Desafios do campesinato brasileiro: a UNDROP como instrumento de luta
A Via Campesina Brasil apresenta uma contribuição escrita (disponível em português e inglês ) ao Grupo de Trabalho da ONU sobre a UNDROP, delineando os principais desafios do campesinato brasileiro. Preparado coletivamente após a realização de uma capacitação sobre a UNDROP para organizações brasileiras de VLC, o texto também apresenta uma visão coletiva sobre o estado atual da participação de dois campesinos e camponesas no Brasil.
Durante os meses de janeiro e março de 2025, foi realizada uma capacitação sobre a Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas (UNDROP) para organizações integrantes da Via Campesina Brasil, com o apoio da organização de direitos humanos Terra de Direitos e do CETIM. Esta foi a primeira capacitação voltada para a UNDROP para movimentos sociais e organizações rurais de base no Brasil, sendo um exemplo prático da implementação da estratégia da Via Campesina Internacional de realizar capacitações sobre a Declaração para suas bases nos mais diversos países.
O objetivo da formação não foi apenas tornar a UNDROP conhecida entre os seus detentores de direitos, mas também facilitar e encorajar a apropriação popular desta Declaração pelos camponeses e outras populações rurais nas suas lutas políticas e jurídicas a nível local, nacional, regional e internacional. A formação também tem como objetivo central a elaboração de um plano estratégico de advocacy, em conjunto com diversas instituições governamentais, jurídicas e políticas, visando a implementação da Declaração com a participação ativa da população do país e de outros grupos rurais cujos direitos estão consagrados na UNDROP.
No âmbito desta primeira formação no Brasil, os participantes de dois movimentos sociais diversos que integram a Via Campesina Brasil estudarão a história do processo de construção da UNDROP e o conteúdo do instrumento, destacando as preocupações do país com a terra, a biodiversidade, as sementes e a soberania alimentar. No segundo momento, discutiremos casos específicos de violações das regras estabelecidas pela UNDROP que ocorrem em território nacional, perpetradas especialmente por empresas transnacionais e proprietários rurais.
Aproveitando o capital político de dois movimentos sociais atuais, promover a implementação da UNDROP a partir de uma perspectiva popular é crucial no âmbito do trabalho árduo e de longo prazo por justiça social, reforma agrária e soberania alimentar da população rural brasileira. Nesse sentido, o plano estratégico elaborado coletivamente durante a formação traz uma importante clareza sobre o caminho a ser trilhado visando à promoção e implementação da UNDROP no Brasil e à tradução de suas disposições tanto no campo jurídico quanto em políticas públicas.
Dentre as diversas iniciativas a serem realizadas, destaca-se a articulação com a Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente com seu recém-criado Grupo de Trabalho (GT) sobre a UNDROP . Ao participar dos debates do GT e colaborar com nosso trabalho, as organizações rurais e rurais de todo o mundo podem utilizar esse mecanismo internacional para avançar na implementação da UNDROP em seus respectivos países. Afinal, uma das funções do GT é justamente recomendar, apoiar e acompanhar os países-membros da ONU na implementação da Declaração, para que ele possa ser o vetor direto na elaboração de políticas públicas, programas e leis que reparem de fato as desigualdades no campo.
Em março de 2025, o GT lançou uma chamada pública para que organizações rurais e rurais, bem como governos e outras instituições, colaborem com seus próximos dois estudos nos quais serão abordados os seguintes temas: i. tendências globais nos desafios que afetam o meio rural; ii. direcionar dois homens e mulheres em participação igualitária. Assim, a Via Campesina Brasil, por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em conjunto com a Terra de Direitos e com o apoio técnico do CETIM, submeteu um documento para contribuir com os estudos do GT a partir de dois Desafios do campesinato brasileiro.
O documento, disponível aqui, apresenta uma perspectiva coletiva sobre a atual conjunção de dois desafios do país no Brasil, que se resume a seguir:
Os camponeses, pescadores artesanais, povos tradicionais e trabalhadores rurais no Brasil enfrentam desafios estruturais que afetam seus modos de vida e direitos fundamentais. A concentração de conflitos fundiários e agrários é agravada pela ausência de reforma agrária e pela privatização de áreas comuns, levando à violência e à impunidade. Além disso, o acesso a políticas públicas é limitado pela burocracia, pela falta de assistência técnica e infraestrutura, em face da crise climática e de grandes projetos, como barragens, que deslocam comunidades e degradam o meio ambiente. A identidade cultural camponesa também é ameaçada pelo avanço do agronegócio, que substitui práticas sustentáveis por monoculturas e intensifica o uso de agrotóxicos. A criminalização das lutas por direitos territoriais e a falta de acesso à justiça também perpetuam a vulnerabilidade dessas populações, especialmente indígenas, quilombolas e extrativistas, que sofrem com a violência e a exclusão social.
A participação direta de camponeses e trabalhadores rurais em decisões políticas ainda enfrenta barreiras significativas no Brasil. Exclusivamente para esses grupos está a falta de acesso à informação, a dificuldade de representação política efetiva e a ausência de consultas prévias, livres e informadas, especialmente em processos de licenciamento ambiental e na formulação de políticas públicas. Comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, frequentemente têm seus direitos violados, sem canais adequados para influenciar decisões que impactam seus territórios e modos de vida. Além disso, a marginalização política é agravada pela predominância do agronegócio, que concentra poder e recursos, limitando a voz da agricultura familiar e dos pequenos produtores nos espaços decisórios nacionais e internacionais.
Apesar desses desafios, existem mecanismos e políticas que buscam ampliar a participação rural, como os conselhos de desenvolvimento agrícola (CONDRAF), fóruns de discussão e programas de fortalecimento da agricultura familiar. A Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas (UNDROP) e a Convenção 169 da OIT oferecem bases legais para exigir consultas participativas. No entanto, a eficácia desses instrumentos depende da pressão social, do acesso à justiça e do compromisso do Estado em garantir que as vozes do campo sejam ouvidas. Os movimentos sociais têm desempenhado um papel crucial nessa luta, promovendo marchas, ocupações de terra e incidência política para garantir que as iniciativas participativas não sejam meramente formais, mas mais concretas e transformadoras.
Por exemplo, na Via Campesina Brasil, a implementação de processos de capacitação sobre a declaração em nível nacional e/ou regional, a elaboração de um plano estratégico para os movimentos locais para sua promoção e a participação no Grupo de Trabalho da ONU sobre a UNDROP são etapas essenciais para a implementação da UNDROP em nível nacional e internacional. Este é um caminho fundamental para dar vida à declaração a partir das bases, por meio da apropriação de dois direitos por seus titulares e da integração da UNDROP em suas lutas políticas e jurídicas por justiça social e direitos humanos no campo.
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