Brasil: A derrota de Marina Silva e do Estado de Direito

Revista Galileu
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27-3-03

Ontem, quinta-feira, o clima no Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi de derrota. A medida provisória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que liberou a venda e do consumo no Brasil da safra de soja transgênica proibida pela Justiça atropelou a ministra Marina Silva e sua equipe, que vinham se esforçando para que o produto não fosse liberado para uso no próprio país. Mas, mesmo que fosse só para exportação, há uma outra derrota: a do Estado de Direito.

O desrespeito ao Estado de Direito teve início desde que foi expedida a liminar da 11a. Vara da Justiça Federal de São Paulo que proibiu o plantio da soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto. Por se tratar de uma decisão da Justiça, a Polícia Federal e outros órgãos estavam à frente de uma obrigação. Como dizem os juristas da área de Direito Administrativo Público, trata-se do 'poder-dever de agir', e não de uma decisão discricionária, isto é, que fica a critério da autoridade.

No entanto, as áreas cultivadas no Rio Grande do Sul com a chamada 'soja Maradona' - como foi apelidada a Roundup Ready argentina - cresciam cada vez mais, e isso logo se tornou público e notório. Salvo exceções, que devem ter se tornado folclóricas, a vista grossa ao desacato à decisão judicial se estendeu do nível do policial e do fiscal ao dos gabinetes ministeriais. Foram mais de cinco anos de omissão frente ao 'poder-dever de agir'.

Neste mês, de repente, a Polícia Federal partiu para a ação e começou a detectar a origem transgênica em testes com amostras de plantios gaúchos de soja. Mas a operação durou pouco tempo. A pressão do ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura, foi mais forte. E não foi por pouca coisa. A área total de culturas transgênicas no Brasil já poderia ser extra-oficialmente considerada a quarta do mundo em extensão, atrás somente dos Estados Unidos, Argentina e Canadá, segundo estimativas da própria Monsanto, com base em dados da Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul) e do relatório 'Annual Global Review of Commercialized Transgenic Crops'.

Desde que assumiu o MMA, a ministra tem afirmado com muita propriedade que a gestão de Fernando Henrique Cardoso errou ao não promover um amplo debate sobre os alimentos transgênicos e ao deixar de atuar como mediador no conflito, pois atuou como parte interessada, não só empenhando-se na aprovação do plantio comercial da soja Roundup Ready, da Monsanto, mas também por fazer vista grossa à desobediência da proibição judicial. No entanto, antes de completar cem dias de gestão, o novo presidente mostra o mesmo estilo de seu antecessor. Mesmo que os alimentos geneticamente modificados venham a ser considerados seguros, o princípio de precaução estabelecido pela Constituição Federal, está no mesmo nível daquilo que nossa tradição chama de 'lei que não pegou'.

Muito antes de ser anunciada oficialmente por Lula para o cargo, Marina Silva era considerada por petistas e não-petistas uma esperança de uma nova fase do Ministério do Meio Ambiente, em que o órgão deveria ter mais peso nas decisões governamentais. Anteontem, ao assinar com o presidente e com outros oito ministros a Medida Provisória nº 113, cuja ementa diz 'Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências', ela sofreu sua primeira derrota, e o Estado de Direito, mais uma entre as várias da História do Brasil.

*Maurício Tuffani é editor-chefe da revista Galileu
E-mail: mtuffani@edglobo.com.br