Acordo da COP30 ignora combustíveis fósseis e prevê triplicar financiamento para adaptações climáticas

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Crédito: Pablo Porciúncula / AFP

A COP30 terminou neste sábado (22), em Belém (PA), com um acordo que não menciona a eliminação dos combustíveis fósseis, apesar da pressão de dezenas de países e do alerta científico sobre a urgência climática. O texto aprovado reafirma a necessidade de acelerar a ação climática “de forma voluntária” e prevê triplicar o financiamento para adaptação até 2035, mas frustra expectativas por avanços mais concretos.

A ausência de um compromisso explícito sobre petróleo, gás e carvão gerou reações de países como Colômbia, Uruguai e Panamá, que  interromperam momentaneamente a plenária final para contestar a forma como parte das decisões foi conduzida. A Colômbia afirmou que o encontro “está longe de ser a COP da adaptação”, enquanto o Panamá criticou a falta de clareza sobre compromissos financeiros.

Do outro lado, o bloco de países produtores, que inclui Arábia Saudita, Irã e Rússia, atuou para barrar qualquer menção direta ao abandono dos fósseis, repetindo a  disputa que marcou a COP28, em Dubai. Desta vez, porém, o impasse prevaleceu. O representante russo chegou a acusar delegações latino-americanas de “se comportarem como crianças”, gerando protestos no plenário.

Mesmo sem consenso sobre o tema central da  transição energética, o pacote final manteve o chamado “Mutirão Global”, documento político que organiza debates, cria novas estruturas de cooperação e convoca países a alinhar seus planos climáticos ao limite de 1,5°C. O Mutirão não cita combustíveis fósseis, mas inclui a meta de triplicar o financiamento para adaptação, uma das principais demandas de  países em desenvolvimento.

Entre as decisões aprovadas estão o novo Programa de Trabalho de Transição Justa, diretrizes para o Fundo de Perdas e Danos, o avanço no Artigo 2.1(c), que busca reorganizar fluxos financeiros globais, e a adoção dos primeiros indicadores internacionais para medir adaptação climática. Ainda assim, diversos países consideraram que o texto ficou aquém das necessidades e reforçaram críticas ao processo de negociação.

O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, prometeu que o Brasil elaborará, nos próximos meses, dois  “mapas do caminho”: um para reverter o desmatamento e outro para orientar a transição longe dos combustíveis fósseis. As iniciativas não constam do documento final, mas foram apresentadas como gesto político pelo diplomata. “Precisamos de mapas para ultrapassar a dependência dos fósseis de forma ordenada e justa”, afirmou.

Colômbia e Holanda anunciaram ainda uma conferência internacional sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis em 2026, na cidade colombiana de Santa Marta, em uma tentativa de manter o tema vivo após o recuo na COP30. 

Vitória da indústria fóssil 

Organizações presentes na COP30 avaliaram o desfecho da conferência como insuficiente e distante da urgência climática. 

O Observatório do Clima (OC) aponta que a COP30 terminou com avanços políticos importantes, mas muito aquém do necessário para enfrentar a crise climática. Para o secretário-executivo da entidade,  Marcio Astrini, “a presidência fez o que a COP não teve coragem: criou por declaração um processo para debater o assunto. Não temos uma decisão, mas temos algo pelo que lutar”. 

Já o coordenador de política internacional, Claudio Angelo, afirmou que “Belém entregou o que era possível num mundo radicalmente transformado para a pior. Evitou a implosão do  Acordo de Paris, hoje a única coisa a nos separar de um mundo 3°C mais quente” e alertou que “os resultados fracos da conferência comprovam o esgotamento do modelo das decisões por consenso e impõem a necessidade de reforma da UNFCCC [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima] e das COPs”

Para o Instituto Internacional Arayara, o acordo aprovado em Belém representa “uma vitória da indústria fóssil, do mercado financeiro e dos negacionistas climáticos”, ao manter o planeta “preso à lógica dos combustíveis fósseis, do desmatamento e da  financeirização do clima”. A entidade afirma que o texto final retirou elementos capazes de alterar a trajetória do aquecimento global e adiou discussões cruciais de mitigação e adaptação para 2026.

O Greenpeace também avaliou que a conferência falhou ao não incorporar ações concretas para acabar com o desmatamento e abandonar os combustíveis fósseis. Segundo a organização, “o lobby dos combustíveis fósseis, dos gigantes do agro e de outros setores que lucram com a destruição” foi bem-sucedido em bloquear avanços. 

A entidade destacou, porém, elementos positivos em Belém, como a  participação indígena histórica, a homologação de Terras Indígenas somando 2,4 milhões de hectares, a Marcha Global pelo Clima com mais de 40 mil pessoas e a realização da Cúpula dos Povos. O movimento defende “fazer os poluidores pagarem, proteger as florestas e respeitar os povos indígenas”, além de fortalecer o poder popular para pressionar líderes por metas compatíveis com a crise climática.

A Oxfam Brasil classificou o resultado da COP30 como um acordo que oferece “um fio de esperança, mas muito mais decepção”. Para a diretora-executiva Viviana Santiago, a ambição climática continua aquém do necessário, sobretudo porque os países ricos não entregaram o financiamento essencial para adaptação, deixando comunidades do Sul Global “expostas aos piores impactos”. Em nota, ela aponta “gritante hipocrisia” das nações desenvolvidas, que discursam pelo fim dos fósseis enquanto planejam expandir petróleo e gás. A organização defende que uma transição justa exige que os países que enriqueceram com combustíveis fósseis ajam primeiro e disponibilizem recursos na forma de doações, e não empréstimos.

“Sonhávamos com muito mais resultados”

Durante a plenária final, a  ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reconheceu que a COP não alcançou o que muitos esperavam, mas defendeu que houve avanços modestos em adaptação, financiamento e transição justa. “Sonhávamos com muito mais resultados”, disse. 

“Em que pese ainda não ter sido possível o consenso para que esse fundamental chamado entrasse nas decisões desta COP30, tenho certeza de que o apoio que recebeu de muitas Partes e da sociedade fortalece o compromisso da atual Presidência de se dedicar para elaborar dois mapas do caminho. Um sobre deter e reverter o desmatamento. Outro, sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis de maneira justa, ordenada e equitativa. Ambos serão guiados pela ciência e serão inclusivos”, pontuou.

Marina destacou que 122 países apresentaram suas metas climáticas atualizadas para 2035 e que a COP30 reforçou o papel de povos indígenas e comunidades tradicionais na governança climática. “Realizamos esta COP no coração da Amazônia. Demos um passo relevante no reconhecimento do papel de povos indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes”, afirmou.

As próximas sedes da COP já estão definidas: a Turquia receberá a COP31, em 2026, e a Etiópia sediará a COP32, em 2027.

Com informações de AFP e Agência Brasil

Editado por: Geisa Marques

Fonte: Brasil de Fato

Temas: Crisis climática

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