Minar o solo: O crescente problema dos fertilizantes industriais

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"O aumento da utilização de fertilizantes sintéticos é acompanhado por uma perda de eficácia. Mas, como se estivéssemos perante uma dependência da droga, doses mais elevadas apenas agravarão os problemas. Um claro exemplo de uma agricultura que destrói a terra".

Quando falamos de extrativismo e de agricultura, a primeira ideia que vem à mente é a seguinte: os projetos de mineração implicam por si a destruição do território, a contaminação e a redução de água - três fatores que vão contra o desenvolvimento das práticas agrícolas. Mas será que pensamos a agricultura como atividade extractivista ou de mineração? Este tipo de agricultura também pratica a mineração: mina a fertilidade de terras agrícolas e fá-lo precisamente com base na aplicação de grandes quantidades de fertilizantes químicos que devem ser extraídos diretamente do solo. Ou seja, depende da extração de insumos não renováveis que, a médio prazo, se esgotarão.

O Mercado mundial de fertilizantes:

Desde a chamada revolução verde que o uso de fertilizantes sintéticos (principalmente uma combinação de NPK) se impõe na agricultura industrial e intensiva. Em 2012, de acordo com a Associação Internacional da Indústria dos Fertilizantes, o consumo mundial de fertilizantes registrou um recorde de 176,1 milhões de toneladas, o que representa um aumento de 2,2% em relação a 2011 (e umas cinco vezes mais, quando comparado com os dados dos anos sessenta).

Como o Grupo ETC explica: "as 10 dez maiores empresas de fertilizantes controlavam uma quota de mercado de 41% em 2011". Obter um panorama claro da indústria global de fertilizantes sintéticos é complicado, uma vez que todo o mundo está aí dentro, desde os gigantes da agroindústria, aos gigantes da energia e às empresas de mineração, em uma série contínua de compras e de absorções empresariais.

Dados sobre os fertilizantes:

- Das vendas totais de fertilizantes, aproximadamente 61% são fertilizantes de nitrogênio, 23% de fosfato e 16% de potássio.

- Trigo, arroz e milho consomem cerca de metade de todos os fertilizantes utilizados na agricultura. Os fertilizantes usados em cultivos e pastos que alimentam o gado consomem 80% de todo o nitrogênio e fósforo usados na agricultura.

- Em 1970, um saco de fertilizantes custava o mesmo do que um saco de grão. Em 2011, já custava 2,5 vezes mais.

Acabar con a fertilidad da terra e com a qualidade dos alimentos:

O aumento da utilização de fertilizantes sintéticos é acompanhado por uma perda de eficácia. Muitos agricultores e especialistas em fertilidade do solo estão bem conscientes de que, ao aplicar fertilizantes químicos, os nutrientes ficam imediatamente disponíveis em grandes quantidades e causam um aumento de atividade e de crescimento microbiano que acelera a decomposição da matéria orgânica e libera CO2 para a atmosfera.

À medida que os solos perdem matéria orgânica, tornam-se mais compactos, absorvem menos água e têm menor capacidade para reter nutrientes, e a única maneira de combater isso é através do aumento da dose de fertilizante, como mostram as tendências globais anteriormente descritas. Mas, como se estivéssemos perante uma dependência da droga, doses mais elevadas apenas agravarão os problemas. Um claro exemplo de uma agricultura que destrói a terra.

Nos últimos cem anos, os níveis médios de minerais em terras agrícolas, a nível mundial, caíram 72% na Europa, 76% na Ásia e 85% na América do Norte.

O resultado de tudo isto é que a maioria dos alimentos que ingerimos também é deficiente em minerais. Em 1927, pesquisadores da Faculdade do King's College da Universidade de Londres começaram a estudar o conteúdo nutricional dos alimentos. Desde então, as suas análises foram repetidas regularmente e mostram resultados alarmantes: os nossos legumes e frutas perderam entre 20% e 60% dos minerais que costumavam ter. E percentagens semelhantes aparecem em produtos de origem animal, como o leite ou o queijo.

Nitrógeno: Energia fóssil para alimentar as plantas

Até há algumas centenas de anos atrás, a quantidade de alimentos que a agricultura podia produzir dependia de sua capacidade de substituir o nitrogênio no solo que as culturas consumiam, tanto com estrume, com culturas que fixam o nitrogênio do ar, como com guano ou com a rotação de culturas. Foram umas experiências originalmente concebidas para a produção de explosivos que permitiram produzir nitrogênio artificialmente. E voilà, o problema da limitação de nitrogênio foi resolvido e, junto com outras inovações, abriu-se o caminho da agricultura industrial. Desde os anos sessenta, o uso mundial deste fertilizante aumentou dez vezes.

Mas os fertilizantes nitrogenados têm uma série de problemas. O primeiro é a sua produção, uma vez que é obtido a partir da conversão de gás natural (um recurso finito pelo qual existem muitos conflitos geoestratégicos) a uma forma nitrogenada que as plantas podem absorver, a qual despende, no entanto, enormes quantidades de energia: para fertilizar um hectare de milho com este fertilizante, requere-se a mesma energia que aquela que é necessária para dirigir um carro durante mais de 2.000 km (ida e volta Barcelona-Sevilha!). Assim, podemos entender que metade de todo o consumo de energia que tem a agricultura industrial corresponde à produção de fertilizantes nitrogenados. Obviamente, estamos falando de uma contribuição, mais do que significativa, para a crise climática.

Em segundo lugar, as formas de nitrogénio presentes nos fertilizantes químicos são rapidamente convertidos no solo, emitindo óxidos nitrosos para a atmosfera. Os óxidos nitrosos, para além de destruírem a camada de ozono, têm um efeito de estufa que é duzentas vezes mais potente do que o efeito do CO2, e são responsáveis por uma parte importante da crise climática.

Dois milhões de toneladas de resíduos se acumulam, formando duas montanhas do tamanho do Tibidabo.

O Fósforo, o tesouro roubado:

O fósforo pode ser encontrado naturalmente na superfície da terra e em rochas marinhas, atingindo o solo e a água por erosão natural. Ou também pode ser extraído das minas, sob a forma de rochas de fosfato. A sua exploração excessiva fez com que as reservas de este mineral se estejam esgotando e alguns estudos estimam que estas se esgotarão completamente dentro de cem anos e que, em meados de 2030, se alcançará o seu nível máximo de extração, notando-se um declínio na sua disponibilidade. EUA, Marrocos e China produzem cerca de dois terços da produção mundial.

Marrocos, que explora os depósitos de fósforo que se encontram nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, tem cerca de três quartos das reservas mundiais de fosfato de boa qualidade que restam no mundo, tornando-se num país de grande importância geoestratégica e de controle político. A mina de Bucraa é a maior jazida de fosfatos do mundo, e é atualmente explorada a um ritmo frenético pelo Reino de Marrocos - o que constitui uma pilhagem brutal e ilegal dos recursos saharauis. Através de uma cinta transportadora (a maior do seu tipo no mundo, com cerca de 130 km), os fosfatos são levados para o porto de El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental ocupado, onde são carregados em enormes embarcações, procedendo-se, depois, à sua exportação por mar. Anualmente, entre 40 e 50 embarcações partem da costa saharaui com 48 000 toneladas, cada uma, de fosfatos roubados. O valor das exportações de fosfatos permite uma renda para Marrocos de aproximadamente $ 300 milhões por ano.

O parecer Legal (disponível em PDF), escrito em 2002, pelo consultor jurídico do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Hans Correll, estabelece a ilegalidade das atividades extractivistas e comerciais no Sahara Ocidental, uma vez que aquelas não têm o consentimento prévio da população originária, ou seja, do povo saharauí.

A extração de fosfato no solo é parte dos processos agroindustriais que destroem a fertilidade da terra e a sua capacidade de nos alimentar, encontrando-se, igualmente, por detrás de outros conflitos humanitários e políticos, tal como é o caso do castigado povo saharaui.

A superexploração excessiva do fosforo fez com que as suas reservas se estejam acabando.

A solução, a agroecologia e a agricultura campesina:

Tendo em conta o prognóstico de exaustão, lidar com a demanda de alimentos através da agricultura industrial é uma quimera: a produção chocar-se-á com os limites biofísicos que condicionarão o preço dos fertilizantes, ameaçando a segurança alimentar de muitas pessoas. Esta é outra das razões que nos conduz à necessidade de abordar o desafio da alimentação e de uma agricultura que apresente respostas globais que abordem a raiz do problema.

Como disse Grain, a terra fértil é uma camada fina que cobre mais de 90% da superfície terrestre do nosso planeta. Não é apenas poeira e minerais, mas também ecossistemas vivos e dinâmicos. Um solo saudável está repleto de milhões de criaturas microscópicas e visíveis que realizam muitas funções vitais, solo esse que é capaz de reter e fornecer lentamente os nutrientes necessários para o crescimento das plantas.

A vida vegetal e a fertilidade do solo são processos que se propiciam mutuamente, sendo que a matéria orgânica é a ponte entre ambos. Na medida em que o estiercol, os resíduos de colheitas e outros organismos mortos se decompõem, liberam nutrientes que podem ser absorvidos pelas plantas e que são utilizados no seu crescimento e desenvolvimento. À medida que as plantas crescem, mais restos vegetais chegam ou permanecem no solo e mais matéria orgânica é formada, num ciclo contínuo de sucesso desde há milhões de anos.

A população rural em todo o mundo tem uma compreensão profunda da terra. Através da experiência, aprenderam que a terra deve ser cuidada, cultivada, alimentada e descansada. Muitas das práticas comuns de agricultura tradicional refletem esse saber. A aplicação de estiercol, resíduos de colheitas ou compostos nutre o solo e renova a matéria orgânica. A prática de pousio, especialmente coberto, tem como fim repousar o solo, de forma a que o processo de decomposição possa ser realizado corretamente. Uma redução da lavoura, os terraços, e outras práticas de conservação, protegem o solo contra a erosão, de modo a que a matéria orgânica não seja levada pela água. Muitas vezes, a cobertura florestal é deixada intata, ou é alterada tão pouco quanto possível, ou é imitada, de modo a que as árvores possam proteger o solo contra a erosão e forneçam matéria orgânica adicional.

Quando ao longo da história foram esquecidas ou negligenciadas essas práticas, o preço pago tem sido elevado: os fertilizantes sintéticos e seus efeitos são uma prova disso.

- Este artigo foi elaborado graças às colaborações de:

Grain www.grain.org

WSRW. Western Sahara Resource Watch www.wsrw.org

Plataforma cívica Montsalat www.lasequia.cat/montsalat

Plataforma Prou Sal www.prousal.org

Artículo traducido por Ana Saldanha.

Fuente: Resumen Latinoamericano

Temas: Agronegocio, Agrotóxicos

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