Arroz dourado e coevolução

Idioma Portugués
País Brasil

Existe uma diferença fundamental e nada discreta entre uma planta resistente e uma planta inseticida: dois bons exemplos de como resolver problemas sem atacar suas causas, e pior, leva-se em consideração que o padrão de vida dessas pessoas deve continuar do mesmo modo

Uma variedade de arroz transgênico denominada de “golgen rice” é rica em beta-caroteno, precursor da vitamina A. Defende-se seu uso no combate a deficiência desta vitamina principalmente na Ásia, o mesmo é o caso do feijão rico em metiolina que poderia resolver problemas de deficiência deste aminoácido essencial no Brasil.

Dois bons exemplos de como resolver problemas sem atacar suas causas, e pior, leva-se em consideração que o padrão de vida dessas pessoas deve continuar do mesmo modo.

Solução para isto já existe, basta apenas diversidade alimentar, o que qualquer dona de casa sabe mesmo não conhecendo uma linha de genética ou biotecnologia.

É absolutamente ridículo se atribuir à deficiência de vitamina A a um defeito genético do arroz, que deva ser corrigido através da biotecnologia, e pior, tentar resolver o problema destas pessoas através de uma pequena melhoria feita em sua “ração” não é ciência, é fascismo.

Porém isto não é tudo, de acordo com Querrante (2003), 100 gramas de arroz dourado seco contém 111 UI (unidades internacionais) de vitamina A Uma pessoa adulta necessita de uma ingestão diária em torno de 1.900 UI de vitamina A.

Para obter a dose diária seria necessário consumir 1,7 Kg de arroz cru, que equivale a 4,2 Kg de arroz cozido.

Ainda na graduação, o aluno de agronomia ou ciências florestais aprende que a resistência de plantas é um caráter relativo, nunca absoluto. Na natureza você não encontra a resistência total nem patogenicidade ou virulência total, pois isto não é bom para nenhum dos lados.

A resistência total favorece o aparecimento de novas formas, muitas vezes mais virulentas, já a virulência total leva a extinção da espécie da qual o patógeno depende.

A interação entre plantas e patógenos ou pragas ganhou de N. Vavilov a denominação de coevoluçao no início do século passado, onde ambos os lados, passo a passo ou degrau a degrau, evoluem conjuntamente levando a uma situação equilibrada.

Este equilíbrio é fruto de uma batalha interminável que já leva milhões de anos, e que pode ser quebrado rapidamente no caso do mamão transgênico, onde uma visão excessivamente reducionista da ciência deve trazer graves problemas numa cultura, onde aprendemos a conviver com o mosaico e onde não falta mamão no mercado.

São três os argumentos mais utilizados pelos defensores de uma liberação imediata e sem maiores cuidados dos transgênicos:

1) são mais produtivos;
2) requerem menor uso de agrotóxicos;
3) produzirão alimentos mais baratos.

Os transgênicos não são mais produtivos, a produção é um caráter quantitativo, ou seja, envolve um grande número de genes e tem forte influência ambiental, já os transgênicos são plantas com um caráter qualitativo, ou seja, poucos genes (geralmente um) e praticamente sem influência ambiental.

Aliás, a falta de influência ambiental é buscada na pesquisa envolvendo plantas transgênicas tanto para efeitos de biossegurança, como para se buscar um mercado mais amplo, e é por isso que cultivares tolerantes ao glifosato ou que carregam o gene Bt são cultivados no mundo inteiro.

Do total de plantas transgênicas que estão sendo cultivadas no mundo, 99,8% (quase 100%) são plantas tolerantes ao glifosato ou que contenham o gene Bt.

As plantas tolerantes ao glifosato não economizam no uso do herbicida, tanto é, que a Anvisa aumentou em 50 vezes (repito, 50 vezes) o teor de glifosato permitido no grão de soja (portaria no 764 de 1998). Isto foi feito sem maiores explicações por parte da Anvisa, mas é óbvio que foi feito para atender as plantas RR (roundup ready) que utilizam o herbicida em doses generosas durante todo o ciclo da planta.

Já as plantas Bt são geralmente chamadas de plantas "resistentes a insetos" por aqueles que gostam de falar em nome dos cientistas (e que são a favor de uma liberação imediata e sem maiores cuidados dos transgênicos).

Na verdade, estas plantas não são resistentes, elas são, isto sim, plantas inseticidas, pois já vem com um inseticida inserido no seu genoma, que do ponto de vista ambiental tem se mostrado tão nocivo como seu similar comercial, uma vez que borboletas (Monarca sp.) que não são pragas do milho morreram ao se alimentarem de outras plantas que continham pólen de milho em sua superfície.

Devemos levar em consideração que no Brasil são mais de 13 milhões de hectares de milho com seu pólen voando ao sabor dos ventos.

Existe uma diferença fundamental e nada discreta entre uma planta resistente e uma planta inseticida.

É espantoso que pessoas que se apresentam como cientistas, e mais que isto, sem a procuração de ninguém, falam em nome dos cientistas e classifiquem as plantas Bt como resistentes a insetos.

É verdade que do ponto de vista do marketing dos transgênicos é melhor chamar uma planta de resistente do que de inseticida porém, em respeito à verdade, as coisas devem ser chamadas como são, e não de acordo com conveniências.

Como exposto acima, os transgênicos além de não serem mais produtivos, estão poluindo o mundo. Já o terceiro argumento, de que os transgênicos produzirão alimentos mais baratos até pode ser verdadeiro desde que haja rotulagem, pois o consumidor prefere pagar mais por um produto não-transgênico.

A rotulagem, a propósito, era uma contra-partida mínima nas três MPs que permitiram o cultivo ilegal da soja RR, e até hoje nada de rotulagem, o que não só é um desrespeito ao consumidor, mas um desrespeito também àqueles que cumprindo a lei não plantaram soja transgênica.

Mais uma vez no Brasil quem cumpre a lei é penalizado. Se o governo não têm condições de segregar e rotular a soja transgênica deveria então proibir seu cultivo, caso contrário é traição.

Referências:

Losey, J. et al. Transgenic pollen harms monarch larvae. Nature, vol 399. p214. maio de 1999

Querrante, R., Transgênicos: uma visão estratégica. Editora Interciência, Rio de Janeiro, RJ, 2003. 173p.

Milton Krieger é engenheiro agrônomo, mestre em genética e melhoramento vegetal na Esalq/USP e doutorando em agricultura na Unesp-Botucatu. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Sites: Milton Krieger e Natural Rural

Fuente: Jornal da Ciência

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