Brasil: megaprojetos incentivam o desmatamento na Amazônia

Recentemente, o então ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, prometeu que o Ibama reveria a licença ambiental do gasoduto entre o poço de Urucu e a cidade de Porto Velho, porque o projeto prevê a abertura de uma estrada de 15 a 30 metros de largura ao longo de 500 quilômetros de região intacta e vulnerável da floresta amazônia

No meio de outubro, o ministro cumpriu a promessa e evidenciou que, mesmo dentro do governo, essas super obras são polêmicas.

O gasoduto é apenas um dos problemas que os ambientalistas apontam no Programa Avança Brasil, do qual Urucu-Porto Velho faz parte. O programa, cujo nome técnico é
Plano Plurianual (PPA), é um conjunto de megaprojetos de infra-estrutura nas áreas de energia, transporte e comunicações para a Amazônia.

Tem de tudo: de reasfaltamento de estradas à construção de hidrelétricas, e até a contratação da consultoria Booz&Allen para avaliar o texto original do PPA - que ela
mesma havia redigido.

Sobre a questão dos eixos de desenvolvimento, Adriana Ramos, coordenadora do ISA, explica que há uma sobreposição com as áreas de preservação da biodiversidade, o
que explica a preocupação das entidades com o planejamento.
Os ambientalistas afirmam que a expansão da rede de estradas objetiva a facilitar o escoamento da produção agrícola dos grandes latifúndios. "O programa tem como objetivo fundamental o transporte de grãos, de grandes fazendas, com baixo valor agregado. O que significa dizer que a estrada vai servir como ligação de uma ponta a outra, da produção ao escoamento", acusa Adriana Ramos.

'Cuiabá-Santarém favorece multinacional'

Junto com o Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), de Belém (PA), o ISA estudou a implementação de grandes projetos em áreas densamente florestadas e
concluiu que, mesmo sem a abertura de novas estradas, o asfaltamento de antigas rodovias pode trazer grandes prejuízos ambientais. As ONGs citam por exemplo, o caso da
rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), em uma faixa de apenas 50km ao longo de quatro trechos da estrada, de 120 mil a 270 mil km² em área de floresta praticamente
virgem e riquíssima em biodiversidade, poderão ser desmatados em um período de 25 a 35 anos.

"As rodovias são áreas de grande incidência de desmatamento', alerta Adriana. O estudo do qual ela tomou parte denuncia que o corte da floresta traria três 'ciclos viciosos' de empobrecimento ambiental. O primeiro seria a procura de terras nas margens das estradas pavimentadas, o que estimularia a implantação de pecuária extensiva e da agricultura de corte a partir da queima da floresta. O ciclo posterior seria a exploração madeireira e fortes períodos de seca, que aumentariam a superfície de floresta queimada. No último ciclo, a expansão do desmatamento inibiria a ocorrência de chuvas e diminuiria a evaporação típica da região. A melhoria das estradas também atrairia grandes quantidades de migrantes e intensificaria a presença dos grileiros e dos conflitos fundiários. Para o biólogo Paulo Moutinho, do Ipam, a ocupação desordenada e a melhoria da qualidade das rodovias provocaria, além de desmatamentos, a extração ilegal de madeira. 'Das atividades madeireiras na Amazônia, 90% são ilegais. Qualquer governo deve considerar que esses projetos de infra-estrutura geram grandes perdas de biodiversidade e clima.'

Há quem discorde. O secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Desenvolvimento, José Silveira, sustenta que o programa para a Amazônia
teve como base a sustentabilidade. 'Todos os condicionantes ambientais foram levados em conta. Não há estradas novas, nenhum quilômetro novo de rodovia. Isso foi proposital. Buscamos um novo padrão de desenvolvimento.' Ele explica que foi dada prioridade as hidrovias e a energia limpa, como gás natural para suprir Manaus e Porto Velho, grandes centros da região. O programa conta apenas com a construção de uma hidrelétrica, Belo Monte, no Pará, cujo projeto, depois de várias análises e embate com ambientalistas, promoverá um
alagamento menor do que o previsto no projeto original. Como forma de não afetar a floresta e ampliar as relações internacionais, a rodovia BR-156, que liga Macapá com a Guiana Francesa, foi restaurada. 'Reduzimos o impacto. O desenho da infra-estrutura foi feito sem atingir a floresta', garante Silveira. Conhecido como Corredor Fronteira Norte, essa parte do programa visa a utilizar a BR-364 para ligar Rio Branco, capital do Acre, ao Peru, através da floresta amazônica intocada.

Adriana Ramos reconhece que a atitude do Ministério do Planejamento é um avanço, mas ressalta que outras autarquias responsáveis pelas obras não têm demonstrado interesse nas questões ambientais. 'Ainda é preciso mudar a cultura do investimento público em infra- estrutura', pondera.
Adriana lembra que até as hidrovias, aparentemente inofensivas, devem ser vistas de maneira cuidadosa. 'O uso do Rio Araguaia na época da seca precisaria de uma intervenção monumental para se tornar navegável. Como é arenoso, seriam necessárias ações de dragagem constantes', explica. O impacto maior, segundo ela, recairia sobre comunidades
ribeirinhas. 'Isso aumentaria a demanda por terras e a contaminação das águas. As comunidades indígenas vivem da pesca, o que poderia ameaçar a segurança alimentar dessas populações.'

É possível usar a floresta sem degradar

A coordenadora do ISA alerta que 'o conceito de sustentabilidade tem várias definições. Uma proposta é levar para a Amazônia um tipo de produção que não é natural, vendo a região como geradora de riqueza para o país e não para a comunidade local, como a geração de energia dos rios amazônicos para o país todo'. Paulo Moutinho, do Ipam, avalia que 'é preciso um projeto que use a floresta como alavanca para o desenvolvimento. Produção agrícola com intensificação nas áreas já abertas, ao mesmo tempo que gere o manejo racional da floresta.'

O diretor do Ipam acredita no uso da floresta, sem degradação, com inclusão social. 'As populações ribeirinhas do Rio Tapajós em Santarém usam a madeira que cai na
floresta naturalmente e produz móveis artesanais. Antes, cada família gerava cerca de seis reais por dia. Agora, consegue tirar 20.' Para Moutinho, 'na Amazônia, está a última
oportunidade de a humanidade fazer o tão sonhado desenvolvimento sustentável. Ela é diferente de outras áreas onde a única alternativa é a preservação, como a Mata Atlântica'.(CLIPPING - ICV/ Revista Ecologia e Desenvolvimento)

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