Brasil: mais um soco nos transgênicos

Idioma Portugués
País Brasil

A grita de ambientalistas e de boa parte da comunidade científica em relação aos alimentos geneticamente modificados encontra no governador do Paraná, Roberto Requião, um representante de peso

Sua luta contra o cultivo de transgênicos – em especial, soja – ganhou novo round no final do mês passado, com a inauguração da 1ª Escola Latino Americana de Agroecologia, no Assentamento Contestado, projeto de reforma agrária do MST no município da Lapa, a 69 quilômetros de Curitiba.

A escola vai formar, inicialmente, 100 Tecnólogos em Agroecologia. Eles passarão por um curso de três anos, ministrado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a partir de conteúdos formatados em intercâmbio com os Governos do Paraná e da Venezuela, do MST e da Via Campesina Internacional.

Essa parceria atesta que, no bojo da iniciativa paranaense, está mais um soco nos transgênicos desferido por Requião. A Via Campesina é apresentada em seu site como “um movimento internacional que coordena organizações campesinas de médios e pequenos agricultores, de trabalhadores agrícolas, mulheres e comunidades indígenas da Ásia, África, América e Europa.”

Mais significativo, contudo, é o teor de um manifesto divulgado pela entidade, no qual “esclarece frente aos olhos do mundo” que “as empresas multinacionais querem impor os cultivos transgênicos como uma alternativa válida de consumo, de economia, como um sinônimo de progresso, como parte deste processo globalizador imposto pelo modelo econômico de livre mercado.”

Defendendo que “suas vantagens só favorecem a um setor da população mundial, aos empresários que dirigem as empresas multinacionais”, a organização alerta que os transgênicos apresentam riscos à saúde de quem os consome; fomentam “uso e abuso de pesticidas” e a desigualdade no mundo campesino. Isso fora apresentarem “problemas graves como a destruição da biodiversidade”.

A 1ª Escola Latino Americana de Agroecologia constitui-se, portanto, numa nova estratégia adotada pelo Governo do Paraná, depois que o Supremo Tribunal Federal, em abril passado, declarou inconstitucional a lei estadual, aprovada em 2003 pela Assembléia Legislativa, proibindo o plantio, comercialização, industrialização e manipulação de produtos transgênicos no estado.

Presente à solenidade de inauguração da Escola, o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, reconheceu que iniciativa está num ringue em que, no outro canto, como principal oponente, figura a Monsanto, empresa norte-americana que detém, em esfera global, a patente das sementes de soja geneticamente modificadas. “O Paraná tem uma postura firme e corajosa por parte do governo para enfrentar os interesses das transnacionais que querem monopolizar a agricultura”, discursou.

O coordenador do MST no Paraná, Eduardo Baggio, destacou que os formandos vão “desenvolver a pequena produção de qualidade voltada à preservação ambiental”. E resumiu: “a proposta é criar bases para enfrentar os projetos das transnacionais que querem dominar a agricultura”. Mais claro, impossível.

O mesmo tom engajado permeou a fala da representante do governo venezuelano e professora da Universidade Central da Venezuela, Judith Valência. Segundo ela, os primeiros 20 venezuelanos a ocupar os bancos da Escola “estão vindo em busca do desenvolvimento de técnicas de produção de alimentos livres de venenos e dos interesses do mercado internacional”.

Essas declarações estão no site do Governo do Paraná, o que demonstra não estar envolto em nenhum mistério o principal objetivo da Escola de Agroecologia.

O duelo de Roberto Requião com os transgênicos em geral e, especificamente com a Monsanto, teve momentos antológicos. Em julho do ano passado, centenas de outdoors distribuídos pelo Paraná com assinatura do Governo informavam que a multinacional teria recebido US$ 60 milhões em royalties, caso o porto de Paranaguá tivesse aceitado embarcar produtos transgênicos – o que não fez, amparado pela lei estadual ainda vigente. Na peça publicitária, os zeros dos US$ 60 milhões, todos eles, eram grãos de soja.

À época, a diretoria de Comunicação da multinacional americana informou que desconhecia a base de cálculos usada, valor questionado também pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), que classificou-o como resultado de "uma conta maluca”.

Pouco antes, em março de 2004, Requião já havia carregado nas tintas. Em entrevista ao jornal argentino Clarin, classificou o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, como “representante das multinacionais”. Pior: acusou-o de ser “pago pela Monsanto”. O ministro reagiu solicitando à Advocacia-Geral da União que adotasse “providências cabíveis”, argüindo danos materiais e morais no pedido encaminhado ao ministro-chefe da AGU, Álvaro Augusto Ribeiro Costa.

À parte dos exageros, o governador do Paraná está personificando uma causa que ascende em número de adeptos. Seus alicerces erguem-se não apenas sobre a proteção ao meio ambiente e a uma cultura de consumo que retoma o respeito aos ritmos normais da natureza. Têm também, como lastro, fatores de ordem econômica. O Greenpeace, outro boxeador aguerrido contra os transgênicos, informa em seu site que “na América Latina, os pequenos agricultores são responsáveis pela produção de 50% das batatas, 60% do milho e 70% do feijão”. Expõe ainda que “a adoção de métodos de agricultura ecológica possibilita um aumento médio de 73% na produção de alimentos”.

O argumento é bom. É óbvio que o consumidor tende a simpatizar mais com as famílias de pequenos agricultores, relevando a segundo plano uma multinacional que faturou US$ 5,5 bilhões em 2004. O Brasil contribuiu com R$ 2,56 bilhões para os cofres da Monsanto no mesmo período.

Resguardada a aparentemente lícita convicção do governador do Paraná, a qualquer político convém remar a favor da correnteza. Uma pesquisa do ISER (Instituto de Estudos da Religião), divulgada em abril do ano passado, revelou que 70,6% da população sente-se pouco motivada a comprar um produto transgênico. O instituto entrevistou 2.364 pessoas em sete capitais. Mais de 80% dos entrevistados se declararam contra a liberação dos transgênicos e 74% acreditam que esses alimentos oferecem risco à saúde.

Ambiente Brasil, Internet, 26-9-05

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