Brasil: a grande alegria do lobby pró-liberação indiscriminada dos transgênicos seria a renúncia do setor crítico

"O texto indica que a exigência de dois terços dos votos dos 27 membros da CTNBio 'permitiu a um pequeno grupo de radicais bloquear completamente a atividade da comissão a tal ponto que até hoje nenhuma liberação (comercial) foi atendida'. É a síntese da mensagem que o lobby pró-liberação indiscriminada dos transgênicos quer fazer passar para a opinião pública brasileira"

Car@s Amig@s,

Destravar a ciência?

O título deveria estar entre aspas pois é a reprodução de um curto porém muito significativo editorial do “O Globo” do dia 22 de Dezembro. Acrescentei apenas a interrogação para indicar o sentido do meu próprio artigo.

O editorial refere-se, é claro, à decisão da Câmara aprovando o substitutivo do deputado Paulo “Monsanto” Pimenta à MP que liberava os cultivos transgênicos nas vizinhanças das áreas de proteção ambiental.

O texto indica que a exigência de dois terços dos votos dos 27 membros da CTNBio “permitiu a um pequeno grupo de radicais bloquear completamente a atividade da comissão a tal ponto que até hoje nenhuma liberação (comercial) foi atendida.” É a síntese da mensagem que o lobby pró-liberação indiscriminada dos transgênicos quer fazer passar para a opinião pública brasileira.

Desde logo a afirmação é absurda e indica desinformação ou mesmo má-fé do autor. Não são os malvados radicais minoritários que impedem a liberação comercial por pura birra ideológica. Ocorre que a CTNBio não operou durante dois anos, enquanto se votava a lei de biossegurança e se deliberava sobre sua regulamentação. Por outro lado, na CTNBio da era FHC não havia regras de avaliação de risco e tudo era resolvido de qualquer maneira com uma maioria esmagadora a favor de se facilitar ao máximo as liberações. Na nova CTNBio é preciso discutir e fazer valer os argumentos científicos e não um rolo compressor descriteriado.

A atual CTNBio aprovou centenas de pesquisas que liberam organismos geneticamente modificados na natureza ao longo de seu um ano de existência. Será que isto é “travar a ciência”? O artigo do jornalão carioca confunde, quase num ato falho, avanço da pesquisa com liberação comercial. Aliás, estas liberações de pesquisas se fizeram de forma irresponsável pois a pressão da maioria fez votar os pedidos sem que se tenham discutido e deliberado na comissão as regras de segurança para este tipo de situação. Depois de feitas as liberações é que se estão discutindo regras.

O curto editorial é um ótimo exemplo sobre a profunda incompreensão que vigora nos meios de comunicação e até na própria CTNBio sobre a missão da comissão. Não se trata de uma comissão de promoção de transgênicos mas de avaliação da biossegurança destes produtos.

A ignorância sobre o tema não justifica, embora explique, a leveza com que se pressiona para liberações comerciais sem qualquer preocupação com a biossegurança. Existem suficientes dados científicos para mostrar que não estamos lidando com produtos inócuos e que os riscos existem sim, muitos e significativos.

Como deveria atuar a CTNBio se de fato fosse um organismo sério de biossegurança? Em primeiro lugar deveria fazer uma revisão da literatura científica existente para levantar os tipos de riscos já identificados e os métodos de avaliação de riscos já desenvolvidos. Com base nestas informações seria possível traçar regras de avaliação de risco a serem seguidas pela comissão e que orientassem a escolha de pareceristas qualificados para cada caso.

Como não há qualquer regra no momento cada cientista convidado para fazer avaliações de risco e mesmo cada membro da CTNBio faz avaliações a partir de critérios próprios que podem até, eventualmente, ser corretos mas não podem cobrir todos os tipos de risco.

Vejamos o caso do milho transgênico que a Bayer quer fazer liberar. A literatura indica que existem riscos variados tanto para a saúde dos consumidores como para o meio ambiente mas os pareceristas convocados para dar opinião sobre o dossiê da empresa não são especializados nestes vários tipos de risco. Na verdade, nunca vai se encontrar alguém com tantas especialidades ao mesmo tempo e seria necessário chamar vários tipos de especialistas. A própria CTNBio, com seus 24 cientistas entre titulares e suplentes, não cobre nem de longe estas diferentes especialidades, isto porque na sua composição não se procurou identificar especialistas em riscos mas especialistas em transgenia. Em outras palavras, muitas vezes os membros votam sem dominar as questões de risco colocadas pelos diferentes tipos de transgênico.

Os cientistas a favor de uma liberação facilitada dos transgênicos deveriam assumir de forma responsável a sua posição e permitir um debate a sério sobre a questão da biossegurança. Na verdade eles acham que toda esta discussão e procedimentos de avaliação são pura frescura e que os transgênicos deveriam ser tratados como um produto qualquer, comum e corrente. É uma opinião que precisa ser debatida desde um ponto de vista científico e é fundamental que ela seja aprofundada de forma transparente do contrário o que estaremos assistindo será uma farsa em que prevalece não o critério científico mas o rolo compressor da maioria sem argumentos.

Se estes senhores cientistas acham que não é preciso nenhuma regra de biossegurança eles deveriam demonstrar isto e pedir uma modificação na lei para eliminar a própria existência da CTNBio como um mero entrave burocrático. O que é desonesto é aceitar fazer parte de uma comissão destinada a avaliar os riscos dos transgênicos sem acreditar que estes riscos existam e sabotar qualquer esforço de discussão aprofundada do tema.

A questão dos dois terços é um indicativo de que a armação do lobby pró transgênico foi insuficiente para ter o total domínio da CTNBio. Na verdade, não mais de 6 membros da comissão tem uma posição crítica em relação aos transgênicos e cobram um debate científico aprofundado sobre os riscos de biossegurança. Há uma clara maioria de militantes que defendem uma liberação facilitada dos transgênicos e o fazem de forma agressiva e muitas vezes desrespeitosa. Vários outros cientistas não se comprometem com esta maioria mas também não se dispõe a enfrenta-la e vem se afastando da comissão. No presente momento não há nada que impeça a maioria pró transgênicos de aprovar as liberações comerciais mesmo com a exigência de dois terços dos membros a não ser a cobrança da minoria de que se façam debates com um mínimo de critério e seriedade. Parece que o que se quer não é garantir a maioria para as liberações, que já existe, mas tornar mais fácil usar um rolo compressor para impedir o debate científico.

A mera existência de um voto de maioria já é um contra-senso. Faz sentido votar com tantos tipos de riscos em jogo? Imaginem se todos os especialistas concernidos pela questão da biossegurança do milho da Bayer fossem ouvidos e todos dissessem que em sua área não existem riscos, com exceção do especialista em alergias, por exemplo. É razoável votar e liberar o produto mesmo sabendo que um dos riscos pode ser grave? No entanto, é assim que funciona o voto majoritário e não interessa se a grande maioria da comissão não entende nada de alergias; cada voto é igual ao outro.

A grande alegria do lobby seria a renúncia do setor crítico, já revoltado com as constantes agressões da maioria pró transgênicos e pressionado tanto pelo governo como pela grande imprensa. Sem eles as aprovações se fariam sem discussões inconvenientes e sem publicidade para facilitar a vida das empresas e por em risco o meio ambiente e a saúde da população. Não podemos aceitar esta pressão e é fundamental manter a exigência de seriedade dentro da CTNBio e cobrar debate científico onde se quer apenas aprovações formais e apressadas.

CAMPANHA POR UM BRASIL LIVRE DE TRANSGÊNICOS
Boletim Número 328 – 12 de janeiro de 2007

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