Brasil: Balanço da Jornada da Via Campesina: "Queremos produzir alimentos"

Idioma Portugués
País Brasil

A Via Campesina e trabalhadores urbanos integrantes da Assembléia Popular realizam uma jornada de lutas para denunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país, especialmente as estrangeiras, que são beneficiadas pelo modelo do agronegócio e pela política econômica neoliberal.

BALANÇO DA JORNADA DA VIA CAMPESINA - 11/6 Queremos produzir alimentos.

PAUTA Via Campesina faz protestos em três estados e apresenta proposta para o campo

A Via Campesina e trabalhadores urbanos integrantes da Assembléia Popular realizam uma jornada de lutas para denunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país, especialmente as estrangeiras, que são beneficiadas pelo modelo do agronegócio e pela política econômica neoliberal. Nesta quarta-feira, aconteceram protestos no Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, além de uma coletiva de imprensa em Brasília.

Em Brasília, representantes de entidades que compõem a Via Campesina Brasil divulgaram uma plataforma com propostas para o desenvolvimento do campo brasileiro, com soberania nacional e justiça social (leia no final da mensagem). A proposta inclui programas de fomento de agroindústrias para a produção de alimentos e agroenergia, reflorestamento e infra-estrutura em assentamentos, além da ampliação de programas de educação do campo e a criação de uma estatal de fertilizantes.

No Rio Grande do Sul, cerca de 500 agricultores e sem-terra da Via Campesina ocuparam pela manhã duas áreas da empresa Votorantim. Os protestos que denunciam o avanço da monocultura do eucalipto e da acácia na região Sul gaúcha aconteceram em Erval do Sul, com 200 pessoas, e em Piratini, com 300. As monoculturas que se instalam na região causam degradação ambiental e prejudicam pequenos agricultores e assentados com o ressecamento de córregos e do desequilíbrio ambiental.

As famílias também denunciam a empresa Votorantim, que com promessas de emprego e de renda ao agricultor implementa na região, com ajuda de órgãos do governo do RS, o Programa Poupança Florestal, em que o agricultor e o assentado destinam boa parte de sua propriedade para o plantio de eucalipto e pínus. Para as famílias, o programa de governo deveria ser o incentivo à produção de comida (o que não acontece hoje) e não à produção de matéria-prima para exportação.

Em Porto Alegre, os movimentos sociais ocuparam o supermercado Nacional, do grupo Wal-Mart, em protesto contra a falta de política para a produção dos alimentos e o controle do comércio agrícola por empresas multinacionais. Antes, cerca de 1,2 mil trabalhadores rurais e urbanos realizaram uma marcha até o Palácio Piratini para denunciar a política do governo do RS de corte aos serviços básicos do Estado (como saúde e educação) e não de incentivo às transnacionais, em especial às papeleiras.

A Brigada Militar, comandada pelo Coronel Paulo Mendes, bloqueou a caminhada dos movimentos sociais, disparando tiros de balas de borracha, e obrigou os manifestantes a permanecerem no Parque Harmonia. Pelo menos dez pessoas foram conduzidas ao Hospital de Pronto-Socorro na capital.

Em Pernambuco, trabalhadores rurais da Via Campesina realizaram três protestos em Petrolândia. Cerca de 700 agricultores ocupara a sub-estação de distribuição da Chesf (Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco), no município de Petrolândia, próximo ao assentamento Antonio Conselheiro, em protesto contra a transposição do Rio São Francisco. Mais de mil agricultores bloquearam a BR 316, próximo a ponte que liga Petrolândia a Paulo Afonso. Cerca de 1.000 trabalhadores rurais da Via Campesina realizaram também um protesto em frente a sede da empresa Netuno Pescados, que está entre as dez maiores multinacionais do ramo de pesca e aqüicultura. A empresa possui 200 fazendas de camarão no nordeste, o que configura uma privatização da água, um bem natural que deve ser público e de propriedade do povo, e não de algumas empresas. A empresa Netuno Pescados, a maior exportadora brasileiro de pescado, compra a lamina d`água e utiliza de forma clandestina o Lago de Itaparica. A empresa ainda proíbe a pesca artesanal, obrigando a população a se submeter a seu projeto de integração. Em 2006, recebeu um financiamento de R$ 211 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a expansão de seus negócios. No norte da Bahia, Cerca de 350 famílias do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) e da Via Campesina ocuparam área de desenvolvimento do projeto Ponto Novo de irrigação, na microrregião de Senhor do Bonfim. Os lavradores estão acampados e não têm previsão para sair da área.

A área total do projeto promovido pelo governo da Bahia, de mais de 2.500 hectares, deveria ser destinada para pequenos e médios produtores. Todavia, os trabalhadores denunciam que empresários estão tomando as terras para expansão da monocultura da banana. Para a construção do projeto, foram desalojadas 400 famílias. Apenas 120 foram reassentadas em lotes familiares ao redor da área do projeto. As demais famílias vivem hoje a periferia de Senhor do Bonfim. Os outros lotes ao redor do projeto de irrigação foram destinados às empresas Sítio Barreiros, que desenvolve o monocultura de banana, e Agrivale, que mantém a monocultura do abacaxi no local. O proprietário da Agrivale é o mesmo empresário responsável pela Agrovale, empresa especializada na produção de cana-de-açúcar. Recentemente, essa empresa recebeu um investimento de R$ 450 milhões do governo da Bahia para a expansão da cana na região. A área recebeu um investimento de R$ 75,3 milhões, sendo que R$ 35,6 milhões foram destinados à implantação da barragem que mantém todo o projeto, com capacidade de armazenar 40 milhões de metros cúbicos de água, segundo informações oficiais do governo, . Outros R$ 39,7 milhões foram destinados às obras de irrigação e linha de transmissão. Abaixo, as propostas da Via Campesina para o campo e para a agricultura no Brasil: PLATAFORMA DA VIA CAMPESINA

PROGRAMAS ESTRUTURANTES DE CURTO PRAZO

1. Programa de reflorestamento 2 hectares por família camponesa.
Implementar programa nacional de florestamento e reflorestamento para o conjunto das famílias assentadas e camponesas do Brasil, beneficiando todos os Biomas. Deverá de ser fomentada a adesão das famílias à temática florestal buscando a instalação de sistemas diversificados de manejo florestal que possam produzir madeira, energia, sementes, fibras e produtos não madeireiros, além da preservação da biodiversidade e ampliação das florestas, contribuindo para o combate ao aquecimento global. Para isto é necessário:
- linha de credito especial para a implantação das florestas, com carência de 8 anos e 8 anos para pagar, com juro zero e bônus de adimplência de 40%;
- remuneração de serviço ambiental as famílias, repassando um salário mínimo mensal durante os 12 primeiros meses após o plantio da floresta;
- assistência técnica florestal de base agroecológica, acompanhada de capacitação técnica para a implantação, manejo e agro extrativismo sustentável;
- fomento com recursos sem reembolso, para a implantação de pequenos viveiros florestais, descentralizados e cooperados, a fim de promover o incentivo para coleta de sementes e multiplicação de mudas nativas de arvores de cada região;
- programa massivo de educação ambiental, inserindo o conjunto das famílias, as escolas e demais estruturas organizativas dos assentamentos;

2. Programa de agroindústria familiar e cooperativa.
Implementar pequenas e médias agroindústrias familiares, comunitárias e cooperativadas descentralizando o beneficiamento dos alimentos, gerando emprego e mantendo a juventude nas pequenas cidades.
Para isto é necessário:
a) Linha de crédito subsidiado com prazos longos;
b) Mudanças na legislação sanitária garantindo a qualidade do produto final;
c) Assistência técnica específica para acompanhar as empresas comunitárias até sua consolidação.

3. Programa de compra de alimentos pela CONAB, armazenagem, garantia de preço e produção de alimentos básicos.
- Ampliação do orçamento do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) para 1 bilhão por ano, garantindo a compra estatal dos produtos da reforma agrária e agricultura camponesa;
- Estudos de viabilidade e implantação de agroindústrias familiares em áreas reformadas viabilizando a agregação de valor e inserção nos mercados locais;
- aquisição dos produtos da reforma agrária para comporem as cestas básicas distribuídas pelo Governo Federal;
- garantia de comercialização para os produtos ecológicos, com sobre preço de no mínimo 30% em relação ao mercado convencional;

4. Programas de agroenergia e energias renováveis para agricultores familiares.
Implementar pequenas e médias usinas integradas de alimentos e energia para produção de álcool, óleos vegetais e biodiesel, descentralizadas e multifuncionais, tanto em matérias primas como em produtos, priorizando o consumo local e estimulando os consórcios alimentares/energéticos.
Implementar pequenas unidades de produção local de energia elétrica e de economia energética: microcentrais hidrelétricas, biodigestores, micro e pequenos aerogeradores, pequenas termoelétricas de biomassa, placas solares, aquecimento de água com serpentinas em fogões à lenha.
Para isto é necessário:
a) Projeto piloto com recursos não retornáveis;
b) Linhas de crédito com subsídio e de longo prazo;
c) Sistema elétrico integrado podendo as unidades locais de produção colocar energia na rede quando produzir excedente e usar da rede quando estiver em déficit.

5. Empresa estatal de fertilizantes minerais, orgânicos e organo-minerais.
Constituição de uma Empresa Estatal Federal para atuar no ramo de fertilizantes minerais e organo-minerais, utilizando-se de pós de rochas, dos resíduos do xisto e matérias primas orgânicas disponíveis;
Programa nacional para produção descentralizada e em escala, de fertilizantes orgânicos através de cooperativas, comunidades e prefeituras, utilizando material orgânico do lixo urbano e outros resíduos agrícolas e industriais.
É necessário:
a) Estatização ou reestatização de todas as minas de fosfato e potássio existentes no país, por ser um insumo estratégico para a soberania alimentar da nação.
b) Destinação de recursos financeiros específicos não retornáveis e/ou financiamentos de longo prazo para estruturar pequenas indústrias de fertilizantes orgânicos e dos equipamentos para utilizá-los.

6. Programa de produção de leite/familiar.
- Garantia de preços mínimos compensadores para os pequenos produtores através de compras públicas exclusivamente da agricultura camponesa;
- Assistência técnica, capacitação e recursos financeiros para massificar entre as famílias camponesas a produção de leite à base de pasto, diminuindo custos, reduzindo a área utilizada e aumentando a produção.
- Recursos para estruturar cooperativas dos pequenos agricultores para recolher e resfriar localmente o leite das famílias camponesas bem como industrializar para o consumo regional.

7. Programa de investimentos em agroecologia nas escolas técnicas, universidades, etc.
- Financiamento de projetos de pesquisa e extensão rural pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (CNPQ e FINEP), MAPA e MDA nas áreas de agroecologia, agricultura familiar, tecnologias populares, agroflorestas. E que os mesmos sejam construídos em parceria com os movimentos sociais.

Universidades:

- Institucionalização dos grupos de agroecologia estudantil existentes nas universidades.
- Reforma Curricular legitimada pelo MEC dos cursos de ciências agrárias que contemple na grade disciplinas como agroecologia, sociologia e extensão rural nos semestres iniciais.

Escola técnicas

- Reconhecimentos pelo MEC do curso de nível Técnico em Agroecologia.
- Legitimar junto ao MEC habilitação do exercício da profissão de Técnico em Agroecologia conforme as atribuições curriculares.
- Investimentos financeiros para que as escolas Técnicas em Agroecologia tenha condições de se manter em área física de no mínimo 50ha de terra.

8. Programa Água Para Todos – universalização do abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto.
a) Implementar a lei de Saneamento já aprovada no Congresso Nacional. O saneamento tem recursos garantidos pelo FGTS.
b) Implementar as 530 obras do Atlas do Nordeste, propostas pela Agência Nacional de Águas que têm potencial para beneficiar 34 milhões de pessoas do meio urbano na região, exatamente onde o abastecimento de água ainda é mais problemático.
c) Implementar as obras de convivência com o semi-árido proposta pela Articulação do Semi-árido no meio rural – cisternas para consumo humano, para produção, caxios, barragens subterrâneas, etc. – já estipuladas nos programas “Um milhão de Cisternas” e “Uma Terra Duas Águas”.

9. Programa Nacional de Habitação camponesa e popular.
- Programa nacional de habitação camponesa que possibilite moradia adequada a todas as famílias camponesas, de todas as faixas de renda, em todo o território nacional, de maneira desburocratizada, como política social estratégica para conter o êxodo rural, manter a juventude no campo e repovoar as comunidades camponesas, aplicando, em escala crescente, tecnologias de bioconstrução.
Por isto reivindicamos a Implantação de um Amplo Programa de Habitação Camponesa para construir, reformar e ampliar moradias em todo o meio rural brasileiro, tendo como meta construir e reformar 300 mil moradias ano, com valores mínimos de R$ 16.000,00 por moradia, prazos longos (20 anos) e subsídios adequados (entre 50% a 80%) às faixas de renda das famílias camponesas.

10. Programa de produção de sementes e mudas nativas, crioulas e varietais.
- Recursos para multiplicar os bancos populares de Sementes Crioulas e Nativas;
- Recursos para multiplicar viveiros de mudas nativas e para implantação de agroflorestas;
- Implantação massiva de Centros de Preservação e Manejo da Agrobiodiversidade (CIMAS);
- Ampliação da pesquisa, melhoramento e produção de sementes varietais através da Embrapa e outros centros públicos de pesquisa e disponibilização de sementes e mudas básicas para as cooperativas e associações camponesas para multiplicação, com o devido acompanhamento técnico

11. Programa público de assistência técnica, extensão rural e capacitação.
- Fortalecimento da assistência técnica como instrumento estratégico da construção de um novo modelo de produção no campo, implantando massivamente um novo paradigma produtivo ambientalmente sustentável;
- Assistência Técnica, extensão rural e capacitação sistêmica e continuada;
- Ampliar os Programas de Assistência Técnica, incorporando projetos especiais, tais como: transição agroecológica, produção de sementes crioulas, produção de leite a pasto, diversificação da cultura do fumo, implantação de agroflorestas, crédito assistido com recursos públicos conveniados com as organizações dos camponeses/as.

12. Programa de ampliação da Educação do Campo. - Aumentar significativamente os recursos financeiros das escolas de ensino médio, técnico e superior dos movimentos sociais tendo como base o repasse feito as instituições de ensino federal de estudante/curso.

- Enquadramento das escolas dos movimentos sociais nos PAA- Programa de Aquisição de Alimentos da CONAB.

- Melhorias da infraestrutura.

- Contratação de professores habilitados no curso Pedagogia da Terra para ministrarem aulas em assentamentos rurais.

- Implementação de Medida Provisória que impossibilite o/a estudante ficar sem ter aulas de determinada disciplina por mais de 10 dias.

- Investimento em programas para aquisição de materiais didáticos e audio-visuais e informática.

- Criação de um plano didático-pedagógico construídos por professores, pais, estudantes e movimentos sociais que contemple a realidade das escolas que possuem classes multisseriadas.

- Capacitação didático-pedagógica para professores que ministram aulas em classes multisseriadas.

13. Programa de mecanização agrícola adequada para agricultura camponesa.
- Disponibilização de máquinas e equipamentos adaptados às necessidades da agricultura camponesa, leve, simples, resistente, rústica, econômica, barata, eficiente, multiuso e versátil, adaptada para desempenhar as várias atividades de uma agricultura diversificada. Prioridade para uma mecanização voltada a um novo modelo de agricultura, com produção diversificada, combinação de produção animal com produção vegetal, uso de adubação orgânica e armazenamento de água com irrigação de pequeno porte.
- É necessário:
Política industrial de estímulo a este modelo de máquinas agrícolas e financiamento de longo prazo para pagar;
Além da mecanização familiar e comunitária, necessita Infra-estrutura Pública Coletiva de apoio a mecanização camponesa, para serviços pesados, como terraplanagem, açudagem e outros serviços, de máquinas e equipamentos como trator-esteira, retroescavadeira poclain, trator com scraiper, caçambas, adquiridos pelo governo federal, custeados por governos estaduais e prefeituras, sob o controle social dos camponeses através de suas organizações.

I. MEDIDAS POLÍTICAS E LEGISLATIVAS

1. Reforma Agrária com retomada de desapropriação de grandes latifúndios.

2. Regularização imediata da terra indígena da Raposa Serra do Sol e a área dos Guaranis – Caiová no MS e Mbiás Guaranis do RS.

3. Aplicação imediata, em nível nacional, da Tarifa Social Baixa Renda de energia elétrica para os consumidores, de acordo com a decisão judicial de maio de 2007, do Desembargador Federal de Brasília Sr. Catão Alves.

4. Isenção de pagamento dos primeiros 100 kw para as famílias camponesas e o que for gasto a mais “equidade” com o preço paga pelos grandes consumidores de energia (R$0,06).

5. Proibição de vender/ceder terras para empresas estrangeiras.

6. Revisar a liberação do milho transgênico no Conselho de Ministros.

7. Revogar a MP da grilagem da Amazônia e o INCRA voltar a regularizar as áreas de Quilombolas.

8. Impedir a expansão do monocultivo de pínus e eucalipto.

9. Pela manutenção da Previdência Pública Universal e Solidária; Aprovação imediata do PL 6.852/06 e Revogação da MP 410.

10. Limitar a propriedade da terra em 35 módulos fiscais.

Informações à imprensa: Igor Felippe - 11-3361-3866
Silvia Alvarez - 11-3392-2660
Maria Mello - 61-3322-5035
Correio - rb.gro.tsm@asnerpmi
Página - www.mst.org.br

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