Floresta Amazônica perdeu quase 100 hectares por hora, em 2020

Idioma Portugués
País Brasil

Em 2020, 68,9% do desmatamento total ocorrido no Brasil ocorreram nos estados do Pará, Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso, aponta relatório do MapBiomas divulgado o 11/06.

Área desmatada na APA Triunfo do Xingu, na cidade de São Félix do Xingu, no Pará, a primeira das UC´s no ranking do desmatamento (Foto Christian Braga | Greenpeace | 2020)

Publicado por Amazônia Real

A cada hora, a Amazônia brasileira perdeu 96 hectares de sua cobertura florestal no ano de 2020. Ao fim de um dia, foram desmatados 2.309 hectares. Nesse ritmo, ao terminar de ler esta reportagem, o equivalente a 32 campos de futebol da floresta amazônica terão sido devastados.

Em 2020, um ano marcado pelos efeitos da pandemia da covid-19, o desmatamento da maior floresta tropical do mundo cresceu 9% em relação a 2019. De cada dez hectares desmatados no Brasil, seis deles ocorreram na Amazônia. O resultado disso é que, no ano passado, a devastação chegou a 842.983 hectares.

O “passar a boiada” defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por crime ambiental e enriquecimento ilícito, foi levado a sério pelo governo Bolsonaro. O segundo  Relatório Anual do Desmatamento 2020, elaborado pelo MapBiomas, mostra que de janeiro a dezembro o Brasil emitiu 74.218 alertas de desmatamento para uma área superior a 1,3 milhão de hectares. É como se uma área duas vezes maior que o município de Macapá tivesse sido derrubada. Na comparação com 2019, o aumento foi de 14%.

Iniciativa que reúne diferentes entidades da sociedade civil dedicadas a estudos e ações de proteção ambiental, o MapBiomas constatou que 99% de todo o desmatamento do país ocorreu de forma ilegal, ou seja, sem a devida autorização dos órgãos ambientais. No rastro da devastação, nem mesmo áreas protegidas como unidades de conservação e as terras indígenas escaparam da ação dos desmatadores.

“O que a gente quer garantir é que todo alerta que foi validado, que você sabe quem é o proprietário, tenha um tipo de ação. Quer seja uma notificação, um embargo da área, depois pode seguir uma multa. Mas a gente frisa que isso acaba com a sensação de impunidade. A gente tem a informação, está aí”, diz o pesquisador Marcos Reis Rosa, um dos autores do relatório MapBiomas, em entrevista à Amazônia Real.

Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Rosa afirma que em todo e qualquer desmatamento ocorrido no Brasil é possível identificar o autor diante das informações disponíveis em bancos de dados como o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Dos mais de 5,5 milhões de imóveis rurais cadastrados no Brasil, afirma o pesquisador, houve registro de desmate em apenas 0,99%.

“Só um por cento teve desmatamento, o que bastou para fazer este estrago não só ao meio ambiente mas também à nossa imagem lá fora. Mas é este 1% que faz barulho, que tem representantes no Congresso, que está lá para fazer lei para ampliar o desmatamento, lei para anistiar ocupação ilegal”, completa o pesquisador.

"O crime não para"

Líder de Conversão Zero do WWF-Brasil – um dos parceiros institucionais do MapBiomas, Frederico Machado avalia que a fragilidade dos trabalhos de fiscalização em campo por conta da pandemia foi apenas mais uma oportunidade encontrada pelos desmatadores.

Desmatamento próximo a TI Munduruku Taquara (Foto Marizilda Cruppe | Amazônia Real | Amazon Watch | 17/09/2020)

“O crime não para. É até incentivado pela redução da fiscalização. Por falas de nossas autoridades, propondo legislação no sentido oposto ao controle da destruição ambiental. Há o desmantelamento de nossas agências ambientais. Isso tudo é muito grave, e a pandemia foi mais um momento de oportunidade”, diz Machado.

Entre os cinco biomas brasileiros, a Amazônia concentrou 60,9% da área desmatada no Brasil em 2020. Logo depois está o Cerrado (31%), a Caatinga (4,4%), Pantanal e Mata Atlântica ambos com 1,7% e o Pampa (0,1%). Entre 2019 e 2020 o desmatamento na Amazônia aumentou 9%, saindo de 770.452 hectares para 842.983 hectares.

De acordo com o estudo, 30 de julho foi o dia de 2020 com o pico de devastação na Amazônia. Naquela data, o bioma perdeu 3.784 hectares de mata. O fim de julho e o começo de agosto se caracterizam como o auge do “verão amazônico”, que são os dias mais quentes e sem chuvas da região. É nesta época que o desmatamento e as queimadas ocorrem de forma descontrolada na região.

A maior área desmatada no Brasil detectada pelos sistemas de monitoramento avaliados pelo MapBiomas se deu em um município da Amazônia: Altamira, no sudoeste do Pará. Ao todo, foram 6.469 hectares de floresta devastada. Entre os 27 estados da federação, os que compõem a Amazônia Legal também lideram o ranking do desmatamento. Sozinho, o Pará respondeu por 26,4% do desmate detectado em todo o país.

Em seguida vêm Mato Grosso (12,9%), Maranhão (12,1%), Amazonas (9,2%) e Rondônia (8,3%). Vale destacar que tanto Mato Grosso quanto Maranhão são formados por outros biomas. No caso do estado do Centro Oeste ainda há a presença do Cerrado e do Pantanal.

O papel dos governadores

De acordo com o relatório do MapBiomas, cinco estados na Amazônia Legal foram responsáveis por 68,9% do desmatamento total ocorrido no Brasil. São eles: Pará, Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso. Dos 10 estados que registraram uma média de 100 hectares de área desmatada por dia ao longo de 2020, sete estão na Amazônia Legal, o que mostra o nível de pressão sobre o mais importante bioma brasileiro, motivo de preocupação da comunidade internacional.

Entre as sete unidades da federação que tiveram queda no desmatamento no comparativo com 2019, apenas dois estão no Norte: Roraima (-9%) e Rondônia (-4%). Apesar de ter reduzido em 2% a área de floresta desmatada, o Acre ficou classificado como estável. Na lista dos 50 municípios com a maior quantidade de desmatamento, nove estão na Amazônia: Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA), Porto Velho (RO), Lábrea (AM), Novo Progresso (PA), Itaituba (PA), Apuí (AM), Pacajá (PA) e Portel (PA).

Gráfico Mapbiomas

Para o técnico do WWF-Brasil, Frederico Machado, a responsabilidade de proteger a Amazônia não é apenas do governo federal, mas também dos governos locais. Para ele, é preciso mais empenho dos governadores em adotar políticas de proteção à floresta dentro de seus respectivos territórios.

“Toda a parte de implementação do Código Florestal é competência dos estados. E a gente vê muito pouco acontecendo nesta agenda. A parte também do monitoramento do desmatamento, da autorização para desmate e também a penalização são função dos estados”, destaca Machado.

Áreas protegidas ameaçadas

O relatório aponta que nem as áreas protegidas passaram incólumes pela ação dos desmatadores. Segundo o MapBiomas, foram registrados 171.185 hectares desmatados dentro de unidades de conservação. Quando se excluem as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), categoria que permite atividades de produção agrícola, este impacto é menor: 89.724 hectares. As UCs na Amazônia Legal, outra vez, são as mais afetadas.

Entre as dez áreas protegidas com maior desmatamento, sete estão na Amazônia; a APA Triunfo do Xingu mais uma vez lidera o ranking: 29.141 hectares perdidos de cobertura florestal. Em segundo lugar está a Floresta Extrativista Rio Preto-Jacundá, em Rondônia: 29.940. Ainda dentro de Rondônia, a Reserva Extrativista (Resex) Jacy-Paraná registrou 8.023 hectares de mata derrubada. Recentemente, a UC estadual teve desafetada mais de 100 mil hectares de sua área original após aprovação de projeto pela Assembleia Legislativa.

Também alvo de projeto de lei (PL 6.024/19) de desafetação na Câmara dos Deputados, a Resex Chico Mendes, no Acre, foi a oitava UC mais devastada no país em 2020: 6.448 hectares.

Discurso anti-indígena

O relatório do MapBiomas aponta outro dado preocupante: em metade (51,8%) das 573 terras indígenas (TIs) do Brasil em seus diferentes processos de reconhecimento, houve, pelo menos, “um evento de desmatamento em 2020”. O avanço da devastação em territórios indígenas pode ser atribuído ao discurso anti-índigena do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Defensor da mineração dentro das TIs, Bolsonaro também afirma que não homologará nenhuma nova terra indígena no país.

O estudo aponta que, de 2019 para 2020, a quantidade de TIs com registro de desmatamento aumentou 31%. Mesmo assim, os territórios tradicionais das populações indígenas responderam pelo menor percentual de desmatamento ao longo do ano passado: 2,5%. Por concentrar a maior parte das TIs, a Amazônia foi a região com mais territórios devastados.

As TIs que mais perderam áreas de floresta foram a Apyterewa, Ituna/Itatá, Trincheira/Bacajá, Cachoeira Seca do iriri, Kayapó e Munduruku, todas elas localizadas no Pará. Alvo constante da invasão de garimpeiros, a Terra Indígena Yanomami foi a sétima mais desmatada do Brasil, perdendo 797,4 hectares de mata.

Conhecida por ter uma das maiores concentrações de povos indígenas isolados do mundo, a Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, teve suprimidos 293,4 hectares de sua área total. Também no Amazonas, a TI Alto Rio Negro chama a atenção pela alta quantidade de floresta devastada no período: 423 hectares.

“Aí é muito claro que o discurso federal coloca as vidas indígenas em perigo, declarações sobre a liberação da mineração, que os índios não podem ficar confinados em seu ‘cercadinho’. Tudo isso tem ameaçado muito a integridade dos territórios indígenas e incentivado os garimpos ilegais dentro de terras indígenas”, ressalta Marcos Reis Rosa. Isso também se reflete na segurança das comunidades quilombolas, extrativistas e ribeirinhas.

Se os números de 2020 são preocupantes, a situação se repete e se agrava agora em 2021. Dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, apontam que nos cinco primeiros meses do ano já foram emitidos alertas de devastação para uma área de 2.330 quilômetros quadrados. Maio foi o mês mais crítico na emissão de alertas pelo Deter/Inpe.

 Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

Temas: Extractivismo, Tierra, territorio y bienes comunes

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