Aquecimento do oceano transforma o regime de chuvas no Brasil
Estudo Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica aponta que desastres climáticos relacionados à chuva cresceram 320% nesta década.
O Brasil vive um cenário de extremos. Enquanto o Nordeste e o Centro-Oeste enfrentam estiagens prolongadas, o Sul e o Sudeste sofrem com enchentes, deslizamentos e cidades inteiras paralisadas por temporais. O que está por trás desse desequilíbrio? A resposta está no aquecimento conjunto do oceano e da atmosfera — uma combinação que altera profundamente o ciclo das águas no país.
“O oceano é o grande motor climático do planeta”, afirma Ronaldo Christofoletti, coordenador da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica e membro da Rede de Pesquisadores do INPO (Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas). “E, neste momento, esse motor está girando mais rápido e de forma desordenada.” Ele explica como o aumento das temperaturas do mar e do ar estão transformando os padrões de chuva no Brasil e ampliando o número de eventos extremos com impactos devastadores.
Segundo o recém-lançado relatório “Temporadas das Águas: O Aumento das Chuvas Extremas”, o país registrou 26.767 desastres climáticos relacionados a chuvas entre 1991 e 2023 — número que triplicou nas últimas décadas. As regiões mais afetadas são justamente aquelas sob influência direta do oceano Atlântico.
O elo entre o céu e o mar
Christofoletti explica que o aquecimento dos oceanos intensifica a evaporação e a liberação de umidade para a atmosfera. Esse aumento da umidade, combinado com o aquecimento atmosférico, contribui para o degelo na Antártica e o avanço mais frequente de frentes frias. Quando essas frentes chegam ao Brasil e encontram uma atmosfera já saturada de umidade, favorecem a ocorrência de chuvas mais intensas. Além disso, uma atmosfera mais quente e instável aumenta o risco de tempestades severas
O impacto se traduz em tragédias recorrentes. Em 2023, o litoral paulista registrou o maior volume de chuva em 24 horas da história do país. Já em 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou um dos maiores desastres climáticos de sua história recente, com mais de 2 milhões de pessoas afetadas e prejuízos superiores a R$ 88 bilhões, como mostra o estudo.
Modelos desatualizados, riscos ampliados
Para Christofoletti, a fragilidade das previsões climáticas também é parte do problema. “Estamos usando modelos baseados em dados do passado, que não refletem a realidade atual de um oceano mais quente. É como tentar prever o presente olhando pelo retrovisor.” Essa defasagem reduz a capacidade de antecipar desastres e compromete a resposta das autoridades.
Ele defende o fortalecimento do monitoramento em tempo real do oceano e da atmosfera como medida urgente. “O INPO está empenhado em ampliar a pesquisa e monitoramento do oceano, o que é fundamental para entendermos o que está acontecendo no presente, para prevermos o futuro. Sem dados atualizados, ficamos à mercê do acaso climático”, alerta. E ressalta que existem muitas estações climáticas em terra para medir a atmosfera, mas muito pouco monitoramento no oceano.
O impacto na costa e os caminhos da adaptação
As mudanças no regime de chuvas também impactam diretamente os ecossistemas costeiros. No Nordeste, a menor vazão dos rios altera a salinidade dos estuários, comprometendo a pesca artesanal e os meios de subsistência locais. No Sudeste, o excesso de chuva leva poluentes e sedimentos ao mar, afetando a qualidade das águas e a biodiversidade marinha.
Para enfrentar esse cenário, o relatório destaca a importância das Soluções Baseadas na Natureza — como a restauração de manguezais, a ampliação de áreas verdes e a adaptação das cidades com infraestrutura resiliente. Mas, como reforça Christofoletti, nenhuma estratégia será eficaz sem diagnóstico preciso. “Não é possível agir no escuro. Investir em monitoramento é investir em segurança climática.”
A publicação “Temporadas das Águas: O Desafio Crescente das Chuvas Extremas” faz parte da série Brasil em Transformação, que busca alertar a sociedade sobre os impactos e consequências das mudanças climáticas no Brasil. O estudo é da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenado pelo Programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a UNESCO e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
- Para fazer o download do relatório completo, clique no link abaixo:
Fonte: Eco Debate
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