Títulos e empréstimos do HSBC ameaçam quebradeiras de coco babaçu no Matopiba

Idioma Portugués
País Brasil
Arquivo MIQCB

Relatório da organização ActionAid denuncia injeção de recursos do banco à Cargill, maior exportadora de soja do bioma; financiamentos ignoram emergência climática pondo babaçuais em risco.

“Da palmeira, fazemos o aproveitamento integral. Desde a infância, usamos o babaçu para cobrir a casa, fazer esteiras, janelas e portas, aproveitamos o estrume das palmeiras que apodrecem no chão para adubo, fazemos leite de coco”, conta Maria Alaídes Alves de Sousa, 69, quebradeira de coco desde os oito anos de idade. “Apelidamos essa árvore de ‘mãe palmeira’, pois criou a nós, nossos filhos, e agora está criando nossos netos”.

O babaçu está na mata, e é preciso sair para coletar seu coco, que vai se transformar em leite e óleo vegetal, sabão, sabonete, e vários outros produtos cosméticos, gerando renda para mulheres e suas famílias na comunidade de Maria Alaídes em Lago do Junco, no Maranhão, e em dezenas de outras na região do Matopiba — acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Ano a ano, a liderança feminina que em 1991 ajudou a fundar o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) testemunha a derrubada de vistosas palmeiras, substituídas por rasteiros plantios de soja.

O grão é plantado para abastecer empresas de fora, como a norte-americana Cargill, com financiamentos de empresas de longe, como os do maior banco europeu, o HSBC. O fio global que liga as quebradeiras de coco no Matopiba aos cofres europeus foi denunciado pela ActionAid, organização que trabalha por justiça social, equidade de gênero e étnico-racial e pelo fim da pobreza.

Segundo a organização, que acompanha o MIQCB há duas décadas, ao menos R$ 201,8 milhões foram emprestados do banco para a empresa entre 2016 e junho de 2024 só para operações de soja no Brasil.

“Eu presencio a derrubada da floresta de palmeira”, relata Maria Alaídes. “Quem tem um pedacinho de terra, como seis hectares, aluga, faz uma concessão por dez anos e desmata tudo para fazer um único plantio, que a gente chama de monocultura”. Os aportes bilionários de bancos como o HSBC à empresas como a Cargill põem em xeque as metas dos acordos globais de enfrentamento à emergência climática. No Brasil, essas empresas estão ligadas principalmente às cadeias de suprimento de commodities, como soja, milho e carne, que estão entre os principais produtos da pauta de exportação do país e que pressionam as áreas de vegetação nativa.

No Maranhão, casos de grilagem e morosidade em assegurar o direito à terra às comunidades, assim como uma guerra química com o uso de agrotóxicos por pulverização aérea sobre os babaçuais, ameaçam os modos de vida tradicionais que protegem o Cerrado. 

HSBC assume risco de desmatamento no Matopiba

“Apoiar a transição para o carbono zero é a nossa prioridade chave.” Banco de origem asiática e raízes coloniais britânicas, o HSBC ainda mantém um horizonte distante para atingir o net zero que promete, tanto de emissões próprias quanto as de seus clientes: só em 2050. 

Seus investimentos ignoram o Acordo de Paris, assinado em 2015 numa Conferência do Clima, cujo balanço global prevê parar e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030. 

O relatório da ActionAid mostra que, para esta meta distante do banco, ainda dá tempo de lucrar com o desmatamento em regiões críticas climáticas, como as áreas de transição dos biomas Cerrado e Amazônia, imprescindíveis para o enfrentamento do aquecimento global. É o que o HSBC vem fazendo ao emprestar ou participar da captação de somas bilionárias para multinacionais danosas ao clima.

Segundo o documento, por meio de empréstimos diretos e subscrições — quando um banco assume o risco de emprestar dinheiro para uma empresa, ao mesmo tempo que repassa o contrato para outras instituições financeiras —, o HSBC concedeu, entre 2016 e junho de 2024, US$ 3,8 bilhões (R$ 20,6 bilhões, na cotação do dia 19 de agosto) a uma série de empresas cuja atividade é ligada ao risco de degradação de florestas. 

A análise foi feita considerando países onde estão concentradas as florestas tropicais do mundo. As empresas com “risco-floresta”, ou seja, aquelas que pressionam o avanço da produção agropecuária sobre áreas de vegetação nativa, estão ligadas ao cultivo ou exploração de carne, palma, soja, borracha, papel e celulose e madeira. 

O HSBC é um banco global, está presente em 57 países. Seus impactos ligados ao risco-floresta, porém, se concentram no país mais biodiverso do planeta.

Dos US$ 3,8 bilhões emprestados às empresas que ameaçam vegetações nativas com suas operações, o Brasil recebeu mais da metade desse valor, US$ 2 bilhões. Este montante inflou os fluxos de caixa de empresas baseadas no país e viabilizou a expansão de plantios de árvores de reflorestamento para produção de papel e celulose, de áreas de pasto para o gado e de lavouras de soja. 

Entre os maiores beneficiários dos empréstimos do HSBC no Brasil está a empresa de papel e celulose Suzano, com US$ 637 milhões.

Em seguida, vêm duas gigantes globais da carne que, mesmo aumentando significativamente o apetite pela emissão de títulos no mercado de capitais, continuam fazendo empréstimos de grandes bancos. Marfrig e Minerva Foods receberam, juntas, US$ 1,2 bilhão do HSBC no período.

Saindo do pódio para o top 10, a Cargill, empresa norte-americana com operações concentradas no Cerrado brasileiro que incluem grandes infraestruturas — de silos a milhares de produtores de soja como clientes —, além de um bem documentado histórico de violações socioambientais, recebeu boa parte dessa fatia: US$ 149 milhões. 

O banco teve o “cuidado” anticlimático e pró lucro de não incluir atividades agrícolas em seus relatórios de redução de emissões, como fez com atividades de petróleo e gás, por exemplo. 

Isso significa que pode continuar financiando as grandes tradings do agronegócio (empresas que compram grãos e revendem para o mercado global), mais conhecidas como ABCD — Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus —, mais a chinesa Cofco, que logo deve dobrar o C da sigla. As cinco multinacionais dos grãos respondem por 70% do comércio global de commodities. 

Coordenador de Políticas e Programas da ActionAid, Junior Aleixo afirma que gerir financiamentos sob condições climáticas para atividades que ameaçam florestas, como a expansão de lavouras de monoculturas, é tão vital quanto frear o fluxo de recursos financeiros para setores dos combustíveis fósseis. 

“Tem uma atenção que não é tão dada para a mudança do uso do solo, que para a gente, no Brasil, é indispensável. A gente tem uma complexidade que está para além dos combustíveis fósseis, já que no Brasil, o nosso principal vetor de emissão de gases de efeito estufa é o desmatamento”, pontua Aleixo, que também divide a autoria do relatório. 

160 anos, nenhuma maturidade climática

O HSBC foi fundado em 1865, em Hong Kong, na China. No que é hoje seu extremo político, os Estados Unidos, nascia, no mesmo ano, a atual maior empresa privada daquele país.

A Cargill não abriu o controle do seu capital nas bolsas de valores. Assim, pouca gente controla os US$ 160 bilhões de receita líquida que alcançou em 2024 e poucas informações financeiras aparecem em seus relatórios anuais, já que detalhá-los é uma obrigação de empresas de capital aberto.

Para expandir seus negócios no Brasil, entre eles as lavouras de seus fornecedores que ela mesma financia, a trading bateu à porta do HSBC, que não negou recursos, mesmo se afirmando um banco alinhado às metas climáticas. Entre 2016 e junho de 2024, a Cargill usufruiu de US$ 37 milhões em empréstimos e serviços de subscrição do banco só para suas operações de soja no país.

Outros US$ 100 mil foram concedidos em títulos de dívida emitidos ou distribuídos pelo banco em favor da empresa. Aqui, o HSBC entra como instituição financeira que capta dinheiro de investidores para emprestá-los à Cargill com maiores prazos de vencimento. 

Os recursos emprestados pelo HSBC à Cargill escoam pelo país, mas se concentram no Centro-Oeste e na região do Matopiba. O Cerrado é a área que abriga 62% da produção do grão da empresa. Em municípios desta área, incluindo Uruçuí-PI, Luis Eduardo Magalhães-BA e Balsas-MA, a Cargill é a trading que mais faturou com exportação de soja entre as empresas presentes na região. 

Em 2022, produtores vinculados à Cargill no Matopiba abasteceram os contêineres graneleiros que seguiram por via marítima para vários países na Europa e Ásia. O maior recebedor foi o berço da primeira agência do HSBC, a China, que importou 60% da soja da empresa naquele ano, um montante de 730 mil toneladas, segundo levantamento da plataforma Trase, que rastreia fluxos de commodities globais.

Ao contrário de detalhes financeiros, a Cargill publica relatórios de sustentabilidade voluntariamente e com regularidade, onde afirma rastrear a cadeia de suprimentos, ou seja, a origem da soja que compra de produtores. O relatório da ActionAid, no entanto, afirma que tal rastreabilidade não tem efetividade suficiente para evitar o desmatamento no Cerrado.

“Tais sistemas autorregulados podem falhar em prevenir irregularidades ao permitirem a lavagem de commodities, em que a soja é obtida de intermediários ou propriedades que ocultam responsabilidades ambientais”, diz o documento.

Em resposta à investigação da ActionAid, a Cargill informou que é “comprometida em respeitar os recursos da terra e proteger os direitos humanos dos trabalhadores, povos indígenas e comunidades locais nas cadeias de abastecimento” e que só adquire grãos de produtores que cumprem todas as leis dos países onde atua. O HSBC não respondeu aos pedidos de informação da organização.

Fonte: O Joio e O Trigo

Temas: Agronegocio

Comentarios