Brasil: deputado denuncia transgênicos

Relatorio do Deputado Federal Jose Geraldo PT/PA

Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, como é do conhecimento de todos nesta Casa, eu fui um dos participantes da comitiva de parlamentares que foram aos Estados Unidos a convite da Embaixada Americana recolher informações sobre os tão falados produtos transgênicos, cuja liberação vem sendo calorosamente debatida em nosso país, sobretudo no Congresso Nacional.

Considero fundamental abordar de forma mais aprofundada pelo menos dois aspectos dos transgênicos avaliados nesta viagem. O primeiro diz respeito à adequada avaliação de riscos destes produtos para a saúde da população. O segundo diz respeito a questões econômicas, envolvendo sobretudo o mercado internacional de produtos agrícolas do qual tanto depende nossa balança comercial.

Em todas as instâncias governamentais pelas quais tivemos a honra de ser recebidos nos Estados Unidos, a questão mais reiteradamente repetida foi a seriedade do FDA ? órgão do governo responsável pela regulamentação e registro de medicamentos e alimentos ? e de sua credibilidade junto à população norte-americana. Os representantes do governo alegam que o FDA trata dos produtos transgênicos de forma profundamente científica e que os opositores a estes produtos, como os países da Europa, por exemplo, tratam do assunto de forma política e ideologizada. Insistiram que a população americana tem plena confiança em suas instituições.

Pois bem, tivemos também a oportunidade de assistir à apresentação de dois representantes de ONGs americanas, que foram falar à Comitiva na presença dos representantes do governo, inclusive do FDA. Um destes senhores nos relatou que o FDA não faz qualquer teste para certificar segurança dos alimentos transgênicos. Esta Instituição apenas homologa o que as empresas dizem. Ou seja, ao solicitar a liberação comercial para um novo produto transgênico, a empresa voluntariamente apresenta estudos, realizados por ela própria, que comprovem a sua segurança. O FDA então ?confia? nos dados apresentados pela empresa e registra o novo produto, delegando a responsabilidade pelas informações à empresa.

Esta informação, que foi confirmada pelos representantes do órgão presentes ao debate, simplesmente joga por terra abaixo a suposta cientificidade com que os funcionários do governo americano alegam tratar o tema!

Para reforçar a falta de critério, controle e transparência com que o órgão americano trata dos produtos transgênicos, constatamos também que esses produtos não constam no livro vermelho do FDA. O livro vermelho é o documento que trata detalhadamente da certificação de alimentos nos EUA. Explicando melhor: não só o FDA não avalia os riscos dos alimentos transgênicos para a saúde da população antes de liberá-los, como também o FDA não monitora o consumo destes produtos depois que eles estão no mercado. Não há nenhum tipo de controle e monitoramento deste consumo naquele país!

Isto tudo foi relatado na frente das autoridades do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e evidenciou a completa falta de transparência, além do caráter nada científico, e sim político, destas instituições públicas.

De posse de todas estas impressionantes informações, é fundamental lembrarmo-nos de um argumento que nós parlamentares ouvimos com freqüência, inclusive de renomados cientistas do Brasil e do mundo. Dizem estes cientistas que a prova mais cabal de que os transgênicos não causam nenhum mal à saúde de quem os ingere é o fato de que os americanos já consomem estes produtos há pelo menos seis anos e até hoje nenhum problema foi registrado.

Ora, seria uma irresponsabilidade minha como parlamentar comprometido com a verdade, deixar de relatar o que de fato ocorre naquele país a este respeito.

Nos Estados Unidos pudemos também constatar que, apesar de a maioria esmagadora da população ser favorável à rotulagem obrigatória dos alimentos transgênicos, até hoje o FDA não instituiu a rotulagem! Neste aspecto, eles foram obrigados a admitir que só instituíram a rotulagem voluntária, ou seja, a empresa só rotula se quiser. Obviamente, não existe sequer um produto alimentício nos Estados Unidos rotulado como transgênico. Nenhum!

E justamente por não rotular estes alimentos, o FDA não tem como fazer nenhum tipo de monitoramento do consumo de alimentos transgênicos. Qualquer problema de saúde, como intoxicações alimentares, dificuldade do tratamento de doenças, qualquer problema que possa estar ocorrendo em decorrência do consumo generalizado de alimentos transgênicos, não pode ser identificado e nem registrado.

Somos obrigados a admitir que nós brasileiros, que já estamos anos luz à frente dos Estados Unidos em matéria de legislação sobre transgênicos, não podemos retroceder ao patamar americano de total desregulamentação destes produtos.

No Brasil, o Presidente Lula publicou um decreto sobre a rotulagem dos alimentos transgênicos, mesmo estes alimentos não estando liberados. E este deve ser o nosso papel: devemos ser vanguarda e, aqui do Brasil, dar o exemplo sobre como se deve proceder de maneira verdadeiramente séria, transparente e científica, respeitando sobretudo os direitos da população.

Reafirmo, portanto, após ir à fonte primária das informações (o governo americano que primeiro liberou estes produtos e a sede mundial da empresa que os desenvolveu e comercializa), que temos o dever de defender que no Brasil estes alimentos somente sejam liberados após detalhada avaliação de riscos à saúde humana. E do Brasil daremos um exemplo ao mundo de respeito ao nosso povo.

O outro aspecto que considero relevante ressaltar neste momento é a questão econômica que envolve a liberação ou a não liberação dos produtos transgênicos em nosso País. Fomos aos Estados Unidos levando nossos conhecimentos acumulados sobre o assunto e nossas hipóteses econômicas. Partimos abertos a ouvir as informações fornecidas pelos nossos anfitriões e até a mudarmos de opinião, se assim nos convencessem. E informo que nossas opiniões sobre as questões econômicas não mudaram com o que lá ouvimos.

Observamos que o caso dos transgênicos na agricultura se inclui na atual agenda estratégica americana. E, nesta seara, o Brasil é foco de grande pressão das empresas e do governo daquele país pelo fato de mantermos a proibição formal aos produtos transgênicos.

Apenas como hipótese, admitamos a pertinência das supostas vantagens dos produtos transgênicos sobre os convencionais, em termos de produtividade, facilitação do trabalho, redução de custos e, portanto, de maiores rendimentos para os agricultores.

Sendo assim, qual o interesse americano em disseminar essa tecnologia no Brasil, cuja agricultura, dominantemente convencional e, portanto, sem os ?atributos de eficiência? dos transgênicos, vem ostentando performance extraordinária, que ameaça a liderança americana em vários produtos no mercado agrícola mundial?

Seria impossível não constatar que, além de atender aos interesses monopolistas das suas grandes corporações da química/biotecnologia, a pressão americana sobre o Brasil visa, ao contrário dos discursos, eliminar as vantagens econômicas relativas dos produtos convencionais, em especial da soja.

É fundamental para os agricultores americanos a quebra da oferta diferenciada brasileira ? com produtos não transgênicos --, que vem abocanhando velozmente espaços no mercado mundial em função das rejeições mantidas mundialmente aos alimentos transgênicos. Este ano, o USDA prevê que o Brasil suplantará os EUA em exportações de soja.

Assim, são dois os grandes objetivos americanos pela homogeneização transgênica da oferta de alimentos no mundo. Primeiro, sem a oferta de produtos convencionais pelo Brasil estariam minadas as resistências da Europa aos transgênicos, à medida que não restaria mais nenhum grande produtor e exportador de alimentos convencionais.

Segundo, com a quebra da diferenciação, os agricultores brasileiros se veriam na contingência de competirem com os americanos, em condições altamente desfavoráveis, posto que os agricultores são mantidos às custas de crescentes subsídios.

Cabe ainda ressaltar que as supostas vantagens dos produtos transgênicos para a agricultura não puderam ser confirmadas em nossa visita. Obviamente, a Monsanto nos mostrou dados de absoluto sucesso destas culturas nas lavouras americanas, mas que foram contestados por outras organizações do país.

E, mais importante ainda, temos que levar em conta que as sementes transgênicas são patenteadas, acarretando aos agricultores os preços mais altos das sementes, as taxas de tecnologia pagas às empresas, e, por fim os royalties, que já estão virando polêmica no Brasil. Não nos iludamos! Esta tecnologia traz consigo todos os direitos de propriedade intelectual reservados, não permitindo autonomia aos brasileiros sequer para a pesquisa, que depende de processos e genes já patenteados.

Daí que apenas por falta de informações se poderia justificar a defesa da adesão brasileira aos produtos transgênicos na agricultura, considerando, primeiro, que o fato de nos mantermos produtores de alimentos exclusivamente convencionais e orgânicos tem gerado divisas fundamentais ao bom desempenho de nossa economia e, segundo, que não há ainda evidências científicas que justifiquem ofertarmos estes produtos à alimentação da população brasileira colocando-a em risco.

Diante desses fatos cheguei a uma conclusão: não podemos condicionar a liberação dos produtos transgênicos no Brasil simplesmente em função dos interesses políticos e comerciais dos Estados Unidos. É necessário que os nossos comprovem os OGM?s não causam danos à saúde e ao meio ambiente só poderá haver a liberação de produtos transgênicos para a alimentação, se os nossos cientistas e pesquisadores comprovarem que os OGM?s não causam conseqüências danosas à saúde, pois não podemos aderir irresponsavelmente às pretensões comerciais de qualquer empresa ou país.

Assim reafirmo a necessidade do governo investir na Embrapa e nos Centros de Pesquisa, pois só assim poderemos ter um real posicionamento sobre os Organismos Geneticamente Modificados.

Aproveito o momento para agradecer a cordialidade em que fomos tratados pelo governo americano e mesmo apesar da diferença registro o diálogo franco e honesto com empresa Monsanto.

Sala das Sessões, 30 de junho de 2003.

Deputado Federal Zé Geraldo PT/PA

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