MST: o governo Lula não entendeu o recado das urnas, diz Stédile

Idioma Portugués
País Brasil

Na opinião de João Pedro Stédile, o mais conhecido líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), está em curso no planeta uma disputa entre dois modelos de produção agrícola - e é isso que explica os conflitos do movimento com as transnacionais

MST reforça ataque ao agronegócio

Em entrevista ao Estado de S.Paulo, 9-04-2007, ele também falou sobre a administração de Luiz Inácio Lula da Silva, que seria mais conservadora hoje do que foi nos últimos quatro anos, durante o primeiro mandato.

Projeto dos Sem Terra

Está em curso no Brasil e em todas as regiões agrícolas do mundo uma disputa de projetos sobre a forma de produção agrícola. De um lado defendemos que a agricultura deve priorizar a produção de alimentos, a geração de emprego, a fixação das pessoas no meio rural e a prática de uma agricultura que proteja o meio ambiente, sem agrotóxicos. Também queremos que as agroindústrias sejam controladas por cooperativas, gerando mais renda para o agricultor.

Projeto do agronegócio

Do outro lado está a proposta, que no Brasil se chamou de agronegócio, de uma grande aliança entre as empresas transnacionais que controlam os insumos, o mercado internacional, os preços dos produtos agrícolas, associadas aos grandes proprietários capitalistas. Eles querem produzir apenas mercadorias que dêem lucro e para o mercado externo. Usam mecanização e agrotóxico de forma intensiva e agridem o meio ambiente, além de causar desemprego.

Governo Lula

Infelizmente o governo Lula não entendeu o recado das urnas do segundo turno e voltou a fazer alianças políticas e de classe que representam a adesão pragmática da direita com o governo. A direita só quer ganhar dinheiro e manter a exploração e para isso se alia e controla qualquer governo, mesmo que seja de um ex-líder operário.

Nas avaliações recentes dos movimentos sociais tem sido dito que é um governo mais conservador, de centro e pragmático, para atender aos interesses do capital financeiro e das transnacionais.

Reeleiçao

Nos mobilizamos pela reeleição de Lula porque seria um desastre uma vitória do Geraldo Alckmin (PSDB). E a resposta prática que tivemos é que tudo continuará igual.

Reforma Agrária

É uma vergonha. Durante o primeiro mandato, o governo não fez nada do que havia prometido. Não aplicou seu próprio plano de reforma agrária. Não aplicou um centavo em agroindústrias cooperativadas. Não assentou verdadeiramente em áreas reformadas.

Os burocratas de plantão fantasiaram os números das metas com famílias realocadas em lotes vazios e em projetos de colonização na Amazônia - como a imprensa tem denunciado. Os estudiosos nos dizem que não houve desconcentração da propriedade da terra nesses últimos 12 anos.

Concentração de terras

Nós precisamos urgentemente de um plano sério e prioritário de reforma agrária, que ataque a vergonhosa concentração da propriedade, que priorize regiões próximas dos centros consumidores, que combine distribuição de terra com educação, agroindústria, técnicas agrícolas e respeito ao meio ambiente.

Em parceria com Via Campesina, movimento planeja um mês inteiro de ações contra empresas transnacionais

Roldão Arruda

O Movimento dos Sem-Terra (MST) decidiu intensificar o ataque às grandes empresas do agronegócio. Especialmente as de capital internacional - também chamadas de transnacionais. Um sinal claro disso foi dado no início do mês de março, quando, em associação com a Via Campesina, o movimento realizou protestos contra essas empresas em vários Estados. Estuda-se agora a possibilidade de dedicar um mês inteiro a novas mobilizações contra elas.

Em março, no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo, ativistas ligadas ao MST e à Via Campesina ocuparam terras de reflorestamento de três empresas do setor de celulose - Aracruz, Votorantim e Stora Enso; no Paraná, fizeram protestos diante da Nortox, fabricante de herbicidas; em São Paulo, invadiram áreas da Usina Cevasa, produtora de álcool, que teve parte de seu capital vendido há pouco para a Cargill, gigante mundial do agronegócio, e, no Ceará, interditaram a chamada rodovia do agronegócio, usada por exportadoras de frutas.

Essa inflexão do MST deve ser acentuada daqui para a frente, em decorrência dos problemas que, segundo seus líderes, são causados pelas transnacionais. Entre outras coisas, estariam impondo um modelo de monocultura ao País, com ênfase em produtos para exportação; promovendo novo processo de concentração de terras, com riscos para a agricultura familiar; causando desemprego e agredindo o meio ambiente, devido ao desmatamento e ao uso intensivo de agrotóxicos. Também são acusadas de controlar a produção de insumos ao redor do mundo e impor preços aos produtos agrícolas.

A mudança do MST é impulsionada por dois fatores: seus vínculos cada vez mais estreitos com a Via Campesina e a necessidade de mostrar suas contradições com o governo Lula, que, no segundo mandato, estaria se mostrando mais conservador e mais próximo do agronegócio do que no primeiro.

A organização internacional Via Campesina está na base de um esforço que vem sendo articulado ao redor do mundo contra as transnacionais, tentando reunir movimentos de sem-terra, pequenos agricultores e ambientalistas. Segundo Soraia Soriano, que faz parte da coordenação nacional do MST e representa a Via no Brasil, trata-se de uma tentativa de globalizar a oposição a empresas globalizadas: “É natural que isso ocorra, uma vez que as mesmas empresas estão presentes em diferentes partes do mundo.”

O que unifica os diferentes movimentos, ainda de acordo com suas explicações, é a defesa dos recursos naturais e do conceito de soberania alimentar. “No Brasil, a soja, a cana-de-açúcar e os eucaliptos do reflorestamento estão ocupando cada vez mais espaço, empurrando a pecuária para as regiões de floresta. No Rio Grande do Sul, está sendo implantado um projeto que prevê um aumento de 100 mil hectares na área de plantio de eucalipto, para a produção de celulose. Não é só a luta pela terra. Trata-se de ameaça à soberania alimentar.”

ALVOS

Em fevereiro, a Via reuniu cerca de 600 representantes de movimentos rurais de diferentes partes do mundo, entre eles o MST, na pequena cidade africana de Sélingué, no Máli. Eles discutiram soberania alimentar durante cinco dias e concluíram que devem reforçar a luta contra “o imperialismo, o neoliberalismo, o neocolonialismo e o patriarcado, e todo sistema que empobrece a vida, os recursos, os ecossistemas e os agentes que os promovem, como as instituições financeiras internacionais, a Organizações Mundial do Comércio, os acordos de livre-comércio, as corporações transnacionais e os governos que prejudicam a seus povos”.

Entre as corporações mais citadas no encontro estavam a Monsanto e a Syngenta, que estão na ponta das pesquisas, produção e comercialização de sementes transgênicas. No Brasil, elas têm sido sistematicamente criticadas pelo MST.

Em relação a Lula, o MST vive uma contradição: tem mais liberdade para atuar do que em governos anteriores, conta com mais recursos e até influência no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas está convencido de que o presidente se rendeu ao agronegócio. Para seus líderes, ouvi-lo dizer que os usineiros “estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo mundo está de olho no álcool” foi traição. Devem responder com mais ataques ao agronegócio.

www.mst.org.br

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