Pesquisa mostra como criminalização do aborto expõe mulheres a ciclo de violência, punição e violação de direitos

Estudo mostra que maioria das denúncias parte de profissionais de saúde; mulheres negras e periféricas são mais afetadas.
Uma nova pesquisa da Anis Instituto de Bioética sobre a criminalização do aborto no Brasil revela o que a co-diretora da organização, Luciana Brito, chama de “um ciclo de violências” imposto a mulheres e meninas. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, a especialista afirma que o sistema de justiça e os serviços de saúde ainda operam sob uma lógica misógina e punitivista. “Por uma moralização persecutória do aborto, o sistema de saúde passa a não cuidar da mulher que busca atendimento em razão de um evento obstétrico”, lamenta.
O estudo, que analisou casos jurídicos no período entre 2012 e 2022, mostra que a maioria das investigações contra mulheres que abortaram tem origem na quebra de sigilo por profissionais de saúde. “Essas mulheres que buscam um serviço de saúde correm risco. No lugar de serem cuidadas e protegidas, são perseguidas e punidas”, denuncia Brito. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), houve inclusive uma portaria que incentivava hospitais a acionar a polícia mesmo em casos de aborto legal por estupro.
Segundo a pesquisadora, a criminalização do aborto agrava desigualdades raciais e de classe. Uma mulher negra tem 46% mais chances de fazer um aborto do que uma mulher branca, conforme dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) divulgados em 2023. “A punição penal é o espelho dos efeitos do racismo que limitam o acesso a direitos, recursos, informação. São mulheres mais jovens, negras, vivendo em regiões periféricas do país”, aponta.
A opinião pública segue resistente à legalização, o que Brito aponta como uma contradição. “Opiniões não revelam práticas”, afirma. Ainda segundo a PNA, uma em cada sete mulheres com mais de 40 anos já abortou. “Todas nós conhecemos pelo menos uma”, sugere.
Impactos e necessidades
A criminalização, aponta a pesquisadora, também tem impactos na saúde física e mental das mulheres. “O que afeta essas mulheres não é o aborto em si. […] O problema é quando essa mulher é torturada, castigada, maltratada, deixada sangrando no serviço de saúde, algemada em uma maca de hospital, ameaçada por médicos”.
Ela critica a persistência do uso da curetagem (raspagem do endométrio), considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma violação de direitos humanos, e defende métodos menos invasivos, como a aspiração manual intrauterina (Amiu) e o uso de medicamentos.

Luciana Brito clama que o Estado brasileiro coloque no centro das políticas públicas “as necessidades de mulheres, meninas e outras pessoas que podem gestar”. E sugere que o Brasil se inspire em modelos latino-americanos, como a legalização argentina, a decisão da Suprema Corte da Colômbia e as políticas de redução de danos do Uruguai. “Países onde o aborto é criminalizado concentram maiores taxas de aborto e de mortalidade materna. Há evidências da queda das taxas de aborto nos anos seguintes em países que descriminalizaram”, reforça.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.
- Editado por Nicolau Soares.
Fonte: Brasil de Fato