Brasil: 21 questões para a Conferência Nacional de Meio Ambiente

Participação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente na 1a. Conferência Nacional do Meio Ambiente: 26 e 27 de novembro, Brasilia: "Um mundo sustentável é possível; um Brasil sustentável e democrático é urgente"

Aos participantes da 1a. Conferência Nacional do Meio Ambiente Vamos cuidar do Brasil e do mundo

O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente - FBOMS, coalizão criada em 1990 para influenciar e participar a formulação de políticas e programas nacionais e globais de desenvolvimento sustentável, trouxe para o seu 17 º Encontro Nacional em Brasília (26 e 27 de novembro), delegados de Ongs e Movimentos Sociais e representantes convidados para a 1a. Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA), com a finalidade de articular as propostas aprovadas nas pré-conferências e conferências estaduais desse importante evento nacional.

A 1a. Conferência Nacional do Meio Ambiente abre um processo contínuo, a ser aprimorado, que esperamos seja fundamental para fortalecer a agenda ambiental e o SISNAMA ?Sistema Nacional do Meio Ambiente. Mas esperamos sobretudo que essa agenda e o SISNAMA possam ir além de uma perspectiva setorial ou temática: é necessário que a sustentabilidade socioambiental seja compreendida e considerada como base fundamental de um projeto de mudanças mais amplo. Um projeto que englobe promoção de justiça, inclusão social, equidade de gêneros e etnias, erradicação da fome e da miséria, dignas condições e qualidade de vida para todos. Sobretudo, que assegure a integridade dos serviços e bens ambientais do país, sem os quais não há seguridade alimentar e justiça social.

Transformações nesse sentido são fundamentais também para garantir a responsabilidade e liderança do Brasil nos esforços internacionais de assegurar a segurança ambiental do planeta, tendo em vista o avanço das mudanças globais, ambientais, climáticas, econômicas, culturais e políticas . Não basta saber cuidar do Brasil; é preciso também saber cuidar do mundo, o que significa respeitar todos os seres e cuidar dos processos que mantém a Vida e a paz verdadeira.

Entendemos que além da agenda ambiental, o projeto de um país justo e democrático deve refletir-se em todas as políticas públicas e iniciativas da sociedade a Ética da vida, pela qual se respeitam todos os seres vivos e se busca garantir a integridade dos processos ecológicos essenciais à seguridade planetária.

Partindo desses princípios, os participantes do 17o. Encontro Nacional do FBOMS apresentam abaixo 21 questões que consideram essenciais para fundamentar as mudanças que a CNMA deve representar na direção da sustentabilidade socioambiental do país:

1) que o Governo Lula incorpore em todas as suas áreas e políticas as propostas de sustentabilidade, e não reduza a questão ambiental a uma mera variável pontual de projetos de obras do Poder Executivo. O FBOMS lembra que no documento Brasil Século 21: a sustentabilidade que queremos estão resumidas propostas de curto, médio e longo prazo para políticas nacionais e internacionais que deveriam estar refletidas nas ações e programas governamentais. Entendemos que a sustentabilidade em sua dimensão democrática tornar-se-á realidade na medida em que se consolidarem os instrumentos e instâncias que assegurem a governança. Isto pressupõe o controle social e a efetiva participação pública na formulação e gestão de políticas e programas em todas as esferas de governo, inclusive naqueles em parceria com o setor privado.

2) que os princípios da precaução e da prevenção sejam efetivamente incorporados na formulação, implementação e gestão de políticas e programas públicos em todas as áreas, para fazer cumprir também o dispositivo constitucional de se garantir a integridade dos processos ecológicos essenciais à Vida e à sadia qualidade de vida (art. 225, parágrafo 1).

3) que o PPA ? Plano Plurianual, as LDOs ? Leis anuais de Diretrizes Orçamentárias e as LOAs- Leis de Orçamentos Anuais atendam também as diretrizes da Agenda 21 brasileira. Devem ser assegurados mecanismos e recursos para viabilizar processos efetivamente participativos de formulação e gestão do desenvolvimento local, integrado e sustentável. As Agendas 21 locais devem ser instrumentais e complementares aos processos de orçamento participativo, planos diretores e outros mecanismos de planejamento e implementação democrática de políticas públicas.

4) que o Poder Público, em todas as suas esferas, conceba a sustentabilidade do desenvolvimento do país privilegiando a conservação ambiental, os benefícios às populações locais e a inclusão social e não a mera realização de grandes obras de infra-estrutura, tais como rodovias, hidrovias, hidrelétricas etc, que historicamente promoveram impactos sociais e ambientais que não podem ser equacionados meramente por medidas compensatórias .

5) que todas as políticas públicas incorporem as questões de justiça ambiental, rompendo a dinâmica que historicamente faz incidir impactos ambientais negativos sobre aqueles que já são as grandes vítimas da exclusão social e de todas as formas de violência, no campo e na cidades.

6) que para assegurar a transversalidade e integração de políticas com referência à sustentabilidade socioambiental do país o Governo Lula faça funcionar o Conselho de Política de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 ? CPDS, acatando proposta de reformulação da composição e das atribuições da atual Comissão de Política de Desenvolvimento Sustentável, como proposto ao Governo por seus membros em agosto de 2003.

7) que o fortalecimento do SISNAMA envolva antes de mais nada a sua reestruturação para garantir uma visão integrada da agenda ambiental nas diversas instâncias colegiadas e atuação conjunta e complementar das agências governamentais. Também é necessário fomentar a sua capilaridade nas diversas unidades federativas, garantindo, em todas as suas instâncias, a transparência, o acesso a informações, as boas práticas, inclusive na gestão dos recursos públicos.

8) que o Governo privilegie a sustentabilidade ambiental em todas as políticas setoriais, como por exemplo, na politica nacional de transporte publico urbano e inter-municipal, privilegiando alternativas limpas e não poluentes, e valorizando formas de mobilidade não motorizada .Da mesma forma,que se assegure a transparência e o controle social das políticas e programas públicos relativos à exploração mineral de qualquer espécie (petróleo, minérios, águas, areias e argilas, etc).

9) a sustentabilidade de um país multicultural e plurietnico depende de se reconhecer e valorizar os povos indígenas, as comunidades quilombolas e demais populações tradicionais. Para tanto, que se faça cumprir a Constituição de 1988, garantindo a essas populações direitos e meios para o exercício de sua cidadania e a evolução de saberes e práticas sociais, culturais e econômicas. É preciso demarcar e respeitar os territórios ocupados por essas populações, os quais também desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade. É urgente a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

10) partindo do entendimento das águas como um bem ambiental de interesse público, que se fortaleçam os mecanismos participativos e se mobilizem os recursos para garantir a integridade das bacias hidrograficas, mananciais e aquiferos e respectivos ecossistemas, como forma de promover a segurança alimentar. Programas especiais de seguridade hídrica devem ser implementados em áreas de escassez de águas, como forma também de se alcançar a justiça social.

11) que a política nacional de energia inclua programas de conservação e eficiência energética, o fomento às novas energias renováveis (eólica, solar e de biomassa); estabelecimento de metas e padrões de consumo menos intensivo em energia, com revisão do atual modelo industrial, que privilegia indústras eletro-intensivas.A interrupção do programa de construção de termoelétricas e de grandes hidrelétricas é requisito para garantir a sustentabilidade socioambiental da matriz energética do país. A sustentabilidade ambiental na área de energia depende também da recomposição do CNPE ? Conselho Nacional de Política Energética com a efetiva participação da sociedade civil.

12) que seja imediatamente rompido o Acordo Nuclear Brasil/Alemanha e o governo federal suspenda definitivamente a construção de usinas nucleares para geração de energia elétrica.

13) que as cidades sejam compreendidas nas suas dimensões ambientais e sociais, de tal modo que a sua gestão vá além da oferta da infra-estrutura de transporte, habitação, saneamento. É necessário incorporar a sustentabilidade ambiental nas políticas e instrumentos de gestão urbana, tais como o estatuto de cidades, plano diretor, orçamento participativo.

14) que todos as esferas de governo priorizem o saneamento ambiental, em suas diversas atividades (abastecimento de água potável; coleta e tratamento de esgotos; coleta, reciclagem reuso e disposicao de residuos; drenagem e prevenção de enchentes; controle de vetores, de substâncias perigosas e de riscos químicos; vigilância sanitária, etc) .

15) que os programas governamentais, da iniciativa privada e da sociedade civil respeitem os mecanismos legais e institucionais de proteção e uso sustentável da biodiversidade e dos conhecimento tradicionais, coibindo o uso predatório, os processos de degradação e a biopirataria. Condizente com a Convenção de Diversidade Biológica, compromisso internacional assumido pelo Brasil, o Governo federal deve garantir recursos e meios para a implementação da política nacional de biodiversidade e assegurar a soberania nacional sobre o patrimônio genético brasileiro. O Poder Público deve limitar a expansão da fronteira agrícola às áreas já desmatadas ou sub-utilizadas.

16) que sejam garantidos recursos e demais meios para a recuperação e conservação de todos ecossistemas, priorizando a recuperação das áreas de preservação permanente e reserva legal, assim como para a implementação efetiva de unidades de conservação, tanto as de proteção integral como as de uso sustentável. Como previsto na legislação do SNUC- Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o estabelecimento de UCs ? uniddades de conservação deve ser feito com a participação dos atores interessados.

17) que a questão de mudança de clima seja compreendida em todas as suas dimensões, inclusive ética, e não seja reduzida simplesmente a aspectos de oportunidades e custos de ações associadas a emissão de gases de efeito estufa. Nesse sentido, o Brasil tem responsabilidade em fazer do MDL ? Mecanismo de Desenvolvimento Limpo um efetivo instrumento de políticas públicas, nacional e global, não reduzindo-o a mero incentivo econômico de iniciativas empresariais. É preciso que, a partir do CONAMA, todo o SISNAMA passe a considerar as questões de mudança de clima, incorporando-as nos procedimentos e instrumentos de gestão ambiental, sem prejuízo das contribuições da Comissão Interministerial de Mudança de Clima, cujo processo deve contemplar a participação de representantes da sociedade civil.

18) que a reforma agrária seja entendida como essencial para um ordenamento sustentável do território, e que os órgãos governamentais passem a oferecer aos assentamentos meios e apoio para as práticas agroecológicas e de gestão dos bens e serviços ambientais, inclusive garantindo recursos para a recuperação de áreas que já se encontram degradadas e que impedem condições dignas de vida para os assentados.

19) que a política agrícola seja pensada em termos da seguridade alimentar e ambiental, priorizando assim a multifuncionalidade do espaço rural, a agricultura familiar, os sistemas de produção orgânica e agroecológica e o direito a ficar no campo. A sustentabilidade ambiental depende da limitação do uso de agrotóxicos e da implantação de uma política criteriosa de biosegurança. Esta política, por ser estratégica para a sustentabilidade do país, deve incorporar mecanismos de precaução, inclusive em relação aos organismos geneticamente modificados, conforme dita o artigo 225 da Constituição de 1988.

20) que a política florestal brasileira priviliegie as atividades voltadas à sustentabilidade social e ambiental das populações cujo modo de vida depende diretamente das florestas nativas. O suprimento de produtos de base florestal, a exemplo de madeira e celulose, deve ser feito a partir de práticas de silvicultura que respeitem a diversidade de formações florestais no território nacional. A desenfreada expansão de monocultivos deve ser contida.

21) que seja implementada a política nacional de educação ambiental (Lei 9795), na perspectiva transdisciplinar, crítica e problematizadora, valorizando os saberes locais e tradicionais. Que essa educação ambiental contribua para a promoção de padrões social e ambientalmente sustentáveis de produção e consumo, e para a construção de uma concepção de mundo justa e democrática.

Coalizão Rios Vivos - Secretaria Executiva
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