Agricultura camponesa e cooperativismo como protagonistas da defesa do meio ambiente

Idioma Portugués
País Brasil

Enquanto autoridades discutem metas climáticas, a vida nos lembra não haver transição ecológica sem justiça social.

A realização da COP30 no Brasil, em pleno coração da Amazônia, nos coloca diante de um espelho incômodo: somos o país da maior biodiversidade do planeta, mas também o palco de desigualdades históricas, insegurança alimentar e pressões ambientais cada vez mais severas. Não dá mais para falar em futuro sem discutir como produzimos alimentos, como tratamos nossas comunidades rurais e que prioridades guiamos nas políticas públicas. E, nesse debate, a agricultura familiar e o cooperativismo são protagonistas incontornáveis.

Esse incômodo ganhou ainda mais força porque, enquanto chefes de Estado e gigantes corporativos desfilavam compromissos ambientais, a sociedade civil ocupava ruas e auditórios na Cúpula dos Povos, lembrando ao mundo que, muitas vezes, as mesmas empresas que discursam pela preservação são as que lideram o desmatamento, pressionam territórios tradicionais e expandem fronteiras agrícolas sobre áreas sensíveis. Essa contradição histórica expõe como o debate ambiental não é neutro: é disputa de projeto de país. Nesse cenário, discutir agricultura familiar e cooperativismo deixa de ser uma pauta setorial para se tornar um retrato da nossa capacidade de responder aos desafios do século XXI.

Desde o famoso Relatório Brundtland (1987), desenvolvimento sustentável virou um grande guarda-chuva conceitual. Mas, na prática, ele só ganha sentido quando aterrissa na realidade de quem planta, colhe e alimenta o país, quando atravessa o chão da roça e chega às comunidades que historicamente sustentam o país. É aí que entram as cooperativas da agricultura familiar, que traduzem no cotidiano aquilo que os grandes acordos internacionais tentam sintetizar em parágrafos diplomáticos: solidariedade, justiça econômica e uso racional dos recursos naturais.

As cooperativas não são apenas estruturas jurídicas, são estratégias de sobrevivência e de resistência em regiões historicamente negligenciadas. Elas unem agricultores que, isoladamente, teriam pouca chance de acessar mercados, disputar preços ou lidar com a selva tributária brasileira. E fazem isso com uma lógica de gestão democrática que dialoga profundamente com o espírito da Agenda 2030 e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

No Brasil, sua Constituição assegura não incidência tributária sobre atos cooperativos, e políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e especificamente no estado do Ceará o Programa Ceará Sem Fome, formam um tripé que fortalece tanto a renda do produtor rural quanto o combate à insegurança alimentar. No Ceará, o Decreto Nº 35.724 de 26/10/2023 garante isenção de ICMS para operações realizadas por cooperativas da agricultura familiar destinadas a esse programa social, uma medida que reduz custos e amplia a competitividade dos produtos locais.

Mas nada disso acontece automaticamente. Entre a letra da lei e o alimento chegando na mesa das famílias atendidas por programas sociais, existe um elemento decisivo: planejamento tributário. Longe de ser um palavrão técnico, ele funciona como um mapa estratégico para quem precisa navegar um sistema complexo e altamente burocrático. Trata de usar os instrumentos legais disponíveis para garantir a viabilidade econômica da produção. Como lembram autores clássicos do tema, o planejamento precisa anteceder o fato gerador, em bom português: ou você organiza a casa antes, ou paga a conta depois.

Quando bem feito, o planejamento tributário não é apenas uma rotina administrativa, ele transforma a cooperativa em um projeto sustentável de território, não apenas de negócios. É o que permite investir em beneficiamento, armazenagem, padronização, educação cooperativista e até em cultura local, funções muitas vezes invisíveis para quem só vê o produto final na prateleira ou no prato.

E é exatamente esse tipo de experiência que deveria ganhar destaque no momento em que o Brasil recepciona a COP30. Afinal, enquanto autoridades globais discutem metas climáticas e neutralidade de carbono, a vida real nos lembra não haver transição ecológica possível sem justiça social, sem fortalecimento de agricultores familiares e sem redes de cooperação que mantêm vivas as economias locais. E a Cúpula dos Povos, paralelamente, mostrou que qualquer futuro possível precisa incluir quem vive no território, quem defende a floresta e quem produz alimento sem destruir ecossistemas.

Se queremos um país que fale de sustentabilidade com legitimidade, precisamos olhar para quem já faz, e faz bem, esse trabalho na ponta. Cooperativas da agricultura familiar não são rodapés das políticas públicas, são sua espinha dorsal. E, num cenário em que fome, clima e desigualdade compõem a tríade dos nossos maiores desafios, ignorar isso seria um erro estratégico.

Agora, cabe a nós decidirmos se vamos apenas posar para a foto ou aproveitar o momento para fortalecer modelos que unem produção, dignidade e futuro comum. A resposta, como quase tudo no campo, não cai do céu: é plantada, cuidada e colhida coletivamente.

- Editado por Lívio Pereira.

Fonte: Brasil de Fato

Temas: Agricultura campesina y prácticas tradicionales, Crisis capitalista / Alternativas de los pueblos

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