Carta manifesto ao Congresso Nacional: legislando para quem e para quê?

Idioma Portugués
País Brasil
Vista aérea da mina do Piaba, em Godofredo Viana (MA). Foto: Tadzio Coelho

O mandato conferido à vossas excelências não lhes autorizam a aprovar legislações que nos imponham a morte sob a retórica fantasiosa e muito oportunista de que precisamos de Leis de destruição para produzir mais e crescer. Os Projetos que os Senhores e Senhoras estão negociando e tentando aprovar não produzem modernidade, ao contrário, promovem um retrocesso sem precedentes.

O Pacote do Veneno aprovado na Câmara (PL 6299/2002) e agora no Senado apenas facilita a liberação do uso de agrotóxicos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde da população, condenando pessoas à morte. Historicamente neste país,  pessoas  empobrecidas são as que mais dependem de saúde pública e que têm mais dificuldade de acessar produtos livres de agrotóxicos, que, em muitas cidades, se tornaram muito mais caros por falta de uma política de segurança alimentar e pela expansão do agronegócio em territórios que antes eram de camponeses e agricultores familiares.

O Projeto de Lei Geral do Licenciamento aprovado na Câmara e agora no Senado (PL 2.159/2021)  é apenas uma “licença para destruir” sob o argumento falacioso de que é preciso desburocratizar o licenciamento para o país voltar a crescer. O que o PL busca é rebaixar o alcance, a qualidade e o tempo para a avaliação dos impactos, as medidas de precaução e de redução de danos. Isso, na prática, vai facilitar a construção de empreendimentos que não apenas causarão danos ambientais irreparáveis, como também podem causar catástrofes inimagináveis para as populações do campo e da cidade. Sob falsos argumentos de que o PL trará mais eficiência para o processo de licenciamento, a Senhora, Senadora relatora Kátia Abreu, e aliados seguem com negociações de bastidores para que seja votado após o carnaval.

O PL da Grilagem (PL 510/2021), no mesmo pacote de negociação do PL do Licenciamento, incentiva o desmatamento e anistia o crime de invasão de terras públicas. Permite ainda a reincidência de invasão de terra pública e amplia a possibilidade de extinção de projetos de assentamento para aplicação das regras de privatização de terras públicas. A aplicação da tese inconstitucional  do marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas, concomitante a simplificação da titulação para grandes detentores de terras,  descontos oferecidos para a regularização, entre outras medidas trazidas pelo PL, se tornaram prêmio para desmatadores de terras públicas e ampliam o já explosivo potencial de desmatamento e de conflitos violentos no campo.

O PL 191/ 2020  escancara Terras Indígenas à mineração, ao garimpo, à projetos de petróleo e gás, a construção de hidrelétricas, a pecuária e o plantio de sementes transgênicas. Retira dos povos indígenas o poder de veto e transforma a consulta prévia em mera formalidade. No lugar da garantia constitucional ao reconhecimento e proteção de suas terras, do respeito às suas culturas, o PL assinado e priorizado pelo atual governo, explicita a pura violência e o desrespeito aos povos indígenas e transforma o Estado em verdadeiro advogado dos interesses do capital nacional e estrangeiro, ainda que tais medidas signifiquem o genocídio de povos inteiros. De acordo com os dados parciais de 2021 levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no último ano, as mortes em consequência de conflitos dispararam, tendo um aumento de 1.044%, passando de 09, em todo o ano de 2020, para 103 registradas até o momento. Dessas 103, 101 foram de indígenas Yanomamis.

Além disso, esses dados dão conta que, em 2021, 418 territórios sofreram “Violência Contra Ocupação e a Posse”. Desses, 28% são territórios indígenas; 23% quilombolas; 14% são territórios de posseiros; 13% são territórios de sem-terras, entre outros. A “destruição de casa” aumentou 94%, “destruição de pertences” 104%, “expulsão” 153%, “grilagem” 113%, “pistolagem” 118% e “impedimento de acesso às áreas de uso coletivo” aumentou 1.057%. Todos esses dados, registrados entre janeiro e agosto deste ano, já ultrapassam os dados de todo o ano de 2020.

Senhoras e senhores, eleitos pelo povo brasileiro, não lhes faltam análises que explicam e alertam para os efeitos e impactos que advirão destas mudanças legislativas:  PL do VenenoPL do LicenciamentoPL da GrilagemPL 191/2020. Da mesma forma, não lhes faltam  manifestaçõescartas, abaixo assinados vindos de diferentes setores da sociedade  que se posicionam em defesa da vida e apelam  aos Senhores e Senhoras para que tais Projetos não sejam aprovados. Por isso, devem levar em consideração as reivindicações do povo brasileiro, já que muitos alertas foram feitos para evidenciar os efeitos e impactos destas mudanças.

O que lhes falta? A única resposta vinda dos vossos mandatos e dos presidentes das duas Casas, Rodrigo Pacheco (Senado) e Arthur Lira (Câmara), tem sido a ausência de contra-argumentos técnicos para embasar suas votações e posições políticas, além da farta negociação de bastidores para colocá-los em votação e aprovar as matérias.

Então, perguntamos aos 350 parlamentares que aprovaram o Pacote do Veneno, junto com os  296 parlamentares que aprovaram o PL da Grilagem na Câmara, e aos senadores que decidirão na Comissão de Meio Ambiente e Agricultura sobre a votação dos PLs do Licenciamento e da Grilagem:

  1. De onde vem a coragem política para nos impor tamanha violência e destruição?
  2. Em nome do quê e de quem se utilizam de seus mandatos para tentar aprovar esses Projetos de Lei?

Lembrem-se que a vida de milhões de brasileiros está em perigo e os senhores e senhoras podem ser responsabilizados pelo sofrimento do povo brasileiro.

Assinam:

Movimento Nacional Contra Corrupção e pela Democracia- MNCCD; Rede de Agroecologia do Maranhão-RAMA; Fórum popular da natureza (FPN); Conselho Pastoral dos Pescadores- CPP; Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC; Cese; Movimento de Mulheres; Brigada de Mulheres Xerente; Associação Cultural José Martí/RS; Diversitas; Kayros; Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA/UFMA); Movimento de Mulheres Camponesas; G P Formação de Professores Mercosul; Marcha Mundial por Justiça Climática / Marcha Mundial do Clima; UERJ; Conselho Indigenista Missionário- regional Sul; Andes UFRGS; Sônia Beatriz Montezano Vasques; Associação Abix; Associação Multiétnica Wyka Kwara; Crea RJ; AGENDHA; Assessoria Deputado Hilton Coelho/ APS; Fórum Político Interreligioso de BH; Setorial Ecossocialista da APS; Escola Popular da Natureza; Coletivo Indígena Mura de Porto Velho; Universidade Federal do Rio grande do Sul e seção sindical Andes-SN na UFRGS; Missionario Comboniano; Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Amazon Rebellion / Reino Unido; Instituto Madeira Vivo – IMV; Conselho Indígena de Roraima (CIR); Dharma; Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

Fonte: Agro é Fogo

Temas: Agrotóxicos

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