Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos: Trem da Soja

Saiu no último sábado a caravana de parlamentares apelidada pelo jornalista Rubens Valente (Folha de São Paulo) de ?Trem da Soja?

Boletim Número 164 da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

Um grupo de deputados federais -- Josias Gomes (PT/BA), Nilson Mourão (PT/AC), Paulo Pimenta (PT/PE), Zé Geraldo (PT/PA), Fernando Ferro (PT/PE), Givaldo Carimbão (PSB/AL) e Luiz Carlos Heinze (PP/RS) -- aceitou o convite oficialmente feito pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil para uma visita aos EUA e à África do Sul com o objetivo de ?discutir a biotecnologia do ponto de vista das indústrias americanas, dos grupos de interesse do setor de agricultura e alimentos, do governo dos EUA, bem como do ponto de vista de produtores de pequena escala da África do Sul? (conforme roteiro organizado pela Embaixada).

Integram ainda a comitiva o assessor do Ministro-Chefe da Casa Civil, Érico Feltrin, encarregado pela Casa Civil de acompanhar o processo de elaboração do projeto de lei que o governo federal encaminhará ao Congresso Nacional regulamentando a questão dos transgênicos no Brasil, e Marcos Afonso, Diretor Administrativo do Ministério das Relações Exteriores.

Segundo matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 18/06 (dia em que o grupo partiu de viagem), ?a comitiva será acompanhada desde o Brasil por cinco funcionários brasileiros da empresa (Monsanto), incluindo os diretores de relações governamentais, de assuntos corporativos e de marketing?.

A matéria continua: ?A Monsanto seria a principal beneficiada com uma autorização para plantio e comercialização das sementes transgênicas no Brasil. Ela é filiada às Abrasem (Associação Brasileira de Sementes), que vai pagar as passagens aéreas. Uma viagem de ida e volta a Washington (EUA), primeiro destino da comitiva, custava ontem R$ 9.637. O gasto total da Abrasem poderá chegar a R$ 231.288,00 (há 24 passageiros). A maior parte da comitiva recebeu as passagens e uma ajuda de custo de US$ 600 das mãos da embaixadora dos EUA em Brasília, Donna Hrinak.?

Indagado pelo repórter da Folha sobre os aspectos éticos da viagem, Érico Feltrin, representante da Casa Civil, respondeu: ?Eu não tinha analisado o assunto sob esse aspecto. Nossa intenção é ter acesso a todo tipo de informação sobre o assunto.? O repórter acrescenta: ?O Código de Conduta da Alta Administração Federal autoriza, no parágrafo único do artigo 7o, a participação de servidores em ?seminários, congressos e eventos semelhantes?, desde que o promotor do evento não tenha ?interesse em decisão a ser tomada pela autoridade?.

Durante o governo FHC, Érico Feltrin era subgerente de projeto no Departamento de Planejamento Agrícola do Ministério da Agricultura. Ele ocupava um cargo de confiança da equipe do ex-ministro Marcus Vinícius Pratini de Morais, antigo e ferrenho defensor da liberação dos transgênicos no País. Fontes de Brasília afirmam que Érico está na Casa Civil ?por obra? da ala pró-transgênicos do governo.

Segundo notícia publicada no Jornal Valor Econômico em 16/06, está sendo criada uma comissão de doze deputados para avaliar na Câmara o PL que o governo encaminhará. Segundo a notícia, o Dep. Josias Gomes, que integra a comitiva, será o coordenador desta comissão (o Dep. Josias foi o relator no Congresso da MP 113, que autorizou a comercialização da soja transgênica produzida ilegalmente no País na safra 2002/03).

Esta viagem começou a ser gestada em 2002 e sua realização foi então incentivada pelo Dep. Marcos Afonso (PT/AC), que não se recandidatou à reeleição. Quando as entidades da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos tomaram conhecimento da proposta de turnê, em novembro de 2002, sugeriu, primeiro, que os parlamentares não aceitassem o convite e, num segundo momento (com o convite já aceito), indicou uma lista de mais de 15 contatos de cientistas e entidades de consumidores e agricultores americanos críticos aos transgênicos que deveriam ser também procurados pelos parlamentares.

Nesta ocasião os parlamentares enviaram a lista de contatos à Embaixada Americana e assumiram o compromisso de só embarcarem para os EUA se o roteiro estivesse equilibrado entre pró e contra transgênicos. A Embaixada preferiu adiar a viagem.

Este ano a proposta foi retomada, tendo como novo interlocutor na Câmara o Dep. Nilson Mourão. Soubemos do fato quando o próprio Dep. Nilson Mourão convidou representantes da Campanha para acompanharem a comitiva como observadores. Reapresentamos a lista de contatos nos EUA e os deputados reafirmaram o compromisso de só aceitarem participar se o roteiro estivesse equilibrado.

O roteiro final apresentado aos viajantes apenas na semana passada inclui apenas duas ONGs críticas aos transgênicos, a Amigos da Terra e o Centro para Ciência em Prol do Interesse Público.

O restante dos contatos está sendo feito com o Departamento de Agricultura do Governo Americano (USDA, em inglês), o Conselho Internacional de Informação sobre Alimentos (IFIC), o Centro de Política Agrícola e de Alimentos (NCFAP), a Comissão de Agricultura da Câmara de Deputados, o Conselho Empresarial Brasil-EUA, o Departamento de Estado, a Agência do governo americano que regulamenta alimentos e medicamentos (FDA), Associação Nacional de Produtores de Milho (NCGA), a Monsanto de Creve Coeur e a Monsanto de Chesterfield Village.

Na África do Sul, o grupo visitará duas propriedades rurais ligadas ao Centro Social dos Agricultores, o Departamento Nacional de Agricultura (NDA), o Instituto de Vegetais e Plantas Ornamentais (ARC Roodeplaat), a Asociação de Fabricantes de Rações Animais e a empresa OTK (de agribusiness).

Em ambos os países também estão previstos encontros com os embaixadores do Brasil e jantares executivos e apresentações com representantes da Monsanto.

Integram a comitiva a título de observadores dois assessores do PT na Câmara, dois representantes de ONGs brasileiras (Inesc - Instituto de Estudos Sociais e Econômicos e Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria), quatro cientistas e um representante da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Hoje (18/06) alguns dos observadores enviaram ao Brasil um breve relato sobre os primeiros dois dias de atividades. O ponto mais destacado foi a surpresa dos parlamentares com a ?revelação de que o FDA não faz qualquer teste para certificar a segurança dos alimentos transgênicos. Esta instituição apenas homologa o que as empresas dizem. Essa afirmação jogou por terra abaixo a suposta cientificidade com que os funcionários do governo americano alegam tratar o tema. Depois, para enfatizar a falta de critério, controle e transparência nos OGMs, ele (o representante da ONG Centro para Ciência em Prol do Interesse Público) afirmou que estes produtos não constam no livro vermelho do FDA, documento que trata detalhadamente da certificação de alimentos nos EUA?.

Se por um lado não era necessário ir aos EUA para ter acesso a estas informações (a Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos divulga estes dados no País há pelo menos quatro anos), tem seu lado positivo nossos parlamentares ouvirem-nas ?direto na fonte?. Mas, que peso elas terão diante de todas as outras fornecidas pelo time da Monsanto durante o resto da visita, saberemos no final.

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