danos. Fossem elas obrigadas a assumir a responsabilidade por riscos e danos supervenientes, não haveria em todo o mundo uma só companhia de seguros que segurasse tais riscos.

Isso vale naturalmente para os riscos não avaliáveis que os produtos geneticamente alterados podem acarretar para o meio ambiente, para o espaço de vida de todos nós. Se, nesse caso e para citar um exemplo, a resistência aos herbicidas, inserida na planta geneticamente manipulada, se transmitisse a outras plantas criadas em ambiente natural, poderiam surgir assim chamadas superervas que não poderiam ser combatidas, pois uma coisa está fora de discussão: um organismo, uma vez liberado na natureza para fins experimentais, não poderá mais ser chamado de volta. Um outro risco é o transporte aéreo do pólen. Assim, por ocasião de um experimento realizado na Universidade de Cornell, em Nova Iorque, um grupo de pesquisadores alimentou lagartas da borboleta com folhas que tinha sido polinizadas com pólen geneticamente de milho Bt, em uma dose igual à que costuma aparecer nas folhas de outras plantas(devido ao transporte natural pelo vento, por exemplo). Depois de quatro dias, quase metade das lagartas tinha morrido e a outra comia uma quantidade nitidamente menor.

Poderíamos citar ainda muitos exemplos de riscos possíveis da tecnologia genética para o meio ambiente e a saúde humana, pois a discussão em torno da "tecnologia genética verde" se abriu em um leque de numerosos detalhes. O mercado dos argumentos se torna cada vez menos transparente. Penso ser evidente que ainda estamos longe de identificar e avaliar todos os riscos. Por Isso, considero indispensável sustar a liberação de organismos geneticamente modificados. Com vistas a uma moratória, os agentes devem promulgar decretos e leis correspondentes. Ocorre que as ameaças de boicotes e a queda nas bolsas de valores influenciam mais rápida e eficazmente o mercado mundial do que as intervenções políticas. E aqui a opinião dos consumidores passa a pesar decisivamente, pois eles não comprarem o produto geneticamente modificado, este deixará de ter interesse para o seu produtor. No entanto, empresas como a Novartis e Monsanto ainda esperam que um dia os consumidores se acostumem com produtos geneticamente modificados e os aceitem se, por exemplo, a soja geneticamente modificada for mesclada à soja não-manipulada e os produtos geneticamente alterados forem lançados no mercado sem a adequada rotulagem.

Naturalmente esse perigo existe. Tanto mais importante que os consumidores, as organizações não-governamentais, os políticos e os partidos contrários a essa manipulação se associem em escala mundial e combatam essa tendência. No Partido Verde, o tema da tecnologia genética está há vários anos na ordem do dia do trabalho político. Objetiva-se lidar de forma responsável com essa tecnologia. Na produção de gêneros alimentícios somos de opinião que a utilização de tecnologia genética é supérflua. Mas, enquanto produtos geneticamente manipulados estiverem no mercado, vamos nos empenhar por uma rigorosa rotulagem em escala nacional e em toda a Europa . Os próprios consumidores deverão decidir o que comprar. Além disso, defendemos a adoção do principio da precaução, da formulação mais rigorosa dos critérios de licenciamento, bem como a responsabilidade civil integral no caso de danos. O fato de se discutir na Europa sobre esses temas se deve, em grau decisivo, ao empenho dos membros do Partido Verde. Juntamente com as associações de proteção ambiental, as organizações de defesa do consumidor e protetores de animais, eles iniciaram a discussão e mantiveram-na em andamento; participaram de impugnações de requerimento de patenteamento de genes humanos, obtiveram uma aliança voltada para a ação de decretação de uma moratória para a utilização do RBST - o hormônio de crescimento de bovinos produzido com a ajuda da tecnologia genética - e realizaram muitos feitos.

Um primeiro grande êxito nessa direção é a assinatura do Acordo de Biossegurança por parte de 135 países, no dia 29 de janeiro do corrente ano, em Montreal. Esse acordo fixa também o chamado principio da precaução, segundo o qual o país importador tem o direito de proibir a importação de sementes em caso de suspeita de riscos ao meio ambiente e a saúde. Vamos valorizar a conservação de Montreal para não esmorecermos na nossa luta contra a utilização de produtos geneticamente modificados. Cito ainda outros dados estatísticos que nos devem encorajar: em 1998, 53% da população da Suíça se pronunciou contra a utilização da tecnologia genética na agricultura e, em fevereiro de 2000, esse índice já chegou a 73%.

A discussão em torno da tecnologia genética deverá continuar. Na minha opinião, não se trata apenas das questões sobre "Que planta é realizada?", "Com que benefícios?" e "Quem se beneficia e quais são as vantagens". Há mais coisas em jogo. Está em pauta, também, o conflito fundamental entre a ética e o lucro. Estão em pauta as seguintes perguntas. "Que perfil o mundo de amanhã deverá ter?" e "Até que ponto o homem tem direito de interferir na evolução?"

Artigo distribuído no 10/11/2003 pelo Gabinete do
Deputado Federal Edson Duarte, Partido Verde/Bahia
(dep.edsonduarte@camara.gov.br)

Comentarios