Legislação brasileira não consegue impedir a biopirataria, por Amazon Link
Andiroba, copaíba, ayahusca, curare, açaí e muitos outros produtos e derivados da flora e de espécies da fauna brasileira já têm marcas e patentes registradas no exterior. Desde o descobrimento do país, quando os portugueses se apropriaram do segredo da extração do pigmento vermelho do Pau Brasil, milhares de espécies nativas são contrabandeadas e transformadas em patentes internacionais
O registro comercial de recursos naturais alheios não é nenhuma novidade, até porque não existe nenhuma legislação internacional que proíba tal atividade, uma vez que o sistema de patentes não protege aquele que detém a biodiversidadade ou o conhecimento tradicional, mas quem desenvolve novas tecnologias. Na maioria dos casos, os países patenteiam apenas os produtos produzidos a partir de determinadas substâncias extraídas de plantas ou animais, mas também existem casos de patentes de plantas inteiras.
A recente tentativa japonesa de patentear o cupuaçu da Amazônia é apenas mais um capítulo da longa história de biopirataria em território nacional. A diferença é que desta vez a mobilização da opinião pública brasileira poderá impedir que o fato seja concretizado.
O registro comercial do cupuaçu pela empresa Asahi Foods é contestado na justiça japonesa por organizações brasileiras e deve levar até um ano para ser julgado. O argumento de defesa é muito simples: cupuaçu é o nome de uma planta indígena que caracteriza a própria fruta e, como tal, não é passível de virar marca registrada.
A biopirataria não é apenas o contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna. É uma atividade altamente rentável, que movimenta bilhões de dólares e inclui a apropriação e monopolização de conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. E o Brasil, a exemplo de grande parte dos países em desenvolvimento, ainda não dispõe de um sistema de proteção legal dos direitos de propriedade intelectual de comunidades tradicionais.
Nos últimos anos, o avanço da biotecnologia e a fragilidade das leis nacionais e internacionais de proteção dos recursos genéticos multiplicaram as possibilidades deste tipo de atividade, tornando os países detentores de biodiversidade alvos fáceis para a biopirataria. Na era da biotecnologia e da engenharia genética tudo que se precisa para reproduzir uma espécie são algumas células facilmente contrabandeadas e dificilmente detectadas por mecanismo de vigilância.
Retirar material biológico clandestinamente de um país não exige sequer muita criatividade. O bolso, a caneta, o frasco de perfume, o estojo de maquiagem, os cigarros, os adornos artesanais, as dobras e costuras das roupas são esconderijos utilizados. Existem diversas maneiras de esconder fragmentos de tecidos, culturas de microorganismos ou minúsculas sementes sem a necessidade de grandes aparatos.
Detentor de 23% da biodiversidade do planeta, o Brasil é presa fácil para a cobiça internacional. De acordo com cálculos do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o patrimônio genético nacional tem um valor potencial estimado de US$ 2 trilhões. São milhares de plantas, frutas, mamíferos, peixes, anfíbios e insetos, muitos deles ainda não descritos pela ciência.
Além dos materiais genéticos levados clandestinamente ou legalmente exportados, calcula-se que anualmente cerca de 38 milhões de animais silvestres atravessam as fronteiras ilegalmente, sendo que grande parte deste total é levada para fins de biopirataria, como é o caso das serpentes, cujos venenos são pesquisados para servirem de princípios ativos na fabricação de medicamentos.
No Brasil, a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais são protegidos pela Medida Provisória 2.186 de 2001, que condiciona o acesso a recursos naturais à autorização da União e prevê a repartição de benefícios, se houver uso e comercialização. Outros tantos projetos de lei sobre o assunto também tramitam no Congresso Nacional, entre eles o da senadora e atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que estabelece as condições para autorização de acesso a recursos genéticos nacionais.
O assunto é tão grave que gerou até a abertura de uma CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres, além de várias iniciativas do Legislativo e do Executivo para combater a biopirataria. No final de 2002, diversas comissões do Senado aprovaram um projeto de lei destinado a regulamentar o artigo 225 da Constituição que trata do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. O governo enviou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que prevê penas de um a oito de prisão para quem desrespeitar a legislação que protege a fauna e a flora. A Câmara também analisa a proposta de emenda constitucional que transforma os recursos genéticos em patrimônio da União.
Tais iniciativas mostram a determinação do governo em preservar o patrimônio genético do país, mas na pratica isso pouco interfere nos mecanismos para a retirada de organismos, extratos químicos ou substâncias, sejam por meio da exportação ou da biopirataria, que continuarão, segundo especialistas, quase impossíveis de serem combatidos.
O combate a biopirataria depende mais de leis internacionais do que nacionais. Pesquisadores e especialistas no assunto concordam que sem a consolidação de acordos e tratados que proíbam o registro e o patenteamento de recursos naturais que não tenham sua procedência claramente definida, a biopirataria continuará sendo um negócio rentável.
Várias iniciativas neste sentido vêm sendo tomadas nas últimas décadas, mas os resultados ainda se mostram pífios. Até pouco tempo, o acesso aos recursos genéticos era livre, pois a biodiversidade era considerada um patrimônio da humanidade. Os países só passaram a ter direitos sobre seus recursos biológicos em 1992, quando 182 países assinaram a Convenção sobre Diversidades Biológicas (CDB) durante a Conferência Mundial de Meio Ambiente (Eco 92), no Rio de Janeiro.
No ano passado, dez anos após a Eco 92, os países signatários da CDB fecharam um acordo mundial para regulamentar os lucros gerados pelo patenteamento de conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais. O acordo prevê que uma parte dos lucros deve ser necessariamente do país de origem e para as comunidades tradicionais que conhecem as propriedades medicinais das planta
Agora, o debate da vez é a compatibilização da CDB com o acordo sobre a propriedade intelectual da OMC - Organização Mundial do Comércio, conhecido como Trips. A intenção é incluir no Trips um dispositivo que contemple a proteção dos conhecimentos tradicionais e dos recursos genéticos. A proposta encontra forte resistência dos paises desenvolvidos que dominam a biotecnologia e a engenharia genética, e promete consumir mais alguns anos de negociações.
Em diversos artigos publicados no Brasil e no exterior, o pesquisador e ex-diretor do Inpa - Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Ozório Fonseca, dá a receita para brecar a biopirataria: fazer primeiro e/ou fazer junto. Para fazer primeiro, é necessário investir solidamente em ciência e tecnologia e criar um parque industrial capaz de processar as biotas e seus produtos. Para fazer junto, é preciso incrementar os convênios nacionais e internacionais, de modo que os novos conhecimentos, tecnologias e produtos resultantes de projetos de pesquisa possam ser patenteados pelas partes conveniadas. (Agência Brasil)
BIOPIRATARIA NA AMAZÔNIA
O termo "biopirataria foi lançado em 1993 pela ONG RAFI (hoje ETC-Group) para alertar sobre o fato que recursos biológicos e conhecimento indígena estavam sendo apanhados e patenteados por empresas multinacionais e instituições cientificas e que as comunidades que durante séculos usam estes recursos e geraram estes conhecimentos, não estão participando nos lucros.
De modo geral, biopirataria significa a apropriação de conhecimento e de recursos genéticos de comunidades de agricultores e comunidades indígenas por indivíduos ou por instituições que procuram o controle exclusivo do monopólio sobre estes recursos e conhecimentos.
Por enquanto, ainda não existe uma definição padrão sobre o termo biopirataria (baseado no relatório final da Comissão sobre direitos de propriedade intelectual -CIPR).
A biopirataria não é apenas o contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna mas principalmente, a apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. Ainda existe o fato de que estas populações estão perdendo o controle sobre esses recursos. No entanto, esta situação não é nova na Amazônia.
Este conhecimento portanto, é coletivo, e não simplesmente uma mercadoria que se pode comercializar como qualquer objeto no mercado.
Porém, nos últimos anos, através do avanço da biotecnologia, da facilidade de se registrar marcas e patentes em âmbito internacional, bem como dos acordos internacionais sobre propriedade intelectual, tais como TRIPS - Tratado Sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio Internacional. Este acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 1995 permite praticamente a globalização de patentes. O TRIPS garante a empresas o direito de proteger suas patentes em todos os países membros do OMC - atualmente 142. As possibilidades de tal exploração se multiplicaram.
No entanto, existem também esforços para reverter este quadro:
- Em 1992, durante a ECO-92 no Rio de Janeiro, foi assinado a Convenção da Diversidade Biológica que visa, entre outros, a regulamentação do acesso aos recursos biológicos e a repartição dos benefícios oriundos da comercialização desses recursos para as comunidades.
- Em 1995, a Senadora Marina Silva (a partir de 2003, Ministra de Meio Ambiente do Brasil) apresentou um projeto de lei para criar mecanismos legais para por em pratica as providências da Convenção da Diversidade Biológica.
- Em Dezembro 2001, Pajés de diferentes comunidades indígenas do Brasil formularam a carta de São Luis do Maranhão, um importante documento para OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual da ONU), questionando frontalmente toda forma de patenteamento que derive de acessos a conhecimentos tradicionais.
- Em maio de 2002, dez anos após a Eco 92 houve em Rio Branco - Acre, o workshop "Cultivando Diversidade". 0 evento foi realizado pela ONG internacional GRAIN (Ação Internacional pelos Recursos Genéticos) em parceria com o GTA-Acre. Participaram deste evento mais de 100 representantes de agricultores, pescadores, povos indígenas, extrativistas, artesãos e ONGs de 32 países da Ásia, África e América Latina, os quais formularam o "Compromisso de Rio Branco", alertando sobre a ameaça da biopirataria e requerendo, entre outros, que patenteamento de seres vivos e qualquer forma de propriedade intelectual sobre a biodiversidade e o conhecimento tradicional sejam banidos.
Entretanto, estes esforços parecem tímidos quando comparados à ganância dos especuladores e das empresas multinacionais que vêm cada vez mais se apossando, de maneira indescente, das riquezas da Amazônia.
Publicado en UMA Jornal Digital (Universidade Livre da Mata Atlântica)