Continua polêmica em torno da ajuda alimentar transgênica enviada pelos Estados Unidos a países africanos

Como foi relatado no Boletim 136, em 29 de outubro o governo da Zâmbia tomou a decisão final de não aceitar ajuda alimentar dos Estados Unidos contendo grãos transgênicos.

Outros países africanos (Zimbábue e Moçambique) que há poucos meses tomaram iniciativas semelhantes acabaram se rendendo à pressão internacional e aceitando os suprimentos de grãos transgênicos, exigindo apenas que fossem entregues moídos, de modo a evitar sua utilização como sementes.

 

Em 15 de outubro, Jean Ziegler, Relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, manifestou-se contrário à distribuição de alimentos transgênicos para populações africanas, o que levou o governo americano a acusá-lo de violação de seu mandato. Em 11 de novembro, o embaixador americano Sichan Siv, representante dos Estados Unidos no Conselho Social e Econômico da ONU, fez uma declaração criticando a posição de Ziegler na Assembléia Geral da Organização.

 

Em resposta, Ziegler divulgou, em 12 de novembro, uma nota à imprensa* contestando o argumento de que produtos transgênicos sejam indispensáveis para vencer a subnutrição e a fome e afirmando que estes alimentos colocam riscos de médio e longo prazo aos seres humanos e à saúde pública, ressaltando que a comunidade científica internacional está profundamente dividida sobre o tema. Ziegler também evocou o princípio da precaução, que deveria ser considerado quanto ao uso massivo de organismos geneticamente modificados sobre vastos territórios e afirmou que, segundo o Diretor Geral da FAO (Órgão das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), Jacques Diouf, existem suprimentos suficientes de alimentos não transgênicos para alimentar as populações famintas do terceiro mundo. Argumentou ainda que o uso extensivo de sementes transgênicas na agricultura provocará um agravamento da miséria das populações rurais.

 

Leia abaixo o artigo de Jean Marc von der Weid, coordenador de Políticas Públicas da AS-PTA** e da Campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”, publicado no jornal O Globo em 13 de novembro, sobre o mesmo tema:

 

Ajuda Alimentar Contaminada Com Transgênicos

 

A recusa do governo da Zâmbia de aceitar alimentos contaminados com transgênicos levantou uma celeuma que responde, no fundo, à estratégia das empresas que controlam estes controversos produtos.

 

É preciso saber que os produtos transgênicos produzidos nos Estados Unidos só se vendem porque não há rotulagem naquele país e porque o governo está compensando os agricultores com subsídios da ordem de 10 bilhões de dólares por ano e com compras destinadas à distribuição para ajuda alimentar aos países pobres.

 

Os alimentos transgênicos são o grande mico deste início de século e as empresas que os produzem, Monsanto, Syngenta e Dupont, entre outras menores, dependem da ajuda do governo americano para não serem varridas do mercado pela rejeição dos consumidores, inclusive americanos.

 

A ajuda alimentar já foi muito questionada como cínico instrumento de penetração de produtos e empresas em mercados dos países receptores, com perigosos efeitos locais. O mais evidente é a criação de padrões de consumo baseados em produtos de difícil produção nacional, como o trigo na África, por exemplo. Pior ainda é chantagear um país pobre, com uma crise social profunda e milhares de famintos, para que consumam alimentos que são rejeitados em todo o mundo. É simplesmente indecente!

 

Se o objetivo é ajudar os famintos e não desovar os estoques encalhados de produtos transgênicos americanos o que deve ser feito já é sabido há muito tempo. Muitas vezes o problema da fome não é falta de produção nacional mas falta de dinheiro para comprar alimentos. É o caso do Brasil, por exemplo. Em países pobres os governos não têm recursos para comprar alimentos e distribuí-los de graça e apelam para a ajuda internacional. Nestes casos, doar alimentos, transgênicos ou não, é contraproducente, pois vai arruinar os agricultores e engrossar o número de famintos. Seria preciso doar dinheiro para que os governos pudessem comprar produtos nacionais e distribuí-los.

 

Se há uma crise de produção nacional de alimentos e incapacidade dos governos de comprá-los nos mercados externos, mais uma vez a solução inteligente não é distribuir excedentes dos países ricos, mas ajudar a comprar os produtos da dieta básica do país em questão nos mercados regionais e internacional. Entupir um país africano com trigo e derivados é criar problemas para o futuro resolvendo o problema imediato.

 

Só em último caso, e por períodos tão curtos quanto possível, é que se deve aproveitar os excedentes dos países ricos como ajuda alimentar. A experiência internacional mostra que a fórmula, que parece óbvia, de doar o que sobra do norte para os famintos do sul é boa para o norte, mas cheia de problemas de longo prazo para o sul. E que não se diga que faminto não tem escolha, deve comer o que lhe derem! Se a intenção é ajudar e não resolver seus próprios problemas há, certamente, outras opções que impor alimentos ao sul que os consumidores do norte recusam-se a comer por considerá-los, certo ou errado, arriscados.

 

* Leia a íntegra da Nota de Jean Ziegler clique aqui

 

** AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa

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