Brasil: marcha fúnebre para a floresta amazônica, por Rodolfo Salm

Causou surpresa aos ambientalistas o Plano Plurianual (PPA)2004-2007 do governo federal, que concentra suas obras de infra-estrutura na Amazônia, com 82 ações previstas para a região

O asfaltamento das rodovias Rio Branco-Boca do Acre (BR-317), Macapá-Oiapoque (BR-156), Manaus-Porto Velho (BR-319), Boa Vista-Normandia- Georgetown (BR-401), Cuiabá-Santarém (BR-163) e de trechos da Transamazônica (BR-230) abrirá novas fronteiras de colonização, catalisando a expansão agropecuária sobre toda a floresta.

Além disso, está previsto um poliduto da Petrobras, ligando Urucu a Porto Velho - cortando 520 kms de floresta numa das regiões mais remotas e preservadas da Amazônia -, através da bacia do rio Purus, onde há populações indígenas ainda não contatadas. De Manaus, uma linha de transmissão de energia elétrica até Tucuruí cruzará áreas praticamente intocadas da floresta e um gasoduto até Coari deve prejudicar a pesca de populações ribeirinhas - única atividade de subsistência destes grupos.

Entre as obras mais preocupantes estão duas hidrelétricas no rio Madeira, na altura de Porto Velho, e Belo Monte (a velha Kararaô), que, mesmo tendo suas dimensões reduzidas de uma projeção de 11 para 7 mil MW, será desastrosa para o rio Xingu, pois os efeitos indiretos de sua construção são ainda mais graves que os diretos.

Para Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, o governo Lula faz justamente o contrário do que diz seu programa de governo: "O que Lula prometeu aos eleitores era extremamente diferente". Por que há uma diferença tão absurda entre o programa de governo e o que está sendo feito agora? A resposta pode estar em contradições preexistentes, internas, do Partido dos Trabalhadores e (principalmente) das ONGs que elaboraram o programa ambiental junto à equipe da então senadora Marina Silva.

Começando pelo PT, é inegável que o presidente está Lula fazendo exatamente o contrário do que disse o programa de governo do partido. Mas sejamos justos, não é verdade que o que Lula "prometeu" era "extremamente diferente" do que se vê. Isto porque, se o programa para a área ambiental era excelente, foi praticamente ignorado durante a campanha. A preservação da Amazônia não foi tratada na propaganda da televisão, nos debates nem nas entrevistas. Pessoalmente, Lula nunca chegou a defender a preservação e, neste ponto, não diferiu em nada de José Serra. E não foi difícil escaparem do assunto, uma vez que nenhum posicionamento mais claro lhes foi cobrado.

As contradições das ONGs são mais complexas e é nelas que estão, acredito, as origens de todo o problema. Concentremo-nos na Amigos da Terra.

Em 1990, a ONG publicou uma previsão de que a última área de floresta tropical primária do planeta seria destruída até 2045. Sua matemática era simples: baseou-se na estimativa de que, no fim da década de 80, se destruíam cerca de 140.000 km2 de florestas tropicais anualmente, de um total restante na época de 7.500.000 km2. Mas foi otimista ao assumir que as taxas de desmatamento se manteriam constantes, enquanto todas as evidências indicam aumentos, de forma que a última árvore deve cair antes mesmo da data prevista.

Acontece que, em seu site na internet, a Amigos da Terra é ferrenha defensora do "manejo florestal". Sem nenhum porém, dizem que o manejo "economicamente viável" (em que os benefícios superem os custos) "garante a produção de madeira indefinidamente, a cobertura florestal, retém a maior parte da diversidade vegetal original e pode ter impactos pequenos sobre a fauna". Além do mais, florestas manejadas prestariam "serviços para o equilíbrio do clima regional e global, especialmente pela manutenção do ciclo hidrológico e retenção de carbono".

Ora, se o "manejo florestal" é tudo de bom e estradas são necessárias para o desenvolvimento das atividades madeireiras, não seria até positivo o asfaltamento de novas rodovias por toda a floresta amazônica, como planeja o governo federal?

Como se explica a contradição das ONGs? O livro Requiem for Nature, de John Terborgh, cientista norte-americano, célebre especialista em biologia tropical, traz uma possível resposta para a questão. Como biólogo, o autor foi convidado a participar de comitês de diversas ONGs de conservação internacionais e testemunhou que seus encontros são tipicamente gastos com longas discussões sobre o estado das finanças das organizações: "o que tem sido feito para arrecadar dinheiro; se os objetivos orçamentários podem ser atingidos; quais devem ser as compensações do presidente da organização; que empresa de relações públicas deve ser contratada para a próxima campanha; se se deve alugar mais espaço de escritório ou construir um novo prédio...".

Para John Terborgh, a contradição das ONGs de conservação nasce da justificativa para sua existência na crise ambiental e da forte limitação imposta pelo fato de que projeções pessimistas não atraem doadores, obrigando-as a ver o mundo através de "lentes cor-de- rosa". O governo Lula, míope desde o princípio, vendo a floresta amazônica através dessas lentes, simplesmente antecipa o seu triste fim.

- Rodolfo Salm, doutorando em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, é pesquisador do projeto Pinkaiti Aldeia A'Ukre.

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