Brasil: Justiça admite que Monsanto receba indenização pelo uso de transgênico

Idioma Portugués
País Brasil

Empresa consegue driblar lei de soja modificada geneticamente, em vigor desde janeiro

A primeira disputa judicial depois da legalização dos transgênicos no Brasil foi vencida na semana passada pela Monsanto, empresa que detém mundialmente a patente das sementes de soja geneticamente modificadas. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) derrubou uma liminar que isentava os produtores de soja da Cooperativa Tritícola Mista Campo Novo de pagar licença para a Monsanto no uso da semente transgênica. Esta licença vem sendo paga desde o ano passado e sai para os produtores a R$ 0,60 por saca.

A previsão de que o valor passasse para R$ 1,20 levou a cooperativa gaúcha a entrar na Justiça tentando usar o artigo 7º da Lei nº 11.092, de 12 de janeiro deste ano, que regula o plantio e comercialização de soja transgênica. Tal artigo diz que na cobrança da licença de exploração de referidas patentes, a empresa detentora do título deve apresentar comprovação da venda das sementes por meio de notas fiscais. Acontece que somente a partir deste ano é que a Monsanto poderá vender as sementes e, por isso, ela não tem notas fiscais de venda dos anos passados. A saída encontrada pela empresa foi cobrar uma indenização pelo suposto uso indevido de sua patente registrada também no Brasil.

O uso de sementes transgênicas é feito há anos pelos produtores gaúchos. As sementes vinham contrabandeadas da Argentina e mesmo sendo crime plantar, até a publicação da lei dos transgênicos, o governo brasileiro acabou permitindo que se comercializasse o produto. A primeira safra que teve essa permissão foi a de 2003/2004 e foi também quando a Monsanto resolveu cobrar o que chama de indenização por uso indevido de uma patente que lhe pertence.

O advogado da Monsanto, Luiz Henrique do Amaral, do escritório Danneman Siemens, conta que todos os produtores gaúchos estavam pagando a indenização porque ela é exigida pelos próprios distribuidores dos grãos. "Eles não querem enfrentar um processo da Monsanto", diz Amaral. "E mesmo que não tivéssemos a patente no Brasil seria impossível para estes produtores exportar a soja, já que ao chegar a outros países haveria violação da patente".

A certeza de que a semente modificada vinda da Argentina é da Monsanto, segundo o advogado, é porque a empresa é detentora exclusiva da patente no mundo. Mas a Cooperativa de Campo Novo - que reúne mais de oito mil agricultores de 12 municípios do Noroeste do Rio Grande do Sul - não tem tanta certeza e, por este motivo, resolveu contestar na Justiça. "Não somos contra a cobrança de licença pelas empresas detentoras da tecnologia, mas queremos que seja feito um exame científico que comprove que a semente que usamos seja realmente da Monsanto", diz o advogado da Cooperativa, Clarindo Favretto.

A dúvida de Favretto quanto a origem ocorre porque as sementes transgênicas chegam, há quinze anos, ao Brasil pela Argentina e desde então os produtores conseguem multiplicá-las. Ele diz que todos os produtores da região pagam os R$ 0,60 porque não têm opção, já que os compradores de soja descontam no próprio pagamento o que seria devido à Monsanto. "Então é pagar ou deixar de vender", diz Favretto.

Quando ficou acertado que o valor por saca seria de R$ 1,20 um alerta acendeu a luz vermelha da cooperativa, pois o preço da saca que era de R$ 50 caiu para R$ 30, o que prejudicaria os produtores. "A Monsanto não pode impor uma taxa como se fosse um imposto", diz Favretto. Na Justiça, eles conseguiram uma liminar para deixar de pagar a taxa de licença, o que Favretto diz ser royalties, e estavam depositando os valores em juízo. O caso chegou à 18ª Câmara Cível do TJRS, que negou provimento ao agravo de instrumento proposto pela cooperativa. Ela pedia a manutenção da liminar que suspendeu o pagamento, que já havia sido dada pelo juiz plantonista do TJ, em janeiro. O processo prosseguirá na Comarca de Campo Novo até a análise do mérito, segundo informações do tribunal.

O advogado da Monsanto explica que não se trata de royaltie porque a Justiça impediu a empresa de efetuar a cobrança até a entrada em vigor da nova lei. Além disso, os royalties serão cobrados apenas sobre as sementes e não sobre o valor da saca, que já traz o grão de soja como está sendo feito hoje. "É uma indenização pelo uso indevido da nossa patente", diz Amaral. "Os royalties serão cobrados somente a partir da safra 2005/2006".

A negociação de preços dos royalties com os produtores vai começar na segunda-feira e a Monsanto já tem uma proposta formada. O advogado Luiz Henrique Amaral garante que o valor de R$ 1,20 será revisto. Ele diz que mesmo na safra em andamento o valor continua sendo de R$ 0,60 porque quando foi estabelecida a nova alíquota ficou acertado também que no primeiro ano haveria um desconto de 50%. "O valor de R$ 1,20 foi acertado porque esperava-se que os preços da soja subissem e não caíssem como de fato aconteceu", diz Amaral.

A nova proposta da Monsanto já prevê a mudança para cobrança de royalties somente sobre a venda de sementes e Amaral diz que não haverá queda no faturamento da empresa. Isto significa que é bem provável que os valores sejam mantidos, apesar de só incidirem sobre as sementes. Além disso, a idéia é tornar este valor flexível, ou seja, ele passará a depender do preço da saca no mercado. "Se o produtor ganhar mais, paga mais, se ganhar menos, paga menos", diz Amaral.

A Cooperativa, entretanto, não vai desistir da ação. O advogado Clarindo Favretto diz que irá recorrer da decisão do TJRS. E é possível também que o processo principal vá para a Justiça Federal, pois o Juiz Luis Antonio Saud Teles, que atua no processo na Comarca de Campo Novo, determinou a intimação do Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade), que terá que dizer se tem interesse ou não no processo.

Valor Econômico, Brasil, 21-2-05

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