Um veto aos mutantes

A Justiça proíbe empresas de vender insumos transgênicos no país e exige ação rápida dos órgãos governamentais, que não se entendem

O Brasil é a nova frente na batalha de organizações não-governamentais ambientalistas e de defesa do consumidor contra grupos químico-farmacêuticos. Na trincheira das empresas alinham-se Monsanto, Novartis, DuPont, AstraZeneca e Aventis, cujo poder de influência é decisivo na formação de preços de 2 em cada 3 quilos de mercadorias agrícolas comercializadas no planeta. Produzem sementes e defensivos usados no plantio de alimentos geneticamente modificados, ou seja, manipulados em laboratório para possibilitar cultivos mais rápidos e resistentes a pragas.

Essas fornecedoras de insumos para a lavoura de transgênicos estão em ofensiva para conquistar o mercado agrícola brasileiro. Já tiveram êxito em quatro dos maiores centros mundiais de produção: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina, onde a soma das áreas plantadas com sementes geneticamente modificadas cresceu de 3 para 30 milhões de hectares nos últimos três anos.

Na segunda-feira 26, contudo, saíram derrotadas de um embate judicial, em Brasília, com as organizações não-governamentais contrárias à disseminação de alimentos transgênicos. A Justiça decretou a proibição do plantio, a importação e a comercialização interna de qualquer produto agrícola cujos genes tenham sido modificados em laboratório. Por uma sentença do juiz Antônio Prudente, da 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, os transgênicos foram temporariamente banidos do país.

O juiz Prudente estabeleceu o prazo de 90 dias, até setembro, para o governo apresentar estudos sobre os efeitos dos transgênicos na saúde humana e no meio ambiente. Será um problema, porque os órgãos governamentais responsáveis mantêm posições contraditórias.

O Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, começou a semana associado ao grupo de entidades que processavam o governo federal pela circulação de insumos e produtos transgênicos no mercado nacional. Momentos antes da sentença, retirou-se da ação. O ministro José Sarney Filho foi alertado pelo Palácio do Planalto sobre o fato de estar processando o governo do qual faz parte.

O Meio Ambiente é contra a liberação, como demonstrou no tribunal. A Agricultura também. O Ministério da Ciência e Tecnologia, ao contrário, é a favor. Um de seus órgãos, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), tem estimulado e autorizado a difusão dos transgênicos no país.
No governo, a comissão é responsável pela regulamentação e fiscalização de plantio e experiências com produtos geneticamente modificados. O Ministério da Justiça optou pela omissão.

Organizações como o Greenpeace e o Instituto de Defesa do Consumidor patrocinaram análises de alguns alimentos industrializados e descobriram indícios de uso de insumos agrícolas transgênicos na composição de 11 produtos vendidos no Brasil: salgadinhos BacOs, Cereal Shake Diet, Cup Noodles, creme de milho verde Knorr, salsichas Swift tipo viena, Supra Soy integral, Nestogeno com soja, Soy Milke, batata frita Pringles Original e McCormick/Bac'On Pieces. Na sexta-feira 30, a rede Carrefour anunciou a suspensão das vendas de alimentos com matérias-primas modificadas, a primeira ação do tipo no comércio.

No final da semana passada, representantes de duas dezenas de associações de consumidores apelaram ao Ministério da Saúde para interditar a comercialização de alimentos industrializados à base de soja e de milho manipulados em laboratório. Ficaram perplexos. Afável, o ministro da Saúde, José Serra, apoiou a idéia de rotular tais alimentos. Em seguida, a Agência de Vigilância Sanitária informou não poder fazer nada enquanto não se comprove que os transgênicos fazem mal à saúde. A agência tem autonomia, lembrou Serra.

A sentença do juiz Prudente representou um golpe nos planos da Monsanto do Brasil, subsidiária do grupo americano, líder nas pressões pela liberação do plantio de grãos modificados. A empresa constrói uma fábrica de glifosato em Camaçari, na Bahia. Trata-se da matéria-prima do herbicida Roundup, vital para o plantio de soja transgênica. De acordo com Belmiro Ribeiro, diretor da Monsanto, o grupo decidiu construir a unidade porque aposta na liberação do plantio de transgênicos.

O projeto é uma evidência da pressa da Monsanto e da falta de consenso no governo sobre o problema. O canteiro de obras da fábrica trabalha em ritmo febril, financiado por incentivos fiscais. Ou seja, dinheiro do Tesouro Nacional. São R$ 285 milhões do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor), ou 40% do custo do projeto, de R$ 715 milhões. A ajuda representa 61% do orçamento do Finor para este ano.

Fábrica de lucros

Uma liderança construída a partir dos microscópios

- Apoiada em uma semente de soja, a Roundup Ready, o grupo Monsanto
responde por 40% de toda a soja colhida nos EUA e por 55% da produção argentina
- Para US$ 4 que fatura investe US$ 1,30 em pesquisa e desenvolvimento
tecnológico
- Em 1999, lucrou US$ 1,2 bilhão apenas com insumos agrícolas

Aguinaldo Nogueira, de Brasília, e Eliziário Goulart Rocha
Revista "Época", Brasil, Edição 111 (03/07/2000)

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