Caixa, BNDES e Banco CNH financiam empresa em terra indígena dos Guajajara no MA

Idioma Portugués
País Brasil

Regras do Banco Central vedam empréstimos para fazendas sobrepostas a terras indígenas homologadas, mas normas protetivas do banco não incluem áreas já declaradas - como a Terra Indígena Bacurizinho, no Maranhão - ainda em fase final de regularização fundiária.

Uma empresa agrícola obteve financiamentos milionários da Caixa Econômica Federal, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Banco CNH para expandir suas atividades em propriedades sobrepostas à TI (terra indígena) Bacurizinho, no Maranhão. A GenesisAgro S/A, voltada à produção de commodities como soja e milho e à bovinocultura, vinculou três empréstimos obtidos entre 2021 e 2022 a fazendas registradas  dentro do perímetro declarado pelo Ministério da Justiça como de ocupação tradicional do povo Tenetehara-Guajajara. Além disso, em 2023, a GenesisAgro também ofertou títulos de renda fixa na bolsa de valores com o apoio do Itaú.

Os indígenas denunciam grilagem de terras, aumento da violência e se dizem encurralados. “Tem invasão, os fazendeiros estão loteando tudo. Estão entrando na nossa área, que está demarcada”, preocupa-se a cacica Lucilene Lopes Guajajara, liderança da aldeia Arymy. “Não está fácil para a gente aqui, é um perigo”, completa.

As instituições financeiras possuem políticas de respeito a direitos e garantias fundamentais e disseram, em resposta à reportagem, que não financiam negócios em terras indígenas (leia mais abaixo). 

O Banco Central veda a concessão de empréstimos a empreendimentos inseridos em terras indígenas homologadas ou regularizadas — as duas últimas etapas do reconhecimento formal de uma TI. Mas  exclui proteção a áreas declaradas, caso da parcela da TI Bacurizinho onde estão os imóveis rurais que a GenesisAgro apresentou aos bancos na hora de pedir os empréstimos.

“Saber se a área é declarada ou delimitada não é o mais importante. Mas sim que historicamente tem um uso essencial para a subsistência e o desenvolvimento de uma comunidade indígena”, critica o procurador da República Hilton Araújo de Melo, do Ministério Público Federal do Maranhão. Sem analisar o caso específico da GenesisAgro, ele observa que quando uma determinada atividade econômica perturba o modo de viver de uma comunidade indígena, ela “precisa sofrer um freio”. 

A demarcação da terra indígena Bacurizinho foi concluída originalmente em 1979, quando foram reservados 82 mil hectares para uso exclusivo dos Tenetehara-Guajajara. Mas o ato deixou de fora grande parte do território reivindicado pelo povo, incluindo cursos d’água considerados importantes para a sua sobrevivência. Por isso, em 2007, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) estabeleceu novos limites para a área, ampliando-a para 134 mil hectares. 

- Placa da GenesisAgro em local sobreposto à TI Porquinhos, declarada pelo Ministério da Justiça como de ocupação tradicional indígena. Portaria foi anulada pelo STF e comunidade recorreu (Foto: Tiago Miotto/Repórter Brasil)

Um ano depois, em 2008, a revisão de limites foi reconhecida pelo Ministério da Justiça — isso quer dizer que  já há autorização do governo federal para a demarcação com marcos físicos e de georreferenciamento. Em março de 2025, o Tribunal Regional da 1ª Região confirmou a validade da nova delimitação e determinou a regularização da terra. A decisão determina que a União e a Funai apresentem um plano detalhado de conclusão do procedimento demarcatório. 

“Trata-se de uma área declarada, e especialmente, declarada há muito tempo. Ninguém pode indicar que há surpresa a respeito do grau de discussão e da insegurança jurídica de se adquirir um pedaço de terra dentro desses territórios. Isso para nós é inconcebível”, completa o procurador Melo.

Além disso, a TI Bacurizinho é parte de um mosaico de terras indígenas que engloba também a TI Porquinhos, dos Canela-Apãnjekra. A GenesisAgro também ocupa áreas nesse território, que também passa por revisão de limites. A empresa foi contatada pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos. O espaço permanece aberto.

Caixa garantiu R$ 18 milhões em crédito

Entre agosto de 2021 e abril de 2022, a GenesisAgro assinou ao menos sete contratos de financiamento com a Caixa Econômica Federal, num total de R$ 17,88 milhões. No maior destes contratos, com valor de R$ 5 milhões, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) do imóvel que recebeu financiamento estava parcialmente sobreposto à área declarada da TI Bacurizinho. Naquele momento, a revisão dos limites da TI já estava reconhecida pelo Ministério da Justiça há mais de uma década.

O contrato com a Caixa foi celebrado em abril de 2022, com prazo de nove anos para quitação. Em agosto de 2022, a Justiça Federal do Maranhão determinou a suspensão dos cadastros ambientais rurais sobrepostos à TI Bacurizinho, incluindo o CAR vinculado ao financiamento.

Em dezembro de 2021, a Caixa já havia fornecido R$ 595 mil para uma segunda propriedade da empresa inserida na área de ampliação da TI, um conjunto chamado Fazendas Pontal e Boa Sorte. O crédito é oriundo do programa Moderfrota, voltado à modernização da frota agrícola.

Questionada, a Caixa informou por meio de sua assessoria que “não comenta nem fornece dados de contratos, em obediência ao sigilo bancário”, mas disse que verifica as sobreposições de CAR (Cadastro Ambiental Rural) com terras indígenas, incluindo “aquelas Em Estudo, Delimitadas e Declaradas”.  Leia a resposta na íntegra.

- Fazenda de soja São João tem parte da área sobreposta à área declarada da TI Bacurizinho no Maranhão (Foto: Tiago Miotto/Repórter Brasil)

BNDES financiou compra de maquinário

Em agosto de 2022, o Banco CNH concedeu empréstimo de R$ 765 mil para o mesmo conjunto da GenesisAgro dentro da TI Bacurizinho que foi financiado pela Caixa para aquisição de maquinário — as Fazendas Pontal e Boa Sorte. O contrato também tinha o objetivo de modernizar a frota de tratores e outros implementos da propriedade.

Um outro contrato com o Banco CNH— R$ 1,8 milhão, novamente para aquisição de maquinário — foi destinado a uma terceira propriedade agrícola da GenesisAgro, a Fazenda Grajaú, situada fora da área indígena, às margens da BR-226. Deste lugar, basta uma hora pela rodovia para se chegar à área dos Guajajara.

Sediado na Holanda, o Banco CNH Industrial Capital descreve-se como “o braço financeiro da CNH e Iveco Group, duas das maiores empresas de bens de capital do mundo”. Ambas são originadas da fusão entre a holandesa CNH Global e o antigo grupo italiano Fiat e têm como  principal acionista o  grupo Exor. Em 2023, o grupo CNH Industrial teve lucro líquido de US$ 2,4 bilhões e receita de US$ 24,7 bilhões.

No caso de ambos contratos do Banco CNH com a GenesisAgro, os recursos são do BNDES. Como o banco não tem agências, atua em parceria com outras instituições financeiras em  operações chamadas de indiretas.

Questionado, o Banco CNH Industrial respondeu que a “análise ambiental prévia” do CAR das fazendas Pontal e Boa Sorte, sobreposto à TI Bacurizinho, constatou “que este estava ativo, sem pendências, irregularidades ou restrições que inviabilizassem a operação”. O banco garantiu que “está em constante aprimoramento de suas práticas e procedimentos para análise da regularidade socioambiental dos proponentes”.

O BNDES, por sua vez, disse não ter encontrado em seus sistemas o registro dessa operação financeira — e portanto, não a comentou diretamente. Mas afirmou à reportagem que “as questões ambiental e social são uma prioridade” e que “não admite quaisquer violações aos direitos dos povos e comunidades tradicionais”.  Confira aqui as respostas na íntegra.

Nenhum dos bancos informou como poderiam garantir que os maquinários financiados para a propriedade que está fora da terra indígena não seriam deslocados e utilizados nas propriedades da empresa sobrepostas ao território protegido.

Há máquinas agrícolas de marcas do grupo CNH em operação em outras propriedades da GenesisAgro dentro do território Guajajara. A equipe da Repórter Brasil registrou um trator New Holland na sede da fazenda Piranhas, registrada em nome da empresa. E o próprio Ibama apreendeu uma pá carregadeira da marca Case IH em outra fazenda do grupo na área protegida, onde uma microempresa produzia carvão em parceria com a GenesisAgro.

Itaú abre caminhos para investidor privado

Mais recentemente, em 2023, uma oferta pública de títulos de renda fixa lançou no mercado CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) lastreados em dívidas da GenesisAgro. A operação, no valor de R$ 50 milhões, foi coordenada pelo Itaú.

Os CRAs são instrumentos de financiamento privado do agronegócio,  cuja origem remonta a 2005. No princípio, o volume dessas operações era tímido, mas isso mudou e anos recentes registraram recorde de transações. Segundo uma reportagem de O Joio e O Trigo, em abril de 2023, o estoque de CRAs bateu R$ 103,6 bilhões,  mais que o dobro da marca obtida apenas dois anos antes e trinta vezes mais que o valor registrado em 2015.

Em nota, o banco garante que “não financia produção agrícola em terras indígenas” e que seus clientes “são submetidos a um rígido processo de avaliação socioambiental”.  Confira aqui a resposta completa.

 - Edição: Naira Hofmeister

Fonte: Reporter Brasil

Temas: Pueblos indígenas, Tierra, territorio y bienes comunes

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