Brasil: "o eucalipto é uma praga"

Idioma Portugués
País Brasil

Cientista do CPTEC/INPE e membro do IPCC, José Marengo afirmou em debate na Assembléia Legislativa que espécie empobrece o solo e afeta o microclima

Porto Alegre, RS – A governadora Yeda Crusius não compareceu à abertura do seminário “O Rio Grande do Sul no Contexto das Mudanças Climáticas”, ontem à noite, na Assembléia Legislativa, como estava previsto no programa distribuido pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema), a promotora do evento. Mas estavam presentes o secretário da pasta, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, com outras autoridades e parlamentares que puderam ouvir a opinião franca e clara do cientista José Antonio Marengo Orsini, pesquisador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de São Paulo.

Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ele foi o debatedor do tema do seminário com o glaciologista Jefferson Cardia Simões, do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Ufrgs, com a mediação do jornalista Juarez Tosi, coordenador do Núcleo de Ecojornalistas do RS (NEJRS). Provocados pela pergunta de uma bióloga, sobre possíveis impactos climáticos das florestas plantadas, Marengo foi direto: “Eucalipto, para mim, sinceramente, é uma praga”, afirmou, tendo como ouvinte privilegiada, na primeira fila da platéia, a ex-secretária estadual do Meio-Ambiente Vera Callegaro.

Ela foi derrubada há poucas semanas do cargo porque a governadora estaria descontente com a demora na liberação das licenças ambientais para os projetos das papeleiras no RS. Segundo Marengo, a Mata Atlântica que já foi quase toda derrubada no país não pode ser substituida por outra espécie qualquer, “o verde não se substitui com verde, simplesmente”. Além disso, destacou, o eucalipto empobrece o solo, pega fogo rapidamente e afeta o microclima. Mas vem sendo implantado, aqui e em outros estados, porque é barato e cresce mais rapidamente que outras árvores, observou. “No curto prazo, cria empregos, mas no longo prazo cria problemas ambientais”.

Para ele, o ideal seria o plantio de matas nativas, mas levam mais tempo para crescer e precisam de mais cuidados, o que não interessa às empresas. O cientista defendeu então o planejamento estratégico da agricultura para o desenvolvimento sustentável. Sem a mesma contundência, mas também reticente, Jefferson Simões lembrou que existe o estudo de zoneamento ambiental, preparado pelos técnicos da Fepam e que restringiu as áreas para plantio de eucaliptos, sob protestos das empresas. O zoneamento deve ser avaliado se foi bem feito e colocado à discussão pública, defendeu o glaciologista. Audiências com este objetivo já foram marcadas pela Fepam.

 

Impactos bastante graves

Sobre os impactos do aquecimento global, Marengo afirmou que as regiões Norte e Nordeste do país são as mais vulneráveis porque o povo é mais pobre e possuem menos infra-estrutura para enfrentar as mudanças climáticas que o Sul e Sudeste. Embora com mais capacidade de adaptação, o Sul sofrerá conseqüências importantes, que de certa forma já vêm sendo sentidos – por conta ou não do aquecimento global, não se tem certeza – como o aumento das chuvas nos últimos 40 a 60 anos.

Nos próximos anos e décadas, é de se esperar no Rio Grande do Sul e estados mais próximos aumentos de temperatura entre 2 e 3 graus, conforme o cenário de maior ou menor aquecimento do planeta. E ciclos hidrológicos mais acelerados, com mais chuvas no RS, Argentina e Uruguai em eventos extremos, ou seja, pancadas muito fortes de vários dias, entremeadas de veranicos e secas extensas. O litoral de Santa Catarina e seus arredores deverão ter a repetição de furacões como o Catarina, acrescentou Marengo.

“Os impactos maiores serão sobre os ecossistemas, a agricultura, as regiões costeiras (pelo aumento do nível do mar e ocorrência de ciclones) e a saúde, serão realmente impactos bastante graves”, alertou o cientista. A palavra do momento, enfatizou, deve ser “adaptação”, identificando-se os setores mais vulneráveis para a adoção de políticas de mitigação pelos governos. “Reciclar lixo é importante, mas não é suficiente, coisas como essa têm que ser trabalhadas nas cidades, nos estados no país, no mundo, ou dificilmente vamos conseguir enfrentar o problema”, afirmou.

Ética transgeracional

Depois de esclarecer que o efeito estufa sempre existiu e é benéfico ao planeta, por mantê-lo aquecido a temperaturas que permitem a existência de vida, Jefferson Simões mostrou em gráficos que, desde o início da revolução industrial, está acontecendo uma aceleração desse fenômeno pela emissão dos gases (carbônico e metano), o que acelera também as mudanças climáticas. Segundo Jefferson Simões, falta integração de toda a informação existente sobre o assunto clima-meteorologia no RS para se criar cenários e traçar estratégias. Muitos dados meteorológicos coletados desde o século XIX no Estado estão dispersos em arquivos perdidos, criticou.

A conseqüência disso é que eventos às vezes tidos como inéditos não são novidade, como a seca de 2005, que já tinha ocorrido quatro vezes no século XX e também no século XIX, durante a Revolução Farroupilha. O cientista gaúcho comentou que, pela primeira vez na história, está em discussão uma ética transgeracional, onde a humanidade é obrigada a discutir o mundo que vai deixar - ou não - para as próximas gerações. A sociedade precisa decidir se quer continuar aumentando seus níveis de consumo ou se preocupa com a sobrevivência do planeta e muda seus conceitos, seus valores, finalizou.

 

EcoAagência, Brasil, 5-06-07

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